Definição e Epidemiologia
Inicialmente descrita por Stein-Leventhal em 1935, a partir da associação entre amenorréia e forma policística dos ovários, a Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), é uma disfunção endócrina, podendo ser caracterizada por hiperandrogenismo e anovulação crônica, que afeta mulheres na menacme, com prevalência entre 6 e 16% das mulheres nesse período da vida.
Fisiopatologia
A etiopatogênese da SOP é multifatorial, estando envolvidos fatores endócrinos e genéticos, além de fatores ambientais como dieta e atividade física. Dentre os fatores endócrinos, destaca-se como patognomônico da síndrome a hipersecreção de hormônio luteinizante (LH) e hiposecreção do hormônio folículo estimulante (FSH). A hipersecreção de LH leva à estimulação excessiva das células da teca, aumentando a produção de androgênios, principalmente testosterona, de modo desproporcional à sua conversão em estradiol, de modo que ocorre o hiperandrogenismo observado nas paciente com SOP. Devido à baixa secreção de FSH, o completo crescimento e amadurecimento dos folículos é dificultado, de modo que estes interrompem seu desenvolvimento em estágios intermediários, conferindo ao ovário a morfologia policística característica.
Em mulheres diagnosticadas com SOP, observa-se diminuição da sensibilidade dos neurônios hipotalâmicos secretores de GnRH à retroestimulação negativa normalmente estimulada pelos níveis elevados de estrogênios e progesterona, de modo que se justifica o aumento da secreção de GnRH e LH. A essa redução de sensibilidade, se atribui a deficiência na expressão de receptores de progesterona nos neurônios secretores de GnRH.
Além do papel das gonadotrofinas, observa-se importante papel da hiperinsulinemia na produção anômala de androgênios em mulheres com SOP, por estas frequentemente apresentarem hiperinsulinemia compensatória e resistência à insulina. Uma vez que a insulina possui ação sinérgica ao LH na estimulação das células da teca, suas altas taxas contribuem para a produção excessiva de andrógenos.
No que tange aos fatores genéticos, há evidências de que trata-se de uma doença oligo ou poligênica, com padrão de hereditariedade de difícil elucidação e identificação. O caráter poligênico da SOP geram uma gama de genótipos e fenótipos possíveis na manifestação da doença, o que se constitui em uma dificuldade para o estabelecimento de critérios diagnósticos claros e consensuais.
Quadro clínico
O quadro clínico da SOP é caracterizado por irregularidade menstrual, oligo-amenorréia (ausência de menstruação por 90 dias ou mais) ou amenorréia, decorrentes da anovulação crônica, e por uma série de alterações decorrentes do hiperandrogenismo, podendo ocorrer presença de acne, seborréia, alopécia e hirsutismo. Devido à anovulação crônica pode também ocorrer infertilidade, achado coerente com as alterações hormonais do eixo hipotálamo-hipófise-ovário observadas na síndrome. A retenção de folículos em fase intermediária do amadurecimento leva à morfologia policística dos ovários, observada via ultrassonografia. Em adolescentes, destaca-se a ocorrência do hirsutismo e a irregularidade menstrual, com ciclos maiores que 45 dias ou menores que 21 dias.
Diagnóstico
De maneira geral, o diagnóstico da SOP é frequentemente clínico, por conta dos fatores a serem analisados e dos sintomas que levam as pacientes a procurarem o profissional de saúde. A maioria possui ciclo menstrual irregular e hiperandrogenismo clínico, sendo o primeiro sintoma caracterizado pela ausência de menstruação por 90 dias ou mais, dando o mesmo um caráter mais objetivo.
O protocolo mais utilizado para diagóstico de SOP é do critério de Rotterdam, que levará em consideração a presença de ao menos dois critérios diagnósticos dentre os seguintes: hiperandrogenismo clínico ou laboratorial, oligo-amenorréia ou morfologia ultrassonográfica de policistose ovariana, além da exclusão de outras doenças possíveis diagnósticos diferenciais.
O diagnóstico dos sinais e sintomas de hiperandrogenismo é mais subjetivo, necessitando de certos parâmetros para auxiliar a avaliação, como o Índice de Ferriman-Galleway, uma escala utilizada para quantificar pelos em regiões androgênios dependentes, avaliando nove áreas no total, podendo cada uma dessas somar de 0 à 4 pontos (sendo 0 correspondente à ausência de pelos e 4 ao crescimento acentuado de pelos terminais). Outra forma de avaliar o hiperandrogenismo é através de exames laboratoriais, ao solicitar a dosagem de testosterona total e globulina carreadora de hormônios sexuais (SHBG) para cálculo do índice androgênico livre (IAL) por meio da fórmula de Vermeulen, em pacientes com hirsutismo moderado à grave ou hirsutismo de qualquer outro grau relacionado à obesidade, distúrbio menstrual, infertilidade, ou de início súbito ou progressão rápida.
Por fim, pode-se utilizar critérios ultrassonográficos para avaliar os ovários e descartar possibilidade de tumores. Para diagnóstico de SOP, de acordo com o consenso de Rotterdam, os critérios ultrassonográficos incluem a existência de 12 ou mais folículos medindo entre 2 a 9 mm de diâmetro e/ou volume ovariano acima de 10cm³. A presença de ao menos um ovário com as características anteriores é suficiente para o diagnóstico.
Tratamento
Em adolescentes o tratamento é feito com base nas principais manifestações clínicas da SOP, como: irregularidade menstrual, obesidade, resistência à insulina e hirsutismo/acne. As opções terapêuticas são diversas, e costumam agir sobre mais de um sintoma, como o que é descrito abaixo. A escolha do tratamento adequado deverá ser realizada de maneira individualizada, com base nos sintomas descritos pela paciente e seu histórico.
O tratamento costuma estar diretamente relacionado à alterações no estilo de vida, buscando a diminuição do peso em torno de 5-10%, que é comprovadamente uma forma de reduzir os níveis de testosterona, aumento da concentração de SHBG e a normalização dos ciclos menstruais, além de diminuir a resistência periférica à insulina e dislipidemia.
Para o tratamento da irregularidade menstrual e outros efeitos androgênicos, é preconizado o uso de contraceptivos orais combinados, que podem ser associados a drogas antiestrogênicas, como o acetato de ciproterona, a espironolactona, flutamida, finasterida dentre outros, de acordo com as indicações e contraindicações de cada paciente. O contraceptivo oral de escolha deve ser o de maior ação androgênica, além disso, consensos sugerem a utilização de contraceptivos orais combinados contendo de 20 a 30 mcg de etinil estradiol (EE) ou equivalente.
Em associação a essas drogas, pode ser usada também a metformina, um insulino-sensibilizador utilizado principalmente entre adolescentes com resistência à insulina, melhorando os parâmetros metabólicos relacionados à SOP: padrão menstrual, com favorecimento da ovulação e níveis de insulina, androgênios e lipídeos. Recomenda-se que seja usada a metformina em doses entre 1000 e 2500 mg, iniciando-se com doses mais baixas.
Considerando que a SOP é responsável por cerca de 80% dos casos de infertilidade anovulatória, é importante realizar o manejo dessas pacientes, em que o tratamento, além das mudanças no estilo de vida incluem a indução farmacológica da ovulação, considerada a primeira linha de abordagem. Para este fim, podem ser utilizadas drogas antiestrogênicas, inibidores da aromatase ou gonadotrofinas. Normalmente a indução é realizada com citrato de clomifeno VO entre o 2º e 5º dia após o fluxo menstrual, em uma dose de 50mg/dia por 5 dias.
Como última linha de tratamento para a infertilidade provocada por SOP tem-se a fertilização in vitro, indicada para as mulheres que não engravidam após a indução de ovulação para coito programado, ou na presença de outras causas de infertilidade.