Medicina da Família e Comunidade

Precisamos conversar sobre violência obstétrica | Colunistas

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A gestação é considerada um marco importante na vida de uma mulher, sendo caracterizada por um misto de sentimentos e incertezas diante da mudança em suas rotinas e da chegada de um novo membro na família. Entretanto, as situações de violência durante a parturização são muito frequentes, transformando o que deveria ser uma experiência prazerosa e única em uma lembrança traumática e dolorosa.

A violência obstétrica é um termo que ainda possui um conceito em construção, porém podemos caracterizá-la como desrespeito humano durante o cuidado com a gestante, desde o pré-natal até o parto propriamente dito, o que inclui práticas e condutas médicas sem respaldo científico.

Esse fato enfatiza a importância de uma boa formação por parte dos profissionais e da realização constante de aperfeiçoamento profissional.

Práticas comuns que podem ser consideradas violência obstétrica

Uso da episiotomia como rotina

A episiotomia é o corte no períneo, região entre a vagina e o ânus. O procedimento é realizado com o intuito de ampliar o canal do parto para facilitar a passagem do bebê durante o nascimento, evitando uma possível laceração irregular.

Os estudos científicos mostram que ela é necessária para apenas uma minoria dos partos,por exemplo, quando o anel vulvar está endurecido ou vascularizado, o que só pode ser notado no momento em que o bebê já está saindo. Além disso, muitas vezes o procedimento é realizado sem o consentimento da parturiente.

Manobra de Kristeller

A manobra consiste em pressionar a parte superior do útero para acelerar o parto, podendo levar a traumas tanto no bebê quanto na mãe.

Lavagem intestinal

A lavagem intestinal tem como intuito que o risco de escape de fezes durante o trabalho de parto seja menor.

Impedir que a mulher grite ou se expresse

As contrações do trabalho de parto doem. Quando as gestantes as sentem, é comum a vontade de se expressar e gritar, podendo ser repreendidas pela equipe médica, esse fato tende a ser ainda mais comum quando a paciente se trata de uma mulher negra, evidenciando o preconceito como elemento importante a ser desconstruído.

Impedir livre posição e movimentação durante o trabalho de parto

Em um trabalho de parto normal, é benéfico que a mulher consiga se movimentar e ficar em várias posições. No entanto, muitas vezes a equipe impede isso e a faz ficar deitada na cama retardando o parto e ampliando ainda mais a realização de práticas violentas como as citadas anteriormente.

Atualmente ouve-se muito sobre a disseminação do “parto humanizado” dentro dos ambientes hospitalares e clínicos, mas, na verdade, o termo “parto humanizado” serve apenas para enfatizar o que deveria ser natural, afinal um acompanhamento realizado por um humano a outro deve ser cordial, respeitando naturalmente as escolhas do ser acolhido e sua autonomia durante o processo, mas infelizmente há a necessidade de que isso seja relembrado continuamente, pois muito se fala, mas pouco se vê.

Alguns fatores influenciam para a persistência e os altos índices de violência obstétrica, dentre eles, é importante enfatizar a falta de informação por parte das futuras mães que muitas vezes deixam sua autonomia de lado para seguir o que lhes foi recomendado mesmo que muitas vezes tal orientação não venha a beneficiar nem a ela nem o bebê. Temos como exemplo o crescimento das cesárias eletivas; além disso, podemos citar  a visão distorcida de alguns médicos  em tornar o acompanhamento obstétrico unilateral, dessa forma ignorando opiniões alheias a sua, e a falta de humanização por parte de todos os profissionais responsáveis pela parturiente.

Uma medida tomada a fim de prevenir a violência obstétrica em casos de emergência é a elaboração do plano de parto, o qual é definido com antecedência junto ao médico obstetra responsável pelo acompanhamento com as preferências da parturiente. Antes que qualquer decisão venha a se tornar parte do plano de parto da gestante, é necessário que haja flexibilidade para todos os questionamentos possíveis, até que a parturiente se sinta confiante e tranquila. Essa ferramenta também se faz eficaz na ampliação da autonomia das pacientes garantindo que suas vontades e escolhas relacionadas ao parir sejam respeitadas e acolhidas.

Infelizmente no Brasil ainda não existe uma lei que defina ou puna violência obstétrica, porém a Organização Mundial da Saúde (OMS) defende que isso deve ser tratado como uma violação dos direitos humanos. Em 2011, foi sancionada a Rede Cegonha, que se trata de uma estratégia ofertada pelo Mistério da Saúde e tem como intuito oferecer aos estados e municípios condições, sejam elas profissionais ou estruturais, para que haja uma ampliação do acompanhamento às gestantes de forma humanizada do pré-natal ao parto, o que reduziu as taxas de violência obstétrica, além de muitos hospitais já possuírem um setor próprio voltado para a ampliação da humanização no cuidado.

Podemos afirmar que essas mudanças foram e são de grande valia no que diz respeito ao acolhimento de gestantes e prevenção da violência obstétrica, mas ainda há muito o que se fazer.

Autora: Yasmin Clara Fernandes

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências Bibliográficas

ANDRADE, Briena Padilha; AGGIO, Cristiane de Melo. Violência obstétrica: a dor que cala. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2014.

DO PRINCÍPIO, Rede Parto. Violência obstétrica “parirás com dor”. 2012.

LANSKY, Sônia et al. Violência obstétrica: influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes. Ciência & Saúde Coletiva, v. 24, p. 2811-2824, 2019.

MEDINA, Graciela. Violencia obstétrica. Revista de Derecho y Familia de las Personas, v. 4, n. 1, p. 1-4, 2009.

PEREIRA, Carlota; DOMÍNGUEZ, Alexa; TORO, Judith. Violencia obstétrica desde la perspectiva de la paciente. Revista de Obstetricia y Ginecología de Venezuela, v. 75, n. 2, p. 081-090, 2015.