Carreira em Medicina

Caso Clínico: prevenção da morte súbita em atletas | Ligas

Caso Clínico: prevenção da morte súbita em atletas | Ligas

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Apresentação do caso clínico

M.F.S, 51 anos, masculino, negro, natural de Belo Horizonte – Minas Gerais, professor, casado. Procura atendimento médico para avaliação cardiovascular (APP – avaliação pré-participação esportiva). Possui um longo histórico de treinamento para corridas de longa distância, realizando de 10 a 30 Km/dia, 6 dias por semana, com intensidade moderada e vigorosa. À anamnese, paciente negou desconforto respiratório, dispneia, dor torácica, palpitações e outros sintomas de doença cardiovascular. Relata história familiar para morte súbita prematura (mãe e pai).

Ao exame físico geral, encontrava-se em bom estado geral, lúcido e orientado no tempo e espaço, afebril (36,5ºC), acianótico, anictérico, hidratado, eupneico (frequência respiratória = 14 irp), frequência cardíaca = 82 bpm e P.A.: 110 x 80 mmHg.

Foi realizado eletrocardiograma de 12 derivações que revelou ritmo sinusal, bloqueio de ramo direito com bloqueio divisional anterior esquerdo associado com batimentos ectópicos ventriculares e supraventriculares prematuros.

A ecocardiografia mostrou dilatação ventricular moderada com aumento das dimensões ventriculares internas direita (50 mm) e esquerda (60 mm) e diminuição da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE, 30%). Tendo em vista as alterações do ECG e o fato do paciente ser natural do estado de Minas Gerais, região endêmica para Doença de Chagas, foi realizado um teste sorológico que confirmou a doença de Chagas.

Por possuir miocardiopatia hipertrófica, fator de risco para morte súbita cardíaca associada a atividade física, o atleta teve de ser desqualificado para competições e iniciou terapia medicamentosa com inibidor de ECA, betabloqueador e diuréticos, além de diminuir a intensidade dos seus treinos, realizando principalmente caminhadas, de modo a tentar evitar um evento cardiovascular.

Questões para orientar a discussão    

1. O que é a miocardiopatia hipertrófica?

2.  Qual a relação da Doença de Chagas com alterações cardiovasculares?

3. O que é definida como morte súbita cardíaca associada a atividade física?

4. Como realizar uma APP (avaliação pré-participação esportiva) no paciente que pretende iniciar/intensificar a prática de exercícios físicos?

5. Quais diferenças podem ser encontradas no ECG de um atleta?

Respostas

1.            Miocardiopatia hipertrófica é uma doença de base genética, autossômica dominante, caracterizada por dilatação ventricular, ocorrendo um desarranjo miofibrilar dos miócitos, hipercontratilidade e hipertrofia assimétrica, na ausência de outra condição clínica que leve à sobrecarga do coração. É uma importante causa de morte súbita em jovens. Entre os fatores de risco para a ocorrência de eventos de morte súbita nesse cenário pode-se destacar: evento fatal já ocorrido e abortado, história familiar de morte súbita (que o paciente possui), espessura da parede maior ou igual a 30 mm, síncope inexplicada, taquicardia ventricular não sustentada no Holter, resposta pressórica anormal no teste ergométrico e presença de realce tardio na ressonância magnética do coração. 

2.            A Doença de Chagas ou tripanossomíase americana é uma doença parasitária transmitida aos seres humanos por meio de insetos hematófagos, principalmente o barbeiro, contaminados por Trypanosoma cruzi. A manifestação mais frequente e mais grave é o envolvimento cardíaco, resultando normalmente em arritmias atriais e ventriculares, insuficiência cardíaca e fenômenos tromboembólicos.

3.            Morte súbita relacionada a exercícios é a morte que ocorre durante a realização da atividade física ou até uma hora após seu término. É necessário que a morte tenha sido provocada por uma alteração do funcionamento regular do sistema cardiovascular, de forma a eliminar desta definição óbitos ocorridos por um risco de vida intrínseco ao esporte, como alpinismo, automobilismo e paraquedismo, por exemplo.

4.            A APP ou screening cardiovascular pré-participação esportiva é um momento crucial para identificar anormalidades ou fatores de risco que possam levar a um evento cardiovascular futuro no atleta. Defendida tanto pela American Heart Association (AHA) quanto pela Sociedade Europeia de Cardiologia, a APP deve incluir a história clínica, questionando sempre os antecedentes pessoais e familiares para investigar cardiopatias ou outras doenças causadoras de morte súbita, e um exame físico minucioso para tentar detectar fatores de risco cardíacos.

No exame físico, deve-se destacar a procura de sinais característicos como presença de sopro cardíaco, terceira ou quarta bulhas, estalidos valvares, alterações na palpação dos pulsos de membros superiores e inferiores, características físicas de síndrome de Marfan ou de outras doenças da aorta (p. ex., síndrome de Loeys-Dietz), além da aferição adequada da pressão arterial.

Com relação à indicação de exames complementares, existe uma certa controvérsia, porém a AHA recomenda apenas aprofundar a investigação com exames como eletrocardiograma de repouso, teste ergométrico e ecodopplercardiograma quando forem encontrados indícios de anormalidade nos atletas jovens, já em atletas máster (35 anos ou mais) o ECG de repouso é mandatório.

5.            A atividade física intensa pode provocar alterações cardíacas estruturais, funcionais e elétricas que são, na realidade, adaptações fisiológicas do coração que, em conjunto, podem ser denominadas de síndrome do coração do atleta. Entretanto, um outro grupo de alterações no ECG são as pouco frequentes / sugestivas de cardiomiopatia, as quais requerem uma análise minuciosa por parte da equipe médica. Na tabela abaixo, retirada da Atualização da Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício – 2019, as principais alterações encontradas no ECG do atleta: