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Parkinson, Corpos de Lewy e Alfa-sinucleína | Colunistas

Parkinson, Corpos de Lewy e Alfa-sinucleína | Colunistas

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Doença de Parkinson e sua relação com a α-sinucleína

A doença de Parkinson (DP) foi descoberta pelo médico inglês James Parkinson em 1817, sendo caracterizada pelas manifestações motoras, como tremor, e descrita como “paralisia agitante”. É mais prevalente em homens, principalmente os com idade próxima dos 60 anos, afinal, o seu aparecimento aumenta conforme a senescência avança. No Brasil, tem-se a estimativa de cerca de 200 mil portadores da doença, embora os dados epidemiológicos sejam escassos, e, com o avanço da inversão da pirâmide etária, caminha-se para que haja aumento progressivo nos casos detectados.

A DP pode ser considerada como neurodegenerativa e nela pode-se observar aparecimento dos corpúsculos de Lewy, inclusões intracelulares que aparecem nos neurônios dopaminérgicos, muito relacionado com uma proteína chamada de α-sinucleína.

Doença de Parkinson

Na DP ocorre o acometimento progressivo de neurônios dopaminérgicos pigmentados da parte compacta da substância negra, que fornecem inervação dopaminérgica no núcleo estriado. A etiologia da doença ainda é desconhecida na maioria dos pacientes, sendo considerada hereditária ou “esporádica”. Acredita-se que a DP resulte da combinação de fatores genéticos e ambientais.

Fisiopatologia

Uma doença neurodegenerativa pode ser caracterizada pela morte progressiva e irreversível de neurônios. Na DP, tanto na forma hereditária ou na esporádica da doença, a disfunção neuronal e a morte celular parecem estar muito relacionadas com o acúmulo intracelular de α-sinucleína. Essa proteína é um importante componente dos corpos de Lewy nos neurônios em degeneração da parte compacta da substância negra. Em neurônios dopaminérgicos afetados pela DP, a α-sinucleína mutante pode sensibilizar o neurônio para o estresse oxidativo e toxinas mitocondriais.

Os núcleos da base (NB) estão envolvidos em diversas atividades e, dentre essas, a mais associada com a DP seria sua relação com o controle de movimentos. Dentre seus componentes, cabe citar o estriado (caudado e putamen), globo pálido interno e externo, subtalâmico, substância negra parte compacta e parte reticulada. Os circuitos motores dos núcleos da base vão estar envolvidos na seleção das ações na preparação e na execução dos movimentos, no movimento em sequência, nos movimentos memorizados ou auto iniciados e no aprendizado por reforço (KANDEL, 2014).

Essa parte motora dos NB se relaciona com a área motora suplementar no córtex por meio dos núcleos ventral anterior e lateral do tálamo. Os neurônios estriatais eferentes são gabaérgicos, fazendo sinapses inibitórias, e irão se conectar tanto com o globo pálido interno quanto o externo através das vias diretas (excitatória) e indiretas (inibitória). A comunicação entre o estriado e a parte compacta da substância negra, que tem como neurotransmissor a dopamina, sugere que ela tem atividade inibitória na via indireta por trabalhar com receptores D2 e excitatória com os D1. Um desbalanceamento na atividade dessas vias irá gerar diversos problemas.

Os neurônios da via indireta estão muito relacionados com a DP, visto que podemos observar a neurodegeneração dos neurônios dopaminérgicos da substância negra compacta. Basicamente, os neurônios estriatais da via indireta se relacionam através do GABA com o globo pálido externo (ocorre menor ativação dele visto que GABA é inibitório), de modo a diminuir sua atividade gabaérgica sobre o núcleo subtalâmico, o que aumenta a influência sobre o globo pálido interno e a substância negra em sua parte reticular. Desse modo, esses últimos promovem inibição dos núcleos talâmicos sobre a área motora suplementar, dificultando o movimento. Os neurônios dessa via possuem receptores D2 dopaminérgicos e co-expressam receptores de encefalinas (OBESO, 2008; KANDEL, 2014).

Como na DP ocorre a neurodegeneração dos neurônios dopaminérgicos, principalmente os com receptores D2 da substância negra, a inibição pela via indireta é reduzida bem como a excitação da via direta, quando os neurônios da substância negra na parte compacta com receptores D1 também é atingida. De modo resumido, a redução dos níveis de dopamina, principalmente na via nigro-estriatal, leva a um aumento do disparo tônico em neurônios do globo pálido interno e da substância negra em sua parte reticular. Ocorre, então, um aumento da inibição dos núcleos ventrais do tálamo e aumento do disparo potencial nos neurônios do núcleo pedúnculo-pontino e da região locomotora mesencefálica. Com a diminuição da ativação do córtex motor, inibição do sistema de execução locomotora e supressão do sistema inibitório do tônus muscular, teríamos o aparecimento de sinais clínicos característicos da DP

Sintomas característicos

Os sintomas característicos da DP são tremor de repouso, bradicinesia, tônus muscular e comprometimento da marcha (BRUNTON, 2019, p.401). Eles costumam ocorrer quando há perda de 70 a 80% dos neurônios que contêm dopamina.

Estágios

Sintomas clínicos e evolução da doença de Parkinson
Disponível em: https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(14)61393-3/fulltext

A DP se inicia anos antes que seu diagnóstico possa ser feito. Sintomas prodrômicos, como comprometimento olfatório, constipação, depressão, sonolência diurna excessiva e disfunção do sono REM ocorrem. O tremor em repouso geralmente é o primeiro sintoma, é muito evidente e marcante na DP e apresentam-se como largos e cadenciados. A rigidez muscular é marcada pelo aumento do tônus muscular e da resistência à movimentação passiva, podendo apresentar dois padrões, um denominado “cano de chumbo” e outro “roda dentada”. Há ainda sintomas não motores que ocorrem no estágio mais avançado da DP, como disfunções cognitivas (como a demência), psicose e alucinações, apatia, abulia, fadiga, disfunções autonômicas (hipotensão ortostática).

Tratamento farmacológico

A medida terapêutica tem como característica tentar aumentar a ação dopaminérgica no estriado para reduzir os sintomas, de modo que o tratamento tenha um caráter paliativo, objetivando a redução dos sintomas para que a qualidade e expectativa de vida do paciente aumentem.

A levodopa tem sido muito usada nesse sentido, visto que no SNC é convertida em dopamina pela dopadescarboxilase e armazenada em neurônios pré-sinápticos até ser liberada no núcleo estriado. Para que ela não seja descarboxilada por enzimas da mucosa intestinal e de outros tecidos, costuma-se associá-la a inibidores com carbidopa para evitar sua descarboxilação periférica. Os efeitos colaterais observados podem ser, por exemplo, a náusea, o vômito, hipotensão ortostática e complicações motoras no tratamento de longo prazo devido a flutuações na resposta motora, com episódios “ON”/“OFF”.

Dentre outras classes de fármacos usados, cabe citar os agonistas dopaminérgicos, que diminuem o metabolismo oxidativo da dopamina, inibidores da COMT, que metaboliza a dopamina, inibidores da MAO-B e antagonistas muscarínicos.

Corpos de Lewy

A DP é um resultado da degeneração de neurônios dopaminérgicos do SNC e nela costuma ser observado inclusões citoplasmáticas, como os corpos de Lewy nos neurônios remanescentes. Os corpos de Lewy são inclusões eosinofílicas nos citoplasmas neuronais, compostos, principalmente, por agregados de α-sinucleína, ubiquitina e sinfilina-1.

Foram descritos também na literatura os neuritos de Lewy, que, embora similares aos corpos de Lewy, possuem arranjo tridimensional distinto, são alongados, e localização preferencial nos prolongamentos neuronais (Teixeira-Jr AL, 2005).

α-sinucleína

A α-sinucleína pode formar diferentes tipos de agregados, como pontos ou estruturas finas como fios (fibrilas). Esses tipos e formas de agregados podem estar relacionados com a neurodegeneração da DP. De modo resumido, fatores que facilitam a agregação da alfa-sinucleína e a formação de fibrilas podem ser: mutações, clivagem errada (120 aminoácidos em vez de 140), decréscimo do pH e aumento da temperatura, interação com íons metálico (como Fe2+, Cu2+), interação com lipídios e outras substâncias, como a dopamina, modificações pós-traducionais e estresse oxidativo, por exemplo (PERFEITO, 2012).

A mutação, duplicação ou triplicação do gene SNCA (SNCA codifica a proteína pré-sináptica α-sinucleína no cromossomo 4, que codifica a α-sinucleína) pode estar muito associado à forma monogênica da doença, como podemos observar em várias famílias com parkinsonismo autossômico dominante. Afinal, a proteína em um estado mal dobrado pode se tornar insolúvel e se agregar, de modo que forme inclusões intracelulares nos corpos de Lewy.

Em neurônios dopaminérgicos afetados pela DP, a α-sinucleína mutante pode sensibilizar o neurônio para o estresse oxidativo e toxinas mitocondriais. Um exemplo de molécula que gera essa sensibilização dos neurônios levando à sua morte é a neurotoxina MPTP (1-metil-4-fenilpiridina), a qual afeta o complexo mitocondrial I. O estresse do retículo endoplasmático e a disfunção mitocondrial podem contribuir para a morte celular através de um decréscimo do potencial membranar mitocondrial, liberação de citocromo c e aumento da atividade das caspases 9 e 3. A MPTP é utilizada para o estudo da DP em modelos animais. (PERFEITO, 2012; KANDEL, 2014).

A deleção do gene da alfa-sinucleína em estudos com ratos demonstra um aumento da libertação de dopamina nos terminais nigroestriatais, de modo que ela possa participar como modulador negativo da neurotransmissão da dopamina. Ela também poderia alterar a captação de dopamina pelo transportador membranar. Fora isso, a atividade da tirosina hidroxilase poderia também ser regulada pela alfa-sinucleína, o que pode interferir na síntese de dopamina.

Doença de Parkinson e demência de corpos de Lewy (DCL)

A DP pode ser considerada uma proteinopatia. Dentre as doenças neurodegenerativas associadas à α-sinucleína, sinucleinopatias, teremos a doença de Parkinson e a demência de corpos de Lewy. Alguns especialistas acreditam que as duas doenças possam compor uma sinucleinopatia mais generalizada do sistema nervoso.

A demência causada por DP seria caracterizada por corpos de Lewy na substância negra e seria uma observação tardia da doença. A patologia por corpos de Lewy é uma degeneração de caráter crônico e representada pelos corpos de Lewy no citoplasma de neurônios corticais (Huang Juebin, Manual MSD).

A patologia de Lewy não se restringe ao cérebro, mas também pode ser encontrada na medula espinhal e no sistema nervoso periférico (SNP). Na DCL pacientes com alucinações visuais tendem a apresentar maior quantidade de corpos de Lewy em estruturas temporais, como o giro parahipocampal e a amígdala (Teixeira-Jr AL, 2005).

Conclusão

Infere-se, portanto, que a alfa-sinucleína aparentemente tem grande importância na patologia da doença de Parkinson, atuando através dos seus agregados no cérebro e sendo uma característica molecular das sinucleinopatias como a DP. Assim, embora essa doença neurodegenerativa possua uma etiologia aparentemente multifatorial (fatores genéticos e ambientais), modificações da alfa-sinucleína, uma proteína abundante nos corpos de Lewy, parecem influenciar na DP, seja levando ao estresse oxidativo através da regulação da síntese de dopamina, seja levando a uma forma hereditária autossômica dominante da DP, seja influenciando a função da SUP e da mitocôndria, etc.

Autor: Calebe Lima de Brito

Instagram: @calebelimabrito


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

BRUNTON, Laurence L. (Org.). As Bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman. 13. ed. Porto Alegre: Artmed, 2019 ISBN 9788580556148.

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KANDEL, E.R. Princípios de Neurociências. Porto Alegre Ed. MC HILL 5a. Edição 2014.

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OBESO, Jose A.; Rodríguez-oroz, Maria Cruz; Benitez-temino, Beatriz; BLESA, Franscisco J.; GURIDI, Jorge; MARIN, Concepción; RODRIGUEZ, Manuel. Functional organization of the basal ganglia: therapeutic implications for parkinson’s disease. Movement Disorders, Spain, v. 23, n. 3, p. 548-559, mar. 2008. Wiley. http://dx.doi.org/10.1002/mds.22062

PERFEITO, R., & REGO, A. C. (2012). Papel da alfa-sinucleína e da disfunção mitocondrial associada à doença de Parkinson. Revista Neurociências, 20(2), 273- 284. https://doi.org/10.34024/rnc.2012.v20.8280

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Demência por corpos de Lewy e demência da doença de Parkinson – https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/delirium-e-dem%C3%AAncia/dem%C3%AAncia-por-corpos-de-lewy-e-dem%C3%AAncia-da-doen%C3%A7a-de-parkinson#:~:text=dem%C3%AAncia%20por%20corpos%20de%20Lewy%20%C3%A9%20a%20perda%20progressiva%20da,t%C3%AAm%20a%20doen%C3%A7a%20de%20Parkinson.