Índice
MIASTENIA GRAVIS
DEFINIÇÃO: A miastenia gravis (MG) é um transtorno da união neuromuscular, que possui como característica fundamental a diminuição do número de receptores de acetilcolina ativos (AChR, acetylcholine receptors) nas uniões neuromusculares (sinapses), provocado por um ataque auto imunitário mediado por anticorpos.
EPIDEMIOLOGIA: Apresenta-se em qualquer faixa etária, porém há 2 picos de maior incidência, que é entre 21 e 39 anos (mais frequentes em mulheres) e entre 50 e 69 anos (entre os homens). É mais frequente em mulheres em uma proporção média de 3:2.
ETIOLOGIA / FISIOPATOLOGIA:
Conforme anteriormente destacado, a Miastenia Gravis caracteriza-se, fundamentalmente, pela diminuição do número de receptores de acetilcolina ativos na porção pós sináptica da membrana muscular, além do que as dobras pós sinápticas estão mais aplanadas do que o normal, provocando assim uma transmissão neuromuscular menos eficiente, tendo como consequência um potencial de ação ineficaz, mesmo liberando normalmente a acetilcolina. A ineficiência na transmissão em várias uniões neuromusculares culmina na debilidade da contração muscular.
A quantidade de acetilcolina liberada em cada impulso diminui normalmente quando se repete a atividade, esse fenômeno é chamado de enfraquecimento pré-sináptico. Este evento associado a menor eficiência da transmissão neuromuscular, tem como consequência uma ativação cada vez menor das fibras musculares por ação de impulsos nervosos sucessivos, intensificando a fraqueza muscular, isso quer dizer que aparece a fadiga miastênica. Isso tudo se reflete e explica os achados nos estudos eletro diagnósticos.
Isso tudo ocorre devido a respostas auto imunitárias mediada por anticorpos específicos contra os receptores de acetilcolina. Eles atuam nas uniões neuromusculares através de 3 mecanismos diferentes, que são:
– Rápida substituição dos receptores da acetilcolina por mecanismos que envolvem os enlaces cruzados e a rápida endocitose dos receptores;
– Dano da membrana muscular pós sináptica por parte do anticorpo junto com a ação do sistema de complemento; e
– Boqueio do sítio ativo do receptor da acetilcolina.
Aproximadamente 50% dos pacientes que desenvolvem Miastenia Gravis sem anticorpos anti-receptor de acetilcolina apresentam, em contrapartida, anticorpos contra uma enzima da membrana muscular, denominada tirosina quinase músculo-específica (anti-MuSK).
Após o resultado do teste de anticorpos anti-Musk negativo, pode-se realizar o teste anticolinesterásicos, que respondem com a apresentação de decremento na estimulação repetitiva e a demora na transmissão neuromuscular à eletromiografia de fibra única, tendo como conclusão a presença de distúrbios da junção neuromuscular.
Os anticorpos nocivos são as imunoglobulinas G (IgG)
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS:
Manifestações cardinais são: debilidade e fadiga fácil dos músculos estriados.
A debilidade piora de acordo com a intensidade do uso dos músculos (repetidamente), nas horas finais do dia, melhorando depois de um período de repouso ou sono.
A evolução da doença varia, observando-se períodos de exacerbações e remissões (sendo raras na forma completa ou permanente), principalmente nos primeiros anos após o diagnóstico. Quando o paciente adquire alguma infecção sistêmica, é notório o surgimento de uma maior debilidade miastênica, podendo desencadear uma ‘crise’.
CARACTERÍSTICAS da distribuição da debilidade muscular:
– Os músculos extraoculares e periorbitários (pálpebras) são tipicamente afetados no início da doença. As manifestações iniciais mais frequentes são a diplopia e a ptoses palpebral. Os músculos faciais também são afetados, gerando uma facie de ‘resmungar’ quando o paciente tenta sorrir. A dificuldade para mastigar, leva tempo para ocorrer. A fala pode ter um timbre anasalado pela debilidade do palato mole e uma característica disártrica / fraca pela debilidade da língua. A dificuldade para deglutir ocorre por consequência da debilidade do palato mole, língua e faringe provocando refluxo nasal e / ou bronco aspiração (perdendo assim a proteção das vias aéreas) para líquido e alimentos. A debilidade dos músculos lombares é notável, principalmente no tipo de miastenia positivo para os anticorpos Musk.
Em aproximadamente 85% dos pacientes a doença é generalizada (afetando inclusive as extremidades). A debilidade muscular nas extremidades costuma ser proximal e assimétrica. Porém, se a fraqueza muscular, fica circunscrita durante 3 anos aos músculos extraoculares, possivelmente não se generalize mais, sendo classificada assim como miastenia gravis ocular.
Apesar de todo o abatimento muscular provocado, a sensibilidade e os reflexos tendinosos profundos se mantêm.
A crise miastênica é definida como uma exacerbação súbita dos sintomas e da fraqueza muscular, que se apresentando com um grau de debilidade tão grande que afeta a ventilação respiratória do paciente, sendo necessário o suporte ventilatório invasivo / mecânico e também para a proteção da via aérea. Ela pode ser desencadeada durante um período de estresse, gravidez, ingestão de álcool, exposição ao frio ou uma operação. As crises colinérgicas é o resultado de uma dose inadequada ou excessiva de anticolinesterásicos (que se usam no tratamento da miastenia gravis).
DIAGNÓSTICO:
Realiza-se em duas partes: clínica e laboratorialmente.
- Clinicamente:
– Na anamnese vai ser constatada: diplopia, ptose, debilidade com distribuição característica; flutuação e fadiga com piora da repetição da atividade e melhora com o repouso.
– Na exploração física, é realizado a avaliação: além da ptose e diplopia; da potência motora através da quantificação da potência muscular; além do tempo de abdução com o braço a frente por 5 minutos; a capacidade vital respiratória; e descarte de outros sinais neurológicos.
- Exames complementares:
– Radioimunoanálise de anticorpos contra AChR: em média 85% positiva em MG generalizada e 50% em MG ocular. Se o resultado é positivo, o diagnóstico é definitivo, porém o negativo não descarta a MG. Em média 40% dos pacientes sem anticorpos contra AChR e MG generalizada possuem anticorpos anti-MuSK.
– Estimulação nervosa repetitiva: a diminuição é maior a 15%, com a potência de 3Hz, é muito provável um diagnóstico positivo.
– Eletromiografia de uma fibra: bloqueio e hiper-reatividade; a densidade das fibras é normal; é um estudo sensível, porém não é específico.
– Métodos com anticolinesterásicos: o medicamento mais utilizado é o cloreto de edrofônio, pois seu tempo de ação é de 30 segundos a 5 minutos. É aplicado uma dose inicial de 2 mg endovenosa (EV), se é detectado uma melhora considerável, a prova é considerada positiva; porém se não surge modificação, aplica-se mais 8 mg (EV) e observa a reação do paciente. É importante ter reservado em uma seringa com atropina (0,6 mg) para administração EV caso os sintomas reativos aos edrofônio sejam mais intensos; pois ele possui como reações adversas como: náuseas, diarreias, fasciculações e reações mais intensas como síncopes e bradicardias. Este teste é indicado para aqueles pacientes que possuem sinais clínicos de MG, porém possuem os testes de anticorpos e eletromiográficos negativos. Outra droga utilizada é a neostigmina (15 mg), ela possui um tempo de ação maior do que o edrofônio.
DIAGNÓSTICOS DIFERENCIAIS:
Estão inclusos como diagnósticos diferenciais:
– As síndromes miastênicas congênitas não auto imunitários (tipos: de canal lento; de canal rápido de pouca afinidade, por deficiências graves de AChR e deficiência de acetilcolinesterase – AChE),
– A miastenia fármaco induzida (por penicilina, no tratamento de artrite reumatoide; os antibióticos aminoglicosídeos ou a procainamida),
– A síndrome miastênica de Lambert-Eaton (LEMS, Lambert-Eaton myastenic syndrome),
– Neurastenia,
– Hipertireoidismo,
– Botulismo,
– Massas intracraneais patológicas,
– Oftalmoplegia externa progressiva.
TRATAMENTO:
O tratamento apropriado auxilia no controle da doença, permitindo uma vida produtiva dentro do prognóstico da enfermidade, não existindo uma cura específica. Os recursos mais relevantes contra a MG englobam drogas anticolinesterásicos, imunodepressores, timectomia e plasmaférese ou administração de concentrado de imunoglobulina intravenoso.
Anticolinesterásicos:
Piridostigmina, é a droga mais utilizada desta categoria. Ela inibe a destruição da acetilcolina pela colinesterase, facilitando a transmissão dos impulsos através da placa mioneural. É utilizada numa dose de 30 a 60 mg a cada 3 a 4 horas. A dose de manutenção pode variar de 60 a 1.500 mg ao dia, podendo estabilizar em 600mg. A dose vai variar de acordo com a necessidade do paciente. Ela começa a agir depois de 15 a 30 minutos depois de ingerida.
A atropina/difenoxlato ou a loperamida são utilizados no tratamento de sintomas no tubo digestivo.
Timectomia:
A timectomia é realizada com frequência em pacientes com MG generalizada ou na forma ocular com presença de timoma, como uma das formas de tratamento beneficioso a largo prazo, tendo em vista a alta frequência de desenvolvimento de este tipo de tumor. Os pacientes que apresentam o anticorpo anti-Musk positivo, tem se mostrado com um excelente resultado.
Imunodepressores e Corticoterapia:
Os agentes imunossupressores mais utilizados são os glicocorticoides. Inicialmente é recomendado o uso em doses baixas de 15 a 20 mg ao dia, podendo incrementar 5mg depois de 4 ou 5 dias, porém procurando manter na menor dose possível com apresentação de melhora dos sintomas. É importante lembrar que este tipo de medicação pode provocar miopatias, o que causa piora da fraqueza muscular.
A azatioprina é o segundo imunossupressor mais utilizado, podendo mantê-lo a longo prazo. Pode-se utilizar a associação da azatioprina com prednisona, possuindo uma boa resposta clínica, porém o início do efeito desse tratamento demora em torno de 2 meses, sendo recomendado esperar, no mínimo, esse período para realizar o ajuste da dose. Dose inicial é de 50mg ao dia e pode aumentar até 2 a 3 mg/kg/dia.
O micofenolato mofetil ainda está em período de estudo para o tratamento.
O metorexate pode ser utilizado apenas naqueles pacientes sem resposta aos imunossupressores habituais.
A ciclosporina é outra alternativa, porém deve ser utilizada com cautela devido aos seus efeitos colaterais, apesar de ter uma resposta melhor ao tratamento do que o metorexate e o micofenolato mofetil. É indicado para a forma MG generalizada.
O rituximab possui resultados iniciais promissores, porém ainda está sendo estudado e por isso deve ser reservado para pacientes que apresentem a forma grave de MG, sem resposta a outros tipos de tratamentos.
Plasmaférese ou administração de concentrado de imunoglobulina intravenoso:
São recomendadas apenas nos casos de crises miastênicas agudas e no tratamento da crise miastênica.
Na plasmaférese o plasma que contém os anticorpos patógenos é filtrado mecanicamente e reinfundido no próprio paciente. Geralmente é realizado um ciclo de cinco filtrações em um período de 10 a 14 dias. É útil como um recurso temporário para os indivíduos afetados gravemente ou para melhorar o estado geral do paciente antes de uma operação.
A indicação para o uso de imunoglobulina é igual ao da plasmaférese, a vantagem é que não necessita de nenhum equipamento especial para a administração. A dose usual é de 2g/kg por um período de 5 dias (400mg/dia). Se o paciente possui uma boa tolerância ao tratamento, pode-se infundir a dose total do concentrado em 3 a 4 dias, seu efeito pode durar meses.
Tratamento da Crise Miastênica:
O tratamento deve ser realizado nas unidades de terapia intensiva (UTI), com um programa terapêutico que abrange: antibioticoterapia de forma rápida e eficaz (se houver indicação), suporte respiratório de preferência com técnicas não invasivas como o uso de cateter de oxigênio (se indicado) e uso de ventilação não invasiva com o Bipap e fisioterapia respiratória; se necessário, realizar a intubação orotraqueal e quando necessário discutir a possibilidade de traqueostomia. Também se utiliza a plasmaférese ou a imunoglobulina.
Fármacos que não se deve utilizar em miastênicos:
Existem fármacos que podem exacerbar o quadro da MG, por isso devem ser evitados. São eles:
– Antibióticos como: aminoglucósidos (estreptomicina, tobramicina, kanamicina), quinolonas (ciprofloxacino, levofloxacino, ofloxacino, gatifloxacino), macrólidos (eritromicina, azitromicina).
– Miorrelaxantes não despolarizantes para cirurgias: como a D-tubocurarina (curare, pancurônio, vecurônio, atracúrio).
– Bloqueadores beta: como propranolol, atenolol, metoprolol.
– Anestésicos locais e agentes similares: como procaína e xilocaína em doses altas e procainamida para arritmias.
– Toxina botulínica: o Botox exacerba a debilidade.
– Derivados de quinina: quinina, quinidina, cloroquina, mefloquina.
– Magnésio: diminui a liberação de acetilcolina.
– Penicilamina: pode ocasionar MG.
Já as drogas que possuem interação importantes com a MG, são: Ciclosporina e Azatioprina (importante não utilizar de forma simultânea o alopurinol, pois pode provocar mielossupressão).

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Referência Bibliográfica
Livro: Harrison Princípios de Medicina Interna, 18ª edição, ano 2012. Volume 2, Capítulo 386: Miastenia gravis e outras enfermidades da união neuromuscular. Páginas 3480 – 3486.
Livro: Fisiopatologia. Alterações da saúde. Conceitos básicos. Autor: Sheila Grossman. Carol Mattson Porth. 9a edição, ano 2014. Capitulo 19: Transtornos da função motora, páginas 464 – 465.
Site MedicinaNet: Miastenia gravis MG. Link: https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/5704/miastenia_gravis_mg.htm Acessado pela última vez dia 17/10/2021, as 21h.