Ciclo Clínico

Resumo: Cuidados Paliativos | Ligas

Resumo: Cuidados Paliativos | Ligas

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Autor(a) : Renan Soares

Revisor(a): Denisse Sales Paula

Orientador(a): Francisco de Assis Aquino Gondim

Liga: Liga Acadêmica de Neurociências – Neuroliga UFC

Instagram: @neuroligaufc

Cenário atual

Para entender a importância e o que é o cuidado paliativo, precisamos analisar a relação atual de saúde-doença:

Apesar da tecnologia reduzir a mortalidade, ela ainda não consegue impedir as doenças crônico-degenerativas. Segundo registros da Organização Mundial da Saúde (OMS), dos 58 milhões de mortes por ano no mundo, 34 milhões são por doenças crônico degenerativas incapacitantes e incuráveis. Assim, um aumento na expectativa de vida e a criação de uma cultura de negação da morte, geram uma piora na qualidade de vida na velhice, na doença e na morte.

Outro dado vem do The Quality of Death Index – Economist Intelligence Unit, que analisa “como estamos morrendo”, em que na sua versão de 2015, colocou o Brasil na 42º posição entre os 80 avaliados.

A morte é uma questão implícita na prática e na formação dos profissionais da saúde, todavia, se restringe a discussão aos aspectos meramente técnicos. Assim, a maioria dos hospitais não possuem diretrizes de como cuidar de seus pacientes terminais e nem há informações sistematizadas de como os últimos momentos são vividos.

Diante desse retrato complexo e desafiador da realidade, os Cuidados Paliativos se apresentam como uma forma inovadora de assistência na área da saúde e vêm ganhando espaço no Brasil na última década.

O que são os cuidados paliativos?

“Cuidado paliativo é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameaçam a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual” (OMS, 2002).

CP é uma técnica específica com resultados fortemente baseados em evidência. Uma meta-análise publicada em 2017 no JAMA, mostrou que o CP feito de maneira específica, quando comparado ao “cuidado paliativo de bom senso”, é capaz de, significativamente, melhorar qualidade de vida, melhorar controle de sintomas e reduzir custos.

Os CPs questionam a “tecnolatria”, que é basicamente o uso de técnicas invasivas e insuficientes, focadas na medicina curativa, em pacientes “fora da possibilidade de cura”, que apenas aumentam a dor e o sofrimento.

Filosofia e fundamentos éticos

Os cuidados paliativos tiveram início, como área especializada da saúde, a partir dos grandes esforços de Cicely Saunders, que fundou o St. Christopher’s Hospice em 1967.

A filosofia dos CPs se baseia em alguns pontos:

A dificuldade do médico em dizer a verdade ao paciente sobre a sua terminalidade e ausência de perspectiva de cura leva ao isolamento do paciente em um silêncio que o impede de compartilhar seus medos e angústias. É necessário, assim, melhorarmos a nossa comunicação e sensibilidade. Além disso, baseados no princípio da autonomia do paciente, os Cuidados Paliativos desenvolvem o cuidado visando à qualidade de vida e à manutenção da dignidade no decorrer da doença, na terminalidade da vida, na morte e no luto.

O CP se baseia em princípios e alguns pilares precisam ser lembrados ao se falar nesse assunto: Se fala em doença que ameaça a vida; O cuidado é desde o diagnóstico; falamos em tratamento modificador da doença; A espiritualidade e a família são lembradas.

É errôneo e acima de tudo, desrespeitoso ao paciente, falar que os cuidados paliativos são para paciente em que não há mais nada para se fazer. Essa é uma visão antiquada, pois há sim muito a se fazer.

Panorama mundial e brasileiro dos CPs

Segundo a resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018 Parágrafo único, os cuidados paliativos deverão fazer parte dos cuidados continuados integrados ofertados no âmbito da RAS (Redes de Atenção à Saúde). Contudo, a realidade é muito diferente.

Segundo a Aliança Mundial de Cuidados Paliativos, menos de 8% de quem precisa, tem o acesso de fato garantido. Evidenciou-se que 90% dos opioides prescritos no mundo são consumidos por 10% da população mundial, justamente a população que vive nos países de maior PIB.

A OMS classifica os países em quatro grupos, de acordo com seu nível de desenvolvimento em Cuidados Paliativos. Segundo os dados de 2014, o Brasil está incluído no nível 3A (Provisão Isolada). No grupo 3A o desenvolvimento dos cuidados paliativos é irregular no escopo e não bem apoiado; com fontes de financiamento fortemente dependente de doações; disponibilidade limitada de morfina; e um pequeno número de serviços de cuidados paliativos comparado ao tamanho da população.

Embora saiba-se que a atenção primária possa ser a estratégia de menor custo e maior, o mapa mostra que, assim como o restante, também a oferta está centrada em hospitais. o país apresenta mais de 5.000 hospitais, sendo pelo menos 2.500 com mais de 50 leitos, menos de 10% dos hospitais brasileiros disponibilizam uma Equipe de CP.

Princípios

Os CPs são baseados em princípios publicados em 1986 pela OMS e reafirmados em 2002:

  • Promoção do alívio da dor e outros sintomas desagradáveis

É necessário conhecimento específico para a prescrição de medicamentos, adoção de medidas não farmacológicas e abordagem dos aspectos psicossociais e espirituais, que caracterizam o “sintoma total”.

  • Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida

O Cuidado Paliativo resgata a possibilidade da morte como um evento natural e esperado na presença de doença ameaçadora da vida, colocando ênfase na vida que ainda pode ser vivida.

  • Não acelerar nem adiar a morte

Enfatiza-se desta forma que Cuidado Paliativo nada tem a ver com eutanásia, como muitos ainda querem entender. Esta relação ainda causa decisões equivocas das quanto à realização de intervenções desnecessárias e a enorme dificuldade em prognosticar paciente portador de doença progressiva e incurável e definir a linha tênue e delicada do fazer e do não fazer.

  • Integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente

A abordagem desses aspectos sob a ótica da psicologia se faz fundamental. A novidade é a possibilidade de abordá-los também sob o ponto de vista da espiritualidade, que se confundem e se sobrepõem invariavelmente à questão religiosa. Sempre lembrando que o sujeito é o paciente, sua crença, seus princípios.

  • Oferecer um sistema de suporte que possibilite o paciente viver tão ativamente quanto possível

Não devemos nos esquecer que qualidade de vida e bem-estar implicam a observância de vários aspectos da vida. Problemas sociais, dificuldades de acesso a serviços, medicamentos e outros recursos podem ser também motivos de sofrimento. Sermos facilitadores para a resolução dos problemas do nosso paciente é nosso dever e nossa responsabilidade.

  • Oferecer sistemas de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e a enfrentar o luto

Todo o núcleo familiar e social do paciente também adoece. A família deve ser nossa parceira e colaboradora, dado que eles conhecem as necessidades, peculiaridades, desejos e angústias, muitas vezes não verbalizados pelo paciente.

  • Abordagem multiprofissional para focar as necessidades dos pacientes e seus familiares, incluindo o acompanhamento no luto

Na prática do cuidado ao paciente, frequentemente iremos nos deparar com inúmeros fatores que atuarão concomitantemente na modificação da resposta terapêutica medicamentosa, na evolução da própria doença e na relação com o paciente e a família. O sujeito da ação é sempre o paciente, respeitado na sua autonomia. Incluir a família no processo do cuidar compreende estender o cuidado no luto, que pode e deve ser realizado por toda a equipe e não somente pelo psicólogo.

  • Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença

Com uma abordagem holística, observando este paciente como um ser biográfico, poderemos, respeitando seus desejos e necessidades, melhorar sim o curso da doença e, também prolongar sua sobrevida. Vivendo com qualidade, ou seja, sendo respeitado tendo seus sintomas impecavelmente controlados, seus desejos e suas necessidades atendidas, podendo conviver com seus familiares, resgatando pendências, com certeza nossos pacientes também viverão mais.

  • Deve ser iniciado o mais precocemente possível, juntamente com outras medidas de prolongamento da vida, e incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar situações clínicas estressantes

Não podemos privá-lo dos recursos diagnósticos e terapêuticos que o conhecimento médico pode oferecer. Devemos utilizá-los de forma hierarquizada, levando-se em consideração os benefícios que podem trazer e os malefícios que devem ser evitadas.

Indicações e Avaliação do paciente

RESOLUÇÃO Nº 41, DE 31 DE OUTUBRO DE 2018

Parágrafo único: Será elegível para cuidados paliativos toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, seja aguda ou crônica, a partir do diagnóstico desta condição.

Um dos pontos defendidos é que nós, como indivíduos, estamos morrendo desde que nascemos e sofremos a ação da natureza, por assim dizer. Assim, todos nós estamos aptos e deveríamos receber cuidados paliativos, um plano singular de cuidados. Porém, é óbvio que isso não acontece e de certa maneira é inviável por diversos motivos que nos rodeia. Diferente do que a resolução estabelece, a indicação de CPs para um paciente é permeada por vários critérios. A avaliação prognóstica busca reforços em escalas, sinais e sintomas que podem identificar, precocemente, o processo de morte, mas ainda envolve julgamentos fisiológicos e sociais, para contornar a dificuldade da avaliação prognóstica, que auxiliam nesta decisão de encaminhar aos CPs.

Uma boa avaliação é um desafio, uma vez que permite identificar de forma científica e clínica o diagnóstico do processo de morte, que é entendido como fisiológico e irreversível, a partir do momento que começa. A medicina paliativista é uma medicina de princípios, altamente individualizada.

Para isso, é necessário um conhecimento técnico refinado. Assim, a boa paliação corresponde a uma boa avaliação. Permite avaliar quem é a pessoa doente, a cronologia da evolução da doença e os tratamentos já realizados, as necessidades atuais e sintomas, o exame físico, os medicamentos propostos, as demais decisões e a impressão a respeito da evolução. As evoluções subsequentes devem registrar o impacto do tratamento, a avaliação dos sintomas, o exame físico, assim como as informações trocadas com o paciente e os familiares

Geralmente, os pontos abordados pela avaliação clínica são: Dados biográficos; Cronologia da doença e tratamento utilizados; Avaliação funcional e dos sintomas; Exame físico; Decisões terapêuticas; Impressão e diagnóstico.

Por fim, a importância da avaliação do paciente é que ela se torna essencial para a construção da principal ferramenta de cuidado, o projeto terapêutico singular, que é:

Uma estratégia de cuidado organizada por meio de ações articuladas desenvolvidas por uma equipe multidisciplinar e definida a partir da singularidade do indivíduo, considerando suas necessidades e o contexto.

O projeto terapêutico singular possui quatro pilares: Definição de hipóteses diagnósticas; Definição de metas; Divisão de responsabilidades; Avaliação e reavaliação.

Manejo da dor e procedimentos em CPs

Um dos pilares dos CPs é o manejo da dor, uma vez que um dos principais objetivos é o alívio do sofrimento, de modo a aumentar a qualidade de vida naquele momento. Além disso, desenvolveu-se inúmeros procedimentos e técnicas para facilitar o manejo do paciente, abordando os diferentes sintomas e problemas que aparecem no processo de morte.

O manejo da dor é abordado a partir da avaliação clínica, com técnicas não farmacológicas, como exercícios de relaxamento, acupuntura, suporte psicológico e tratamentos complementares, e farmacológicos.

O manejo farmacológico é orientado por diversos critérios e usa principalmente a escala da OMS para orientar o uso de analgésicos. Tem o intuito de minimizar efeitos colaterais.

Uma série de procedimentos são usados a fim de atingir os objetivos propostos, como a diversidade dos cuidados com feridas e curativos. Dentre eles, há a hipodermóclise, que utiliza a via subcutânea e surge como alternativa para administração de medicamentos e soluções de reidratação quando as vias parenterais e orais se apresentam de forma restrita.

Equipe multiprofissional

Por fim, é essencial para os CPs, a atuação de uma equipe multiprofissional, dado que o processo de morte envolve diversos cuidados e todos os âmbitos que perpassam o indivíduo como ser humano que é. Assim, é importante que cada um dos integrantes saiba muito aquilo que é de sua área e que saiba trabalhar em equipe.

A chave para o sucesso desse trabalho é a comunicação. É importante entender que é uma equipe não hierarquizada, podendo até alguém ser o líder da equipe, mas todos trabalham de igual para igual.

O papel do médico:

A principal tarefa é a de coordenar a comunicação entre a equipe, o paciente e sua família, de modo que todos se tornem corresponsáveis pela produção de um cuidado integral e respeitando a autonomia.

O papel do enfermeiro:

Trata-se de cuidados sensíveis e de educação, que demandam ações de proximidade física e afetiva para que muitas orientações se efetivem na prática, ou seja, é essencial que o enfermeiro tenha habilidades de comunicação.

Atua em volta da equipe, do doente, da família e até de si mesmo.

O papel do assistente social:

Conhecer paciente, família e cuidadores nos aspectos socioeconômicos, visando ao oferecimento de informações e orientações legais, burocráticas e de direitos, imprescindíveis para o bom andamento do cuidado ao paciente, e para a garantia de morte digna.

O papel do nutricionista:

É essencial, independentemente de qualquer conduta dietoterápica a ser realizada, respeitar a vontade do indivíduo. A prescrição dietética, além de fornecer as necessidades nutricionais do paciente, deve, acima de tudo, oferecer prazer e conforto.

O papel do fisioterapeuta:

Oferece um suporte para que os pacientes vivam o mais ativamente possível, com impacto sobre a qualidade de vida, com dignidade e conforto.

Sugestão de leitura

Fica aqui como sugestão um pequeno texto de Rubem Alves que sintetiza os principais pontos-chave: “Doutor, será que saio dessa?”. Segue o link abaixo:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2706200602.htm