Urologia

Perspectivas futuras dos métodos contraceptivos masculinos | Colunistas

Perspectivas futuras dos métodos contraceptivos masculinos | Colunistas

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Muito bem classe, hoje iremos falar sobre anticoncepcionais, tema dedicado exclusivamente às mulheres, certo? Errado! Pelo menos para grande parte da comunidade científica, sobretudo no ano de 2019, que trouxe consigo muitas novidades relevantes no que se refere à contracepção masculina. Já no primeiro trimestre do último ano, foram publicados pela The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism dois estudos independentes, realizados paralelamente, a fim de lograr a obtençãode um anticoncepcional oral específico para o sexo masculino.

A primeira pílula apresentada era à base de Undecanoato de Dimetandrolona (DMAU), sendo administrada diariamente a doses de até 400mg, durante 28 dias em um grupo de 100 homens saudáveis entre 18 e 52 anos de idade, dos quais 82 concluíram o estudo, buscando verificar parâmetros de segurança, tolerabilidade e eventos adversos, além do efeito nos níveis hormonais destes indivíduos. Ao término do estudo concluiu-se que a administração oral diária de DMAU por 28 dias em homens saudáveis é bem tolerada, onde doses a partir de 200mg suprimem significativamente as concentrações séricas de testosterona, hormônio luteinizante (LH) e hormônio folículo estimulante (FSH).¹

A segunda pílula era composta por uma substância denominada 11-beta-MTNDC (11β-Metil-19-nortestosterona-17β-dodecilcarbonato), administrada em dose oral única de até 800mg em um grupo de 12 homens saudáveis, com o mesmo objetivo de se verificar a tolerabilidade, segurança e quantificação da dosagem hormonal sérica dos voluntários. Os resultados demonstraram que uma dose oral única de até 800mg de 11-beta-MTNDC é segura e bem tolerada em homens saudáveis, suprimindo consideravelmente as concentrações séricas de testosterona.2

Para nível de comparação o DMAU se hidrolisa in vivo a dimentrandolona (DMA) unindo-se a receptores andrógenos e progesterona com potente ação androgênica e relativa atividade progestacional, favorecendo a supressão reversível de LH, FSH e testosterona, consequentemente da espermatogênese e, por conseguinte, a fertilidade. Similarmente, o 11-beta-MTDNC que é um pró fármaco, após ser metabolizado resultará em 11-beta-MNT (11β-Metil-19-nortestosterona), forma ativa da solução, que assim como o DMA também apresentará atividade androgênica e progestacional, suprimindo os níveis séricos das gonadotrofinas e testosterona, apesar de que foi registrado em ensaios anteriores a supressão de testosterona intratesticular com manutenção da concentração plasmática normal, condição não suficiente para que ocorra a espermatogênese, portanto, anticonceptivo.1,2

É perceptível que ambas as substancias supracitadas irão interferir no eixe hipotalâmico-hipofisário-gonadal masculino, sendo importante ter em mente seu mecanismo onde, de maneira resumida e sucinta, o hipotálamo secreta o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), estimulando a adenohipófise a produzir LH e FSH, que irão atuar respectivamente sobre as células de Leydig nos testículos, produzindo testosterona e sobre as células de Sertoli dos túbulos seminíferos, estimulando a maturação espermatogênica3, conforme demonstrado no esquema abaixo:

Fonte: (Guyton, 2011)

Não obstante, vale ressaltar que existem ainda outros métodos, também em fase de testes, que prometem cumprir a função contraceptiva masculina de maneira efetiva. Um deles é o Gel Anticonceptivo à base de progesterona e testosterona, proposto pela Universidade de Edimburgo no Reino Unido, na qual 450 casais participam por um período de 12 meses desse estudo, cujo uso consiste apenas na aplicação do gel na região anterior do tórax e nos ombros. Ainda não há uma conclusão, pois o estudo segue em curso, mas pelos resultados iniciais esboçam expectativas favoráveis4. Outra opção, essa em estágio mais avançado segundo seus organizadores, um grupo de médicos de Nova Delhi na Índia, desenvolveram um método batizado de Inibição Reversível do Esperma Sob Controle (RISUG) que consiste na injeção de 120μl de uma substancia a base de polímeros sintéticos diretamente na luz de ambos os canais deferentes, promovendo a oclusão destes, levando o individuo a uma condição de azoospermia ou oligospermia severa. Declaram ainda terem produzido um método contraceptivo masculino efetivo, seguro e totalmente reversível, tendo sido aprovado em todos os testes desde a década de 1990, dependendo agora somente da liberação dos órgãos legais para que possam lançar no mercado, algo que esperam que ocorra já em 2020.5,6

A perspectiva é de que os métodos citados tão logo estejam disponíveis, ou seja, enquanto o RISUG pode ter sua aprovação comercial ainda neste ano, o gel anticonceptivo ainda carece de dados conclusivos para avançar de estágio. Por sua vez, os anticoncepcionais orais DMAU e 11-beta-MTDNC passaram a outra fase, porém, para alcançar a condição de um produto comercializável serão submetidos a novos ensaios, buscando resultados mais contundentes, sobretudo em casais ativos para finalmente serem disponibilizados no mercado, algo que em ambos os casos, segundo os responsáveis, deve ocorrer em até 10 anos.

A contracepção é definida como o uso de métodos e técnicas com a finalidade de impedir que o relacionamento sexual resulte em gravidez, sendo um conceito importante também no que se refere ao planejamento familiar, para a constituição de prole desejada e programada de forma consciente7 e, no caso do sexo masculino as opções são bem reduzidas se comparadas aos métodos disponíveis para as mulheres, limitando-se quase que exclusivamente ao preservativo masculino ou a vasectomia. No primeiro caso, além das queixas por parte de alguns homens, apresenta também considerável número de falha, geralmente decorrente de um uso inadequado; já a vasectomia é um método bastante eficaz, porém, caso o indivíduo deseje, a reversibilidade não é 100% garantida, algo que é levado em consideração por muitos homens. Partindo dessa problemática, novos métodos são necessários para que um leque maior de opções seja oferecido aos casais dando-lhes condições de diversificar suas escolhas, sobretudo aos homens.

Contrariando a euforia dos mais otimistas e receptivos a essas novidades, um estudo publicado na American Journal of Men’s Health com um grupo de 54 homens e 134 mulheres indicou uma alta aceitabilidade de 49,5% dessas pessoas a uma pílula masculina, no entanto, 42% dos entrevistados expressaram também a preocupação de que os homens se esquecessem de tomar a pílula, sendo as mulheres significativamente mais propensas a expressar essa preocupação do que os homens8. Em contraponto, Pereira & Azize, 2019, apontaram o desinteresse da indústria farmacêutica em desenvolver uma pílula masculina, mesmo depois de passado mais de meio século do surgimento do anticoncepcional hormonal feminino. Para eles, as justificativas para que ainda não se tenha um anticoncepcional oral masculino baseiam-se em entraves de ordem política, econômica, cultural e biológica.9

O sexo feminino detém a virtude de gestar, mas é válida a reflexão de que, uma vez que ambos os sexos possuem a capacidade de reprodução e existindo opções contraceptivas seguras e viáveis no mercado, não haveria uma razão de oposição para que ele/ela ou ambos façam uso desses métodos, desde que respeitando uma decisão consensual do casal e evidentemente sob orientação de um médico especialista. Nesse aspecto, vejo que o advento de uma pílula anticoncepcional masculina ou outro método como os que foram descritos nesse artigo, têm muito a contribuir para que diminua o numero de gravidezes indesejadas e contribuindo significativamente para um planejamento familiar adequado.