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Reabertura das escolas durante a pandemia: um serviço essencial?

Reabertura das escolas durante a pandemia: um serviço essencial?

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Durante os últimos 6 meses, o mundo precisou colocar na balança considerações econômicas versus saúde pública para estabelecer os limites individuais e coletivos no enfrentamento da pandemia. Agora, estamos em processo de abertura gradual, e uma questão se levanta: a reabertura das escolas durante a pandemia pode ser considerada como essencial?

O objetivo deste post é trazer à luz esta discussão, baseando em artigo postado no NEJM abordando o tema.

O artigo nos faz refletir sobre o outro lado da moeda: até que ponto manter escolas fechadas pode ser prejudicial às crianças?

O que está em jogo

As crianças podem sofrer pela perda do ensino essencial, baseado em aprendizado social-emocional. A formação adquirida pelo relacionamento com pares e adultos, bem como a oportunidade de brincar e desenvolver outras necessidades, são retidas dessas crianças, quanto mantidas em casa.

Mais que isso, as escolas podem prover inúmeros benefícios adicionais. Muitas escolas são responsáveis por promover o bem-estar de crianças sob condições vulneráveis.

Crianças marginalizadas, de famílias pobres, sem instabilidade emocional, vivendo em ambiente prejudicial ou com inadequados recursos financeiros, são extremamente prejudicadas pela falta da escola.

Muitas crianças obtém da escola as principais refeições do seu dia, e podem estar sendo privadas de receber a nutrição adequada para seu desenvolvimento saudável.

As escolas também promovem saúde física e mental para as crianças, além de outros serviços terapêuticos. Todos os serviços citados tornam-se inacessíveis para as crianças enquanto as escolas estão fechadas.

Há ainda um outro aspecto: permitir a volta das crianças às escolas é permitir aos pais responsáveis voltarem ao trabalho. Muitas dessas crianças vulneráveis dependem do cuidado da escola durante o dia, para que os pais possam estar fora trabalhando.

Apesar do ensino à distância ser melhor do que nenhum ensino, para as crianças, pouco dos benefícios acima citados poderão ser recuperados.

Desafios do retorno para as crianças

As crianças enfrentarão desafios para aprender, e os professores para ensinar, num retorno gradual que envolva condições rigorosas de distanciamento social.

Não há como garantir, especialmente no caso daquelas crianças menores, que o distanciamento social será mantido. Para o professor, será igualmente desafiador tentar manter o distanciamento próprio e dos alunos, e ensinar ao mesmo tempo.

Aulas presenciais que forçam os alunos a olhar rigidamente para o professor e trabalhar de forma independente violam as boas práticas de ensino baseadas em boas evidências.

O estudo de alta qualidade é inerentemente relacional e social, não individual e centrado apenas no professor. Além disso, os professores se utilizam da aproximação física para construir um relacionamento positivo com seus estudantes, bem como administrar suas classes.

Estas habilidades poderão estar muito prejudicadas com a separação física rígida entre professor e aluno.

Isto posto, o desafio será priorizar ambos: o retorno das aulas com medidas de distanciamento menos rígidas e medidas adicionais de segurança. É preciso garantir tanto as necessidades das crianças, como a saúde dos mesmos, dos seus cuidadores em casa e dos professores na escola.

Aspectos clínicos da COVID-19 em crianças

Do ponto de vista clínico, a maioria das crianças de 1 a 18 anos não experimentam sintomas ou apresentam-se com sintomas leves da COVID-19.

Quando comparados com moradores da própria casa, crianças abaixo de 10 anos parecem ser menos susceptíveis a tornarem-se infectados. Algumas evidências também apontam que crianças são menos propensas a transmitir a infecção, apesar das evidências não serem ainda conclusivas.

Exemplo de outros países na reabertura das escolas

Na Holanda, as escolas foram reabertas em abril, e as classes foram divididas pela metade. O distanciamento social não foi forçado em estudantes abaixo de 12 anos, posteriormente ampliado para abaixo de 17 anos.

As escolas primárias voltaram a pleno funcionamento em Junho, mas professores, crianças ou pais de crianças, que fizessem parte do grupo de risco, tiveram sua volta facultada. Até o momento, a curva de novos casos na Holanda permanece achatada.

Na Dinamarca, onde os casos continuam a cair, as escolas primárias foram abertas em Abril, e o ensino fundamental e médio em Maio, embora com medidas restritivas de distanciamento.

Outros países que também não tiveram aumento no número de casos após reabertura das escolas foram: Finlândia, Bélgica, Áustria, Taiwan e Cingapura. Embora, ressaltamos novamente, os países citados tomaram medidas de precaução extra, e estão aos poucos liberando restrições nas atividades realizadas e no número de participantes.

Conclusão: a reabertura é prioridade

O objetivo do post, bem como do artigo no qual foi baseado, é mostrar que a reabertura das escolas durante a pandemia não é uma questão apenas científico-técnica.

É também uma questão moral e emocional. O senso de responsabilidade que temos com as crianças é crucial para a humanidade. O fechamento das escolas traz à tona questões sociais, econômicas e de injustiça relacionadas às crianças e famílias marginalizadas.

Por todas essas razões, a reabertura de escolas permanece questão complexa. Mas o argumento fundamental, que crianças, famílias e educadores necessitam de escolas seguras e confiáveis não deve ser controverso.

Portanto, se concordamos todos com esse argumento, será indesculpável abertura de serviços não-essenciais para adultos, se isto custar manter as crianças em casa e longe da escola.

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