Pesquisadores brasileiros desenvolveram uma metodologia inovadora para ampliar o diagnóstico da retinopatia diabética, uma das principais causas de perda de visão irreversível no mundo e a maior causa de cegueira na população com idade entre 16 e 64 anos.
O modelo combina uma ferramenta para smartphone, inteligência artificial e aprendizado de máquina para facilitar, em alcance e precisão, a detecção da complicação e tem potencial de ampliar o acesso da população brasileira ao exame oftalmológico.
Foi desenvolvido por pesquisadores da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e IPEPI – Instituto da Visão, e validado pela comunidade médica internacional em artigo publicado em agosto de 2020.
Novas tecnologias no exame ocular
O estudo contou com a avaliação de retinografias (exame de imagem para análise das estruturas do fundo do olho) de 824 pessoas diagnosticadas com diabetes mellitus tipo 2, inscritas na Campanha de Diabetes de Itabuna (BA) de 2019.
As imagens foram captadas por meio de smartphones adaptados para tirar fotos oculares de alta qualidade e foram analisadas por um software por meio de inteligência artificial e aprendizado de máquina (deep learning). A identificação da presença de retinopatia teve precisão diagnóstica de 71,3%.
“As imagens foram analisadas por especialistas e, em paralelo, por meio de softwares. Nem todas as pessoas que o sistema de inteligência artificial identificou como tendo retinopatia, de fato a tinham. Por outro lado, nenhum paciente com quadros graves deixou de ser identificado”, disse ao Uol Fernando Malerbi, oftalmologista, membro do Departamento de Doenças Oculares SBD e um dos autores do estudo.
Prioridade no tratamento
Como explicou Rafael Ernane Andrade, oftalmologista idealizador do Mutirão do Diabetes de Itabuna e também membro da SBD, a utilização de inteligência artificial potencializou o tempo de realização dos laudos, uma vez que o algoritmo utilizado fazia rápida e precisa separação entre os pacientes com e sem alterações oculares.
“Com isso, pudemos focar e direcionar os casos mais graves primeiro e viabilizar rapidamente a convocação destes pacientes com retinopatia diabética mais grave, com maior risco de cegueira e outras complicações, para uma nova fase de avaliação —desta vez multidisciplinar”, disse ao Uol.
Ampliação do acesso
A retinopatia diabética (RD) é uma complicação microvascular crônica do diabetes mellitus (DM). Estima-se que a partir de 20 anos de convívio com a doença, cerca de 90% dos pacientes com diabetes tipo 1 e 60% com tipo 2 desenvolvem algum grau de retinopatia.
Apesar de não existirem estudos que demonstrem com exatidão a prevalência da doença no Brasil, a SBD estima que entre 24 e 39% da população tenha a condição, sendo mais frequente em pacientes que não residem em regiões metropolitanas.
Atualmente, a realização de exames de fundo de olho demanda a presença de um médico especialista e de equipamentos específicos, como os retinógrafos. A grande sacada dos pesquisadores foi acoplar uma câmera especial para que o smartphone consiga produzir imagens com qualidade equivalente ao do equipamento tradicional.
Além disso, equipes de assistência primária podem receber treinamento específico para a captação das imagens e, via telemedicina, encaminham aos oftalmologistas para diagnóstico.
Segundo os responsáveis pelo estudo, a articulação e a adaptação de ferramentas digitais permitem maior acompanhamento epidemiológico de doenças oculares, especialmente em regiões distantes com escassa rede de saúde, além da identificação precoce de alterações que afetem os olhos e, sobretudo, a prevenção de complicações e posteriores casos de cegueira.