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O peak flow meter é um aparelho eficaz que auxilia na análise da função respiratória. Em 2020, com a expansão do Sars-CoV-2, popularmente coronavírus, as técnicas de estudo das funções respiratórias precisaram ser exploradas.
Nesse viés, os diferentes equipamentos, entre eles o peak flow meter, passaram a ser utilizados e aprimorados em alguns casos para ampliar o acesso e eficiência durante exames dos pacientes.
Para compreender a utilização desse equipamento, é preciso entender a morfofisiologia da respiração, o equipamento e, por fim, observar como a sua funcionalidade impacta em casos de Covid-19.
Anatomia do sistema respiratório
O sistema respiratório é composto principalmente pelas pleuras, pulmões e pela árvore traqueobronquial. As pleuras são sacos serosos que revestem os pulmões, de modo que auxiliem na proteção do órgão. Existem duas que revestem os pulmões, uma sobre a outra, a visceral e a parietal.
Os pulmões, por outro lado, são os órgãos vitais da respiração, visto que é por meio deles que ocorre todo o processo de troca gasosa. Eles são estruturas leves, macias e esponjosas, além de serem extremamente elásticos, o que auxilia no seu processo fisiológico.
A árvore traqueobronquial inicia-se a partir da laringe, seguindo pela traqueia até se bifurcar em dois brônquios, o direito e o esquerdo. A partir deles, ramificam-se os bronquíolos, que formam o que se assemelha a uma árvore, fazendo jus ao nome.
Essas estruturas ficam cada vez mais finas, até chegar em suas extremidades, que são os sacos alveolares. Estes são revestidos por vasos capilares, que serão de fundamental importância para compreensão da fisiologia pulmonar.
Fisiologia da respiração
O sistema respiratório é de grande importância para o funcionamento do corpo, visto que viabiliza a troca gasosa. Ademais, ele auxilia na introdução de oxigênio até a circulação, por meio do processo inspiratório, e remove, por meio da expiração, o dióxido de carbono que foi produzido pelo nosso organismo. Ademais, o sistema ainda auxilia no metabolismo de algumas substâncias.
Com o intuito de funcionamento da respiração, três forças atuam de maneira conjunta para proporcionar o funcionamento do sistema. A primeira é a pressão alveolar, que é a que se encontra dentro dos alvéolos. Ela é necessária para que o ar entre nos pulmões, visto que os gases, assim como fluidos, se movimentam devido às diferentes pressões entre as áreas, dirigindo-se de uma região de maior pressão para uma de menor. Quando a pressão alveolar reduz, o ar sofre uma força que o impulsiona para dentro dos alvéolos, gerando o processo da inspiração. Outra força é a pressão intrapleural, que existe na cavidade da pleura. A pressão entre elas é dita negativa, por ser menor que a da atmosfera. Isso gera uma aderência entre as duas pleuras. Quando essa pressão fica um pouco menos negativa, sem passar a atmosférica, o pulmão retrai. O contrário ocorre quando ela se torna mais negativa, gerando expansão dos pulmões. A última força é a transpulmonar, que é a diferença entre a pressão alveolar e a pressão intrapleural. É por meio dela que se nota a quantidade de ar que vai entrar nos pulmões, uma vez que, quanto maior for a pressão transpulmonar, maior a quantidade de ar que entrará nos pulmões.
Tendo conhecimento disso, pode-se compreender os eventos da respiração. Inicialmente, os músculos inspiratórios se contraem, aumentando o volume torácico/pulmonar. Sabendo que pressão é uma força aplicada sobre uma área, conforme essa área aumenta, a pressão reduz. Isso gera a diferença de pressão entre atmosfera e alvéolos, visto que, pelo aumento da área, os alvéolos passaram a ter uma pressão menor. Voltando ao que foi dito, os gases movimentam-se de áreas de maior pressão para as de menor pressão, gerando a movimentação do ar externo para dentro dos pulmões.
Simultaneamente, a pressão intrapleural reduz, visto que, com a expansão pulmonar, a retração elástica eleva, reduzindo a pressão pleural.
Por fim, ocorre a expiração, em que os músculos que foram contraídos vão se relaxar, reduzindo o volume pulmonar. Em seguida, as pressões alveolar e intrapleural normalizam, fazendo com que o ar saia dos pulmões.
Ademais, outro conceito importante do processo respiratório é saber da lei de Fick. Segundo essa lei física, a movimentação de um gás através de um tecido é proporcional à área tecidual e inversamente proporcional à espessura desse tecido. Ou seja, quanto mais fina a membrana alvéolo-capilar (que reveste os sacos alveolares), mais fluído será o processo de troca gasosa. Sendo assim, em determinadas patologias, essa membrana pode aumentar devido a processos inflamatórios, fazendo com que todo o processo respiratório seja reduzido, visto que o oxigênio não consegue se difundir em quantidade suficiente. O quadro apresentado pode resultar em insuficiência respiratória.

Fonte: Imagem seccionada do livro de Anatomia do Moore
Funcionamento do peak flow meter
A respiração é um processo vital, sendo, portanto, necessário que existam técnicas capazes de avaliar sua condição. Nesse viés, surge a espirometria, que consiste em medir a entrada de ar nos órgãos respiratórios. Ela é de suma importância, uma vez que, por meio de suas técnicas, pode-se avaliar disfunções pulmonares, evolução de doenças como pneumonias, além de avaliar riscos cirúrgicos. Existe uma variedade de equipamentos eficazes que podem executar a espirometria, mas é necessário sempre analisar a qualidade por meio da American Thoracic Society (ATS) e British Thoracic Society (BTS).
Dentro da variedade de modos de explorar a espirometria, existe a técnica que pode mensurar a velocidade máxima do ar durante o processo expiratório. Um exemplo, é quando se utiliza o teste de fluxo (fluxometria), que se baseia na mensuração da capacidade vital forçada (CVF). Para isso, o indivíduo expira rápido e profundo, o máximo que conseguir, jogando todo ar que puder para fora dos pulmões. A técnica precisa de clip nasal, para evitar que o ar saia pelo nariz e seja jogado pela boca.
A manobra citada gera alguns valores, que podem ser diretos ou indiretos e são medidos em litros por segundo ou por minutos. Os valores diretos são por meio da capacidade vital forçada (CVF), que é o volume de ar que é expirado, de modo rápido. O volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) é o máximo de volume que uma pessoa pode expirar dentro do primeiro segundo durante a expiração. Por último, existe o peak flow, que é o maior pico do fluxo da expiração após um processo expiratório forçado, podendo ser medido em litros por segundo ou por minuto.
Assim, surge o peak flow meter, um equipamento capaz de medir o próprio peak flow do processo respiratório. É muito utilizado por ser um pequeno aparelho manual, que o paciente segura com as mãos, inala a maior quantidade de ar possível e expira esse ar dentro do equipamento. Sua escala mecânica, marcando valores entre 60 até 880 L/min aproximadamente (em adultos). O valor reduz quando apresentar faixa de escala pediátrica.
Para funcionar, ele possui uma mola, que é movida via fluxo de ar expirado. Essa mola, após ter sido movimentada pelo ar, arrasta o medidor, que irá parar em seu fluxo máximo da escala apresentada. Ele é caracterizado por um tamanho e custo reduzidos, o que fez com que começasse a ganhar espaço na comunidade de saúde. Ademais, tende a ser um método confiável, capaz detectar possíveis patologias que obstruem o fluxo aéreo ou então de monitorar pacientes que possuem doenças, como a asma, que deve ser avaliada constantemente. O contrário também pode ser obtido, utilizando-o para avaliar a melhora de um paciente que estava com o fluxo respiratório debilitado.
A COVID-19: um pouco sobre a doença
No final de 2019, o mundo se deparou com uma doença até então desconhecida que infectou pessoas na cidade de Wuhan, que é a capital de uma província chinesa. Pouco tempo depois, mortes começaram a ser registradas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) relatou que os casos de pneumonia estavam aumentando rapidamente na região. Pouco depois, detectaram que se tratava de um novo vírus da família coronavírus, semelhante a síndrome respiratória do oriente médio (MERS) e síndrome respiratória aguda grave (SARS).
A doença se espalhou rapidamente devido ao mundo globalizado em que vivemos, e essa interligação de países fez com que as pessoas começassem a levar a doença misteriosa para diversos locais, sem mesmo saber que estavam infectadas. No final de janeiro de 2020, a OMS decretou a situação como emergência de saúde pública com atenção internacional devido ao avanço da doença. A partir disso, surge a famosa COVID-19, que, com o passar do tempo, mobilizou todas as regiões do mundo, tornando-se uma pandemia, com muitos casos aumentando o tempo todo e muitas mortes sendo registradas, além do potencial de infecção via respiratória, principalmente, elevado.
A COVID-19, cujo nome vem do inglês coronavirus disease-19, é uma doença que acomete o sistema respiratório devido ao coronavírus, que no caso é o SARS-CoV-2. Eles são agentes virais com material genético de RNA. É uma doença que se transmite, na maior parte dos casos, via partículas respiratórias, seja por meio de espirros, fala, tosse. Sendo assim, o contato com essas partículas, por meio da proximidade com as pessoas, poderá infectar outro indivíduo.
Sabe-se que a COVID-19 é uma doença que possui tropismo pelo sistema respiratório, significando que a maioria dos sintomas e agravamentos da patologia ocorrem nesse sistema. Após entrar no organismo do indivíduo, o SARS-Cov-2 tende a se direcionar para as células epiteliais do nariz e brônquicos principalmente. Ele possui proteínas spike que vão se ligar aos receptores de enzimas conversoras de angiotensina 2, chamadas de ECA2. Após o processo inicial, a replicação tende a aumentar, prejudicando a barreira epitelial do endotélio, acentuando a resposta inflamatória do corpo. As células dos alvéolos vão mobilizar linfócitos T, monócitos e neutrófilos, que são células de defesa do organismo. Devido à resposta celular exacerbada, ocorre um espessamento da membrana alveolar, gerando edema na região. Posteriormente, isso é intensificado, gerando problemas na hematose, ou seja, aumenta a concentração de CO2 nos tecidos, uma vez que ele não consegue sair, e reduz o O2 entrando nos tecidos, prejudicando gravemente a função respiratória.
Então, os principais sintomas de tosse e dificuldade para respirar vão sendo intensificados com o tempo, comprometendo a função pulmonar e gerando obstrução das vias áreas inferiores. Além disso, tem-se a perda da capacidade normal de funcionamento da respiração.


Fonte: http://www.paulomeira.com.br/2020/11/27/fisiopatologia-transmissao-diagnostico-e-gestao-da-covid-19/
Peak flow meter e a COVID-19
Como anteriormente explicado, a COVID-19 altera a função pulmonar normal, podendo prejudicar muito o organismo que foi infectado. Logo, devido ao alastramento intenso em diversos locais do mundo, é necessário cada vez mais explorar a tecnologia já existente para tentar usufruir de equipamentos e técnicas para auxiliar no acompanhamento da doença.
O peak flow meter pode ser eficaz nesse cenário. Sabendo que ele é capaz de medir a função respiratória, pode ser utilizado para monitorar a melhora do indivíduo em recuperação devido à COVID-19. No entanto, é importante frisar que a utilização do peak flow meter é restrita aos seguintes casos: uso individual por equipamento, para evitar contágio e proliferação em casos de infecção ativa; utilização domiciliar em pacientes asmáticos (com ou sem Covid-19) ou então para monitorar a resposta terapêutica. Quando utilizado, o aparelho pode gerar tosse, o que pode ser um meio de propagação de gotículas contaminadas. Sendo assim, sua utilização em pacientes ativamente contaminados deve ser cuidadosa.
Dentro das recomendações para suporte ventilatório não invasivo e de terapias adjuvantes, surgem os suportes de oxigênio via fluxos de cânulas nasais, chamados HFNO (High-Flow Nasal Oxygen). Nesses casos, o debitômetro pode ser utilizado com sistemas de humidificação ativa. Desse modo, eles podem auxiliar na mensuração da capacidade respiratória. No entanto, durante o período de infecção, é preciso que o equipamento seja adequado para evitar propagação de partículas e, consequentemente, evitar contaminação. Desse modo, a utilização de modelos semelhantes que avaliam o peak flow respiratório são usados de maneira mais incisiva, visto que possuem um sistema que evita contaminação.
No período pós-infecção, durante as fisioterapias pulmonares, pode-se utilizar o peak flow meter como método de avaliação do processo de recuperação da função pulmonar. Sabe-se que após o quadro infeccioso da COVID-19, muitos pacientes ficam com sequelas pulmonares. Desse modo, muitos são aconselhados a procurarem fisioterapia pulmonar, com objetivo de melhorar sua função respiratória. Durante esse processo, em locais com menos recursos financeiros, pode-se utilizar o equipamento para avaliar a melhora do paciente.
Conclusão
Em suma, o peak flow meter é um equipamento capaz de mensurar a capacidade pulmonar. É muito utilizado em doenças que obstruem o fluxo respiratório e, consequentemente, geram disfunção pulmonar. Em pacientes asmáticos, utiliza-se frequentemente o aparelho, visto ele permite avaliação do fluxo respiratório em qualquer lugar e de maneira bem rápida. No entanto, em temos de pandemia do SARS-CoV-2, é interessante refletir sobre a tecnologia existente e tentar avaliar como tudo pode ser utilizado para acompanhar pessoas que foram infectadas. Ademais, vale ressaltar que a pandemia não é a mesma em todos os lugares, visto que existe divergência financeira e social em diversos locais do mundo, assim como dentro dos próprios países. Portanto, é imprescindível que se observe os métodos mais eficazes dentro de cada cenário em que o novo coronavírus se instalou. Mesmo que o peak flow meter não seja o equipamento mais eficaz para tal, devido aos riscos de contaminação, quando utilizado por pacientes ainda infectados, ele pode ser utilizado após o processo infeccioso, durante as fisioterapias pulmonares, para avaliar a recuperação.
O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências:
BASES FUNDAMENTAIS DA ESPIROMETRIA – https://www.ufjf.br/nfbio/files/2016/06/Espirometria-2.pdf
Coronavirus Disease (COVID-19) – https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019/media-resources/science-in-5/episode-2
COVID-19: Fisiopatologia e Alvos para Intervenção Terapêutica – http://static.sites.sbq.org.br/rvq.sbq.org.br/pdf/RVq170920-a4.pdf
Fisiologia Respiratória- https://statics-submarino.b2w.io/sherlock/books/firstChapter/113957431.pdf
Fisiopatologia, transmissão, diagnóstico e gestão da COVID-19 – http://www.paulomeira.com.br/2020/11/27/fisiopatologia-transmissao-diagnostico-e-gestao-da-covid-19/
GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 12. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
Moore, Keith L.; DALLEY, Arthur F. Anatomia orientada para a clínica. 6 ed. Rio De Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2011.
Recursos fisioterapêuticos utilizados em unidades de terapia intensiva para avaliação e tratamento das disfunções respiratórias de pacientes com COVID-19 – https://assobrafirciencia.org/journal/assobrafir/article/doi/10.47066/2177-9333.AC20.covid19.007
Técnicas de uso do peak flow e da medida da altura – https://www.cff.org.br/userfiles/Tecnicas%20de%20uso%20do%20Peak%20Flow%20e%20da%20medida%20da%20altura%20FINAL.pdf