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Resumo: AVE e Endocardite | Ligas

Resumo: AVE e Endocardite | Ligas

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A incidência de endocardite infecciosa (EI) é particularmente reduzida, porém, sabe-se que o acidente vascular encefálico (AVE) isquêmico apresenta etiologia identificada como cardioembólica em 20% dos casos tratando-se de uma das mais graves complicações de endocardite infecciosa.

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) é classificado de acordo com sua causa, em dois tipos: isquêmico (AVEi) e o hemorrágico (AVEh), sendo que ambos resultam em comprometimento da função cerebral normal.

Os organismos causadores de endocardite penetram na corrente sanguínea a partir de superfícies mucosas, de focos de infecção ou da pele e produzem estruturas que facilitam a adesão ao endotélio lesado ou ao trombo. Diversas espécies de bactérias e fungos caracterizam-se como responsáveis por esta patologia.

Tarasoutchi et al (2011) citam que, no Brasil a endocardite tem um nível de incidência predominante em idosos e pacientes hospitalizados, sendo ainda constantemente associada a portadores de próteses cardíacas, cateteres e fios de marca-passo.

De acordo com Lockhar (2013), a descoberta sobre a bacteremia por streptococcus do grupo viridans como um fator causador da endocardite, levou ao entendimento de que a falta de higiene oral e a realização de procedimentos dentários associavam-se a fonte da infecção. A caracterização de que os pacientes apresentam bacteremias espontâneas transitórias, de origem gengival e dentária, em atividades cotidianas tornam-se desta forma bastante evidentes. As atividades diárias básicas, como escovação de dentes, uso de fio dental, uso de palito de dentes e mastigação podem desta forma estar associadas a bacteremia.

A endocardite e o AVE são patologias que geram disfunções severas e geradoras de incapacidades funcionais.

Vascularização encefálica

O encéfalo encontra-se vascularizado pelos sistemas carotídeo interno e vértebro-basilar. Em sequência ocorre a penetração no encéfalo pelo canal carotídeo do osso temporal, a artéria carótida interna penetra no seio cavernoso gerando dois ramos terminais, denominados artéria cerebral anterior e artéria cerebral média, assim como quatro ramos colaterais que são as artérias oftálmicas, hipofisária, coroidea anterior e comunicante posterior.

Duas artérias cerebrais anteriores estão intimamente ligadas pela artéria comunicante anterior no polígono de Willis, que se trata de um sistema arterial anastomótico localizado na base do encéfalo composto por ramos da artéria carótida interna e vertebral (Machado, 2000).

Por sua vez as artérias vertebrais penetram no encéfalo pelo forame magno em direção a porção anterior do bulbo e do sulco bulbo-pontino unindo-se para formação da artéria basilar. As artérias vertebrais dão origem às artérias cerebelares inferiores e posteriores; da artéria basilar originam-se as artérias cerebelares superiores e cerebelares inferiores, além da artéria do labirinto. A artéria basilar gera duas artérias cerebrais posteriores, unindo-se à carótida interna através das comunicantes posteriores.

Acidente Vascular Encefálico (AVE) relacionado à endocardite

O Acidente Vascular Encefálico (AVE) pode ser caracterizado como sendo uma cessação da corrente sanguínea para uma determinada área encefálica. Essa interrupção de fluxo causa inúmeros e grandes danos à saúde do indivíduo acometido, visto que o cérebro depende intrinsecamente de concentrações elevadas e constantes de oxigênio e sais minerais para as reações metabólicas. Assim, sem esse suporte, regiões cerebrais ficariam completamente isquêmicas e não realizariam as atividades fisiológicas necessárias para a manutenção da homeostasia corporal.

O AVE pode-se dar por um entupimento dos vasos sanguíneos, sendo este do tipo isquêmico, ou por extravasamento sanguíneo em determinada região encefálica, sendo este do tipo hemorrágico. Importante salientar, ainda, que o AVE isquêmico pode se dar por quadros de embolia, aterosclerose e infartos lacunares.

Em se tratando do AVE isquêmico de origem embólica, as causas são geralmente inerentes aos vasos obstruídos (de maior ou menor calibre), uma vez que os trombos podem ser originar em estruturas cardiovasculares (AVE cardioembólico) ou no próprio vaso cerebral (AVE arterioarterial). Os vasos de grande calibre que sofrem os efeitos obstrutivos da trombose podem ser intracranianos (polígono de Willis e ramos proximais) ou extracranianos (artérias vertebrais e carótidas comuns e internas). Já os de menor calibre, representados pelo sistema arterial intracerebral, são afetados por obstruções trombóticas originadas por lipohialinose, a qual se resume em uma hipertrofia da túnica média do vaso, diminuindo a luz, além de uma deposição de material fibroso na parede desses vasos. Inclusive, a lipohialinose desencadeia e origina, mais frequentemente, em um AVE do tipo lacunar. 

De acordo com FERREIRA et al., (2018), a patologia neural “É apontada no Brasil, como a principal causa de hospitalização e mortalidade, levando cerca de 90% das pessoas a algum tipo de disfunção, parcial ou total (hemiparesia ou hemiplegia), em alguma parte do corpo, dependendo da extensão da lesão e da área afetada do cérebro. ”

Portanto, trata-se de uma doença que deve ser vista como um grave problema de saúde pública e, desse modo, devem-se buscar intervenções necessárias para facilitar o diagnóstico precoce da doença, através dos sintomas iniciais.

Sabe-se que dores de cabeça repentinas, parestesia dos membros inferiores e superiores e dificuldade de fala podem ser grandes indicativos do AVE, o que os torna sintomas-alvo para os profissionais a nível de atendimento de urgência e emergência. Alterações de postura, de comunicação, de sensibilidade e de comportamento, além de quadros de pneumonias e incontinência urinária, são algumas das consequências de um quadro pós-AVE, o que representa um grande abalo social e psicológico para o indivíduo acometido.

Visto isso, diversas são as deficiências que podem ser ocasionadas decorrentes do AVE e essas sequelas dependem da localização, do tamanho da lesão e da quantidade de fluxo sanguíneo colateral. Dentre as alterações mais recorrentes, têm-se os distúrbios das funções motoras, sensitivas, mentais, perceptivas e de linguagem, como também são comuns déficits motores de alinhamento e transferência de peso.

No que diz respeito aos déficits motores, geralmente, são manifestados por hemiplegia, que consiste na paralisia de metade sagital (esquerda ou direita) do corpo; ou hemiparesia, que se refere a dificuldade de se movimentar metade do corpo e a tendência em manter-se em uma posição de assimetria postural, tendo a distribuição de peso menor sobre o lado afetado. Ou seja, ambas se caracterizam por perda total ou parcial do movimento do hemicorpo contralateral à lesão, em alguns casos podendo ser acompanhada de alterações sensitivas, cognitivas, visuais, perceptivas e de linguagem.

É de suma importância salientar, portanto, que o AVE é caracterizado como uma patologia grave no Brasil, responsável por altas taxas de mortalidade. Além disso, trata-se de uma doença potencialmente geradora de incapacidade crônica, com perda da independência e autonomia do indivíduo acometido, sendo necessário, em muitos casos, a necessidade do auxílio de um cuidador para a realização das atividades diárias. A permanência de sequelas incapacitantes pode alterar consideravelmente a dinâmica de vida deles.

Dentre os fatores de risco, a hipertensão arterial é a principal alteração fisiológica que leva ao AVE, já que se trata de um quadro crônico caracterizado pela ampliação de eventos embólicos, arterioscleróticos e lacunares, ambos relacionados aos tipos de AVE isquêmicos existentes. Além disso, um aumento da pressão nas artérias cerebrais poderia facilitar a ocorrência de hemorragias, propiciando, ainda, casos de AVE hemorrágicos.

Porém, o que pouco se sabe são os fatores de risco propiciados pela endocardite bacteriana a nível cerebral. Essa patologia infecciosa, facilmente combatida por um bom atendimento odontológico, terapia com antibióticos e cuidados simples de higiene, pode desencadear em eventos arterioscleróticos que poderiam propiciar a ocorrência de AVE isquêmico, sendo, portanto, um quadro de risco altíssimo e que deve ser alvo das principais entidades de saúde do país.

A endocardite bacteriana consiste em uma infecção das estruturas cardíacas, que resulta da proliferação de microrganismos no endotélio do coração. Tal infecção envolve, geralmente, as válvulas cardíacas, contudo, pode ocorrer também no endocárdio. É válido considerar que a doença surge a partir de bactérias vindas de outras partes do corpo, como da boca – as bactérias orais caem na corrente sanguínea e poderão colonizar tecidos cardíacos previamente comprometidos, causando lesões que caracterizam a endocardite.

De acordo com CALADO et al., (2019), a endocardite “Trata-se de doença grave que geralmente se desenvolve após uma lesão endotelial proveniente de um aumento exacerbado do fluxo sanguíneo ou de uma deposição de complexos imunes onde tal lesão é formada basicamente por fibrina, células inflamatórias, plaquetas, eritrócitos e micro-organismos, recebendo o nome de vegetação. As vegetações são lesões avascularizadas, onde os antibióticos terão seu acesso diminuído aos micro-organismos o que vai tornar o seu tratamento mais complexo e árduo. ”

Com a evolução deste quadro, visto o não tratamento específico, começa a ocorrer o progresso da destruição dos tecidos infectados, os quais são chamados de êmbolos sépticos e com isso podem se soltar e ir direto para a corrente sanguínea, se espalhando e atingindo outros órgãos, como o cérebro.

A relação da endocardite bacteriana com o AVE ocorre visto que nos AVE cardioembólicos existe a migração de material das cavidades ou válvulas cardíacas, que são os múltiplos êmbolos sépticos, os quais migram para a circulação arterial e causam a oclusão das artérias cerebrais, afetando principalmente a artéria cerebral média ou um de seus ramos. Tal situação da endocardite bacteriana, consequentemente, afeta a atividade cerebral, já que ocorre a obstrução de vasos imprescindíveis para a oxigenação do cérebro, ou seja, dando origem a um enfarte por ausência de aporte sanguíneo em regiões do encéfalo.

Autores, revisores e orientadores:

Nome da liga: Liga Acadêmica do Raciocínio Clínico e Semiologia Médica da Uniredentor – @larcsuniredentor

Autor(a): João Pedro Delgado Furtado

Revisor(a): Frederico Ribeiro

Orientador(a): Ana Maria Vitarelli de Castro Emery Santos

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


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