Carreira em Medicina

Refluxo Gastroesofágico em Crianças | Colunistas

Refluxo Gastroesofágico em Crianças | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

O que é Refluxo Gastroesofágico?

O Refluxo Gastroesofágico (RGE) ocorre quando o conteúdo gástrico retorna para o esôfago, algumas vezes podendo atingir a faringe, boca e vias aéreas superiores. Em geral, trata-se de um processo fisiológico normal, que ocorre várias vezes ao dia em lactentes, crianças, adolescentes e adultos saudáveis. A maioria dos episódios tem uma duração inferior a 3 minutos, principalmente no período pós-prandial e causa pouco ou nenhum sintoma.

Fisiopatologia

Nos lactentes, é bastante frequente o RGE fisiológico estar acompanhado de regurgitações, conhecidas popularmente como “golfadas”. Trata-se de um distúrbio funcional gastrintestinal transitório que reflete a imaturidade do aparelho digestivo no primeiro ano de vida.

Nos lactentes, os mecanismos de barreira antirrefluxo são imaturos: o esfíncter esofágico inferior é pequeno e de baixa pressão, o ângulo de His e o hiato esofágico são menos eficazes e são frequentes os relaxamentos transitórios do esfíncter esofagiano inferior (RTEEI), que ocorrem independentemente da deglutição.

Inicia-se antes de oito semanas de vida e a frequência de regurgitações é variável, em torno de seis ou mais episódios de regurgitação por dia. Estas regurgitações aumentam em número e volume entre dois e quatro meses e, posteriormente, diminuem progressivamente com o aumento de idade, com a maioria dos casos resolvendo-se até o primeiro ano de vida.

Apresentação Clínica

O refluxo gastroesofágico fisiológico do lactente ocorre nos primeiros meses de vida e, em geral, termina ao final do primeiro ano. O diagnóstico da regurgitação do lactente pode ser orientado pelo critério de Roma IV, que apresenta as recomendações a seguir, com a ocorrência obrigatória das duas características seguintes em um lactente saudável com idade entre três semanas e 12 meses: 1) dois ou mais episódios diários de regurgitação por pelo menos três semanas; e 2) ausência de náuseas, hematêmese, aspiração, apneia, déficit de ganho ponderal, dificuldade para alimentação ou deglutição, postura anormal.

É importante ressaltar que as regurgitações do lactente, em geral, não são acompanhadas de ingestão insuficiente, portanto não causam diminuição do ganho ponderal. Podem ser acompanhadas de algum grau de desconforto até eructação, entretanto, não determinam índices de choro elevados. Além disso, a regurgitação pode estar associada à cólica do lactente que se caracteriza com choro por tempo excessivo.

Diagnóstico

Quando os episódios de regurgitações ocorrem em crianças de baixa idade, sem sinais de alerta ou complicações, sugerem o diagnóstico de RGE fisiológico. Nesses casos, não há necessidade de qualquer exame complementar, sendo recomendado o acompanhamento clínico.

É preciso ficar atento para o aparecimento de outras manifestações clínicas, como anemia, dificuldade em ganhar peso ou perda ponderal, hemorragia digestiva, manifestações respiratórias e otorrinolaringológicas, atraso do desenvolvimento, entre outras, as quais requerem diagnóstico diferencial da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e alergia à proteína do leite de vaca (APLV).

Tratamento

As regurgitações do lactente tendem a decrescer, em número e volume, a partir dos seis meses de idade, com resolução espontânea ao final do primeiro ano. Por isso, o princípio fundamental mais importante do tratamento é de orientar e tranquilizar os familiares.

É preciso explicar que se trata de uma condição transitória inócua, que não requer intervenção medicamentosa para controle de sinais e sintomas. A exposição passiva ao fumo pelo lactente deve ser evitada, pois a nicotina diminui a pressão no EEI e facilita a ocorrência de maior número de episódios de refluxo gastroesofágico.

Caso necessário, as modificações dietéticas propostas para reduzir os episódios de RGE devem respeitar as necessidades nutricionais da criança. Entre as medidas recomendadas, o espessamento da dieta é o de maior eficácia no alívio das regurgitações.

Para os lactentes em aleitamento materno exclusivo, mantém-se as mamadas por livre demanda, corrigindo apenas erros técnicos de amamentação, que incluem tempo muito prolongado de sucção não nutritiva. Não há qualquer justificativa para a interrupção do aleitamento natural ou para a introdução de outros alimentos para o recém-nascido regurgitador que amamenta ao seio.

Algumas medidas posturais podem ser adotadas para evitar o RGE. Logo após as mamadas, o lactente deve ser colocado em posição vertical, durante 20 a 30 minutos, o que facilita a eructação e o esvaziamento gástrico. E, quando colocado no berço, não deve permanecer em decúbito ventral, tampouco em posição lateral, que não é uma posição estável, porque o lactente poderia “escorregar” para a posição ventral.

E é especificamente essa posição (ventral) que deve ser evitada, porque está associada ao risco de síndrome de morte súbita. Portanto, a posição dorsal é recomendada para o lactente durante sua permanência no berço e deve-se elevar a cabeceira entre 30 e 40 graus.

Além disso, observa-se que o lactente na posição sentada (“bebê conforto”) apresentará aumento dos episódios de refluxo, pois o lactente com idade inferior a seis meses não apresenta tônus normal da região dorsal e o corpo movimenta-se para frente, contraindo a musculatura do abdome.

Manoel Vieira do Nascimento Junior
Acadêmico de Medicina da Universidade Federal do Ceará- Campus de Sobral