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No começo da pandemia, a noção coletiva era a de que o novo coronavírus apenas atingia gente rica. Afinal, àquela altura, as pessoas com algum tipo de condição financeira trouxeram a Covid-19 da Europa, um dos epicentros da pandemia.
A preocupação de especialistas sociais e autoridades sanitárias passou a ser quando o Sars-CoV-2 chegasse às comunidades mais carentes e minorias étnicas. Diferentemente do grupo mais abastado, essas pessoas teriam mais dificuldade de acesso a um tratamento adequado. Sem contar a alta propagabilidade da Covid-19 entre esse grupo.
Um ensaio publicado no Journal of Epidemiology and Community Health, em junho desse ano, traz quatro fatores que explicam por que essas preocupações são tão pertinentes no cenário de “pandemia sindêmica“.
O que é pandemia sindêmica
Os pesquisadores usam esse termo para se referir à interação de fatores de risco e comorbidades que podem potencializar o efeito de uma doença. No caso da Covid-19, as comunidades menos favorecidas estão vulneráveis à ação conjunta do Sars-CoV-2, de doenças não-comunicáveis e condições sociais existentes.
As minorias étnicas e população em risco social geralmente vivem em áreas de maior privação socioeconômica ou em situação de pobreza. Também podem fazer parte de grupos marginalizados, como pessoas em condição de rua, prisioneiros e profissionais do sexo.
Seja por desigualdades socioeconômicas ou por serem minorias étnicas, apresentam quase todos os fatores que aumentam a gravidade e a mortalidade da Covid-19. São elas: hipertensão, diabetes, asma, doença pulmonar crônica, doenças cardíaca, hepática, renal ou cardiovascular; câncer, obesidade ou tabagismo.
Fatores da desigualdade em saúde
São quatro os fatores que explicam as desigualdades no desenvolvimento e tratamento da Covid-19 entre as pessoas menos favorecidas: condições de trabalho, acesso a serviços de saúde, habitação e determinantes psicossociais.
Condições de trabalho
As condições de realização do trabalho expõem as minorias ao novo coronavírus direta e indiretamente. Profissionais do setor de serviços, com salários mais baixos, têm mais probabilidade de serem vistos como essenciais. Por isso, precisarão sair para trabalhar, utilizar o transporte público, em resumo, se expor mais à Covid-19.
As condições adversas também expõem os profissionais. Sejam os riscos ergonômicos, o trabalho repetitivo, a insegurança no emprego ou os baixos salários. Essas condições estão associadas ao aumento dos riscos de doenças respiratórias, certos tipos de câncer, hipertensão, estresse e ansiedade.

Acesso a serviços de saúde
Mesmo em sistemas universais de saúde, como o SUS, o acesso aos tratamentos é menor em comunidades desfavorecidas, de acordo com o ensaio. Esse fator, mesmo antes da pandemia, contribui para os piores resultados da Covid-19 em áreas mais marginalizadas.
Além disso, pessoas com condições pré-existentes, fatores de risco para a doença, têm menos probabilidade de receber diagnóstico e tratamento. Isso porque os serviços de saúde, agora após a pandemia, já estão sobrecarregados.
Habitação de algumas
A moradia também é um fator importante na geração de desigualdades de acesso e cuidado com a saúde. As condições do imóvel podem desencadear problemas, como doenças respiratórias em caso de moradia úmida, ou taxas mais altas de infecção em caso de superlotação dos imóveis.
Impacto também por meio dos custos, como resultado de aluguéis caros, e por insegurança psicossocial. Ou seja, grupos socioeconomicamente menos favorecidos estão mais expostos à moradia de baixa qualidade ou insegura, o que implica consequências negativas para a saúde.
Os pesquisadores dão exemplo: é provável que bairros carentes tenham casas menores, sem espaço externo, mas com densidade populacional mais alta. Isso pode desencadear aumento das taxas de transmissão da Covid-19, da mesma forma que foi observado na época do surto de H1N1, em 2009.
Determinantes psicossociais
Pesquisas descobriram que o estresse crônico decorrente da privação material e psicológica está associado à imunossupressão. De acordo com o ensaio, sentimentos psicossociais de subordinação ou inferioridade estimulam respostas fisiológicas ao estresse.
Quando prolongados, podem implicar reações à saúde física e mental. Esse sentimento é estimulado pela ocupação de posições mais baixas na hierarquia social.
Os pesquisadores exemplificam: estudos encontraram associações entre baixo status no trabalho, morbidade relacionada ao estresse e condições crônicas. Entre elas: doenças cardíacas, hipertensão, obesidade, doenças osteomusculares e problemas de saúde mental.
Da mesma forma, viver em ambientes desfavorecidos pode produzir sensação de impotência e ameaça coletiva entre os moradores, o que leva a estresses crônicos capazes de prejudicar a saúde.
Implicações da pandemia de Covid-19 sobre as minorias
O ensaio analisa as implicações da pandemia de Covid-19 nas desigualdades referentes à saúde. Os pesquisadores recorrem a evidências históricas e contemporâneas em pandemias, a partir da Gripe Espanhola de 1918 e o surto de H1N1 em 2009. O comparativo é feito com dados da pandemia coletados em abril na Espanha, Estados Unidos e no Reino Unido.
As desigualdades são históricas. A literatura demonstra que houve diferenças nas taxas de prevalência e mortalidade, em 1918, entre países de alta e baixa renda.
A Índia, por exemplo, teve taxa de mortalidade 40 vezes maior que a Dinamarca. Da mesma forma, a taxa de mortalidade em países da América do Sul foi 20 vezes maior do que na Europa.
Em 2009, as desigualdades se confirmaram. O México teve taxa de mortalidade mais alta que os países mais ricos. Já na Inglaterra, a taxa de mortalidade por H1N1 foi três vezes maior nos bairros carentes.
Com a pandemia da Covid-19 não é diferente. Dados preliminares divulgados pelo governo catalão, na Espanha, sugerem que a taxa de infecção pelo novo coronavírus é seis a sete vezes maior nas áreas mais carentes.
Nos Estados Unidos, pesquisadores encontraram risco maior de morte por coronavírus entre os moradores de bairros mais desfavorecidos. Dados da Inglaterra e do País de Gales indicam que pessoas negras, asiáticas e de minoras étnicas representam 34,5% dos 4.783 pacientes com Covid-19 em estado crítico até 16 de abril.
Um alerta: apenas 14% da população da Inglaterra e do País de Gales pertence a esses grupos.
