Carreira em Medicina

Caso Clínico: cefaleia na unidade de urgência | Ligas

Caso Clínico: cefaleia na unidade de urgência | Ligas

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Apresentação do caso clínico

Paciente do sexo feminino, 43 anos, negra, casada, secretária, natural e procedente de Manaus-AM, procura assistência médica no Pronto Atendimento pela terceira vez em 24 horas, queixando “dor de cabeça que não melhora”, relata cefaleia hemicraniana à esquerda, de forte intensidade associada à sensibilidade à luz e sons 01 hora antes ao início da dor, além de náuseas e 03 episódios de vômitos há 01 dia, presença de febre não aferida, afirma que geralmente sente dores de cabeça, mas esta possui padrão diferente, que inclusive não demonstrou melhora com medicação endovenosa. Relata também que há 03 dias apresentou fortes dores no ouvido esquerdo, com melhora após utilizar medicação indicada pela vizinha, não soube mencionar o nome do medicamento.

 A paciente possui histórico desde os 14 anos de idade de intensas crises de cefaleia latejante, incapacitante, geralmente hemicraniana à esquerda, associada a foto e fonofobia, que pioram com atividade e melhoram com repouso, porém com inúmeras idas ao PS (em média 2 vezes ao mês.), faz uso frequente de analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais para melhora da dor. Possui diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2, há 05 anos, faz uso regular de metformina 500 mg, duas vezes ao dia. Nega tabagismo, etilismo. Afirma ter bons hábitos alimentares, não realiza exercícios físicos. Nega alergias.

Ao exame físico, paciente em regular estado geral, lúcida e orientada em tempo e espaço, responsiva, porém letárgica, eupneica, febril (38, 5°), acianótica, anictérica, normohidratada, normocorada, apresentando náuseas e vômitos, foto e fonofobia.

Foi atendida pelo médico de plantão, atento aos sinais de alerta para cefaleia secundária, realizou os testes neurológicos Brudzinsk, Lasègue e Kerning tendo resultados satisfatórios para o diagnóstico de meningite. Além disso, solicitou tomografia de crânio, hemograma e dosagem de glicemia. O exame de imagem não demonstrou alterações, o hemograma apresentou hemoglobina 12,5 g/dL, hematócrito 37%, leucócitos 15.000/mm³, segmentados 75%, plaquetas 150.000/mm³, glicemia 100 mg/dL. A paciente foi transferida para unidade hospitalar de referência onde foi internada, onde realizou punção lombar para exame de liquor cefalorraquidiano (revelando pleocitose, glicose diminuída, proteínas aumentadas e cultura positiva), recebeu reposição de fluidos, prescrição de antitérmicos, clorpromazina 0,7 mg/Kg diluída em solução glicosada a 5%, ceftriaxona 2 g IV 12/12 h e dexametasona 0,15 mg/kg a cada seis horas até dose máxima de 40 mg ao dia por 2-4 dias com a primeira dose junto com antibioticoterapia. Após reabilitação, a paciente recebeu alta hospitalar para continuar os cuidados em casa, sendo prescrito medicações para profilaxia da cefaleia e orientações.

 

Questões para orientar a discussão    

1. A paciente, através da história pregressa, teria outro diagnóstico relacionado à cefaleia?

2. Qual seria os fatores etiológicos da meningite no caso?

3. Como é realizado o manejo em casos de migrânea na urgência?

4. Quais são os sinais de alarme para cefaleia secundária?

5. Após melhora do quadro, quais seriam as orientações adequadas para profilaxia da cefaleia para paciente?

Respostas

1. Sim, migrânea por abuso de medicamentos. Pois o quadro clínico se caracteriza por ser uma dor unilateral, de duração 4 – 72 horas, latejante, intensidade que varia de moderada ou grave (incapacitante), acompanhado de aura premonitória com sintomas visuais, náuseas, vômitos, uso frequente de anti-inflamatórios não esteroidais, além do agravamento por atividade física de rotina (subir escadas, caminhar).

2. A meningite pode ser secundária a otite média aguda complicada relatada pela paciente que teve início 03 dias antes do início do quadro de cefaleia. Esta complicação é rara, devido à disponibilidade atual de antibióticos eficazes, porém permanece como importante. Ela ocorre devido à proximidade entre o ouvido médio e a meninge, sendo associada geralmente à infecção por Streptococcus pneumoniae, Pseudomonas, Proteus sp e anaeróbios.

3. Em todos os casos tentar manter o paciente em repouso sob penumbra em ambiente tranquilo e silencioso (leitos de observação). Nos casos em que a dor tem duração inferior a 72 horas: I. administrar antiemético parenteral se vômitos ou uso prévio de medicações: dimenidrato 30 mg por via intravenosa (IV) diluído em 100ml de soro fisiológico a 0,9% ou dimenidrato 50 mg por via intramuscular (IM); II. recomenda-se jejum, com reposição de fluidos (soro fisiológico 0,9%) por via intravenosa (IV) se houver indícios de desidratação; III. dipirona 1 grama (2 ml) IV diluído em água destilada (8ml); III. Cetoprofeno 100 mg IV diluído em soro fisiológico 0,9% (100ml) ou 100 mg IM. IV. reavaliar paciente em 1 hora; se não houver melhora, prescrever sumatriptano 6mg subcutâneo (1 seringa com 0,5ml), repetindo a dose, se necessário, em 2 horas. Se houver melhora da dor, liberar o paciente e encaminhar para acompanhamento ambulatorial na Unidade Básica de Saúde. Se houver piora ou não melhora da dor após 2 horas de observação, encaminhar paciente para hospital terciário por meio da Central de Regulação para avaliação de neurologista.

4. O famoso “mnemônico SNOOP”: S (Systemic) Sinais sistêmicos como toxemia, rigidez de nuca, rash cutâneo, portadores de neoplasia ou HIV, usuários de imunossupressores. N (Neurologic) Presença de deficits neurológicos focais, edema de papila, convulsão O (Older) Cefaleia que iniciou após os 50 anos O (Onset) Cefaleia de início súbito ou primeira cefaleia P (Pattern) Mudança de padrão da cefaleia prévia ou cefaleia progressiva (intensidade, frequência ou duração) ou cefaleia refratária.

5. Identificar morbidades associadas, estabelecer expectativas realistas para o tratamento, identificar fatores desencadeantes e agravantes, avaliar o tipo do tratamento profilático a ser seguido (episódico, periódico ou contínuo), considerar interações medicamentosas, avaliar o uso abusivo ou excessivo de medicações abortivas e orientar a sua descontinuidade, avaliar cada esquema terapêutico por prazo mínimo de 02 meses, estar familiarizado com os efeitos colaterais possíveis, explicar a importância de se evitarem os fatores desencadeantes e agravantes comprovados para o seu caso particular e motivar a adesão da (o) paciente ao tratamento. As medicações que podem ser utilizadas são topiramato, ácido valproico, propanolol, antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, nortriptilina) e citrato de magnésio.