Carreira em Medicina

Caso Clínico: viscerotórax secundário a cirurgia bariátrica | Ligas

Caso Clínico: viscerotórax secundário a cirurgia bariátrica | Ligas

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Apresentação do caso clínico

M.F.L., feminino, 43 anos, natural de Salvador, foi admitida com queixa de dor moderada em flanco e hemitórax esquerdo há quatro dias e, há 3 horas, dor intensa em flanco esquerdo irradiada para região inguinal. Leve dispneia, com história de cirurgia bariátrica prévia – através da técnica de by-pass gástrico – há 15 anos. Apresentava-se taquicárdica, taquipneica, com boa saturimetria e tendendo a hipotensão. Nega ter sentido tais sintomas qualquer outra vez e nenhum acidente nos últimos meses.

Ao exame físico, a paciente encontrava-se em estado geral regular, lúcida e orientada em tempo e espaço, afebril, acianótica, anictérica, hidratada, taquipneica (frequência respiratória = 30 ipm), taquicárdica (frequência cardíaca = 108 bpm) e tendendo a hipotensão (100 x 60 mmHg). Sem achados dignos de nota em orelhas, nariz, couro cabeludo, face e cavidade oral. Ausência de linfonodos palpáveis. Ausência de déficits neurológicos. Ao exame físico do tórax, apresentava murmúrios vesiculares abolidos em hemitórax esquerdo. Aparelho cardiovascular apresentava ritmo taquicárdico, mas em dois tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros, cliques ou estalidos. Abdome plano, flácido, ruídos hidroaéreos presentes, fígado e baço não palpáveis e indolor à palpação superficial e profunda sem alterações no exame. Pulso periférico palpável, sem edema e sem cianose. Ausência de sinais inflamatórios em membros superiores e inferiores. A hipótese diagnóstica foi de nefrolitíase, procedendo com terapia analgésica e investigação complementar. Foi solicitado hemograma (Hb 7,5g/dl) e realização de exame de imagem para consolidar diagnóstico. Posteriormente, foi encaminhada à terapia mais adequada evoluindo hemodinamicamente estável, sem uso de drogas vasoativas, em ventilação espontânea e com melhora dos sintomas, tendo alta no 6º dia da pós-operatório.

RX de tórax:

Fonte: Imagem retirada pelos ligantes no estágio da Liga de Trauma e Emergências Cirúrgicas (LATEC)

Questões para orientar a discussão    

1. Qual é o possível diagnostico?

2. Qual a conduta terapêutica? Considerando que houvesse necrose do segmento, qual seria a indicação?

3. Quais as complicações cirúrgicas tardias mais comuns do by-pass gástrico?

4. Discorra sobre as 3 fases da história natural da condição apresentada no caso e aponte em qual dessas fases M.F.L. se encontra.

5. Quais outros métodos diagnósticos poderiam ser realizados?

Respostas

1.  De acordo com o exame de imagem, percebe-se que houve herniação de conteúdo abdominal, mais especificamente uma alça intestinal, para cavidade torácica à esquerda.  Além disso, o exame evidenciou também um desvio acentuado de traqueia e mediastino para a direita e presença de hidropneumotórax, o que juntos justificam a taquipneia e dispneia. Neste caso, vimos que uma anamnese bem feita pode nos guiar para uma hipótese, pois, a herniação da alça foi, provavelmente, secundária a uma cirurgia bariátrica, entretanto, não foi óbvio, pois o procedimento ocorreu há 15 anos e tem como possível complicação a hérnia interna, diferente da que foi encontrada nesta paciente. Além disso, os sintomas relatados pela paciente não eram proporcionais a grandiosidade que seria evidenciada apenas pelo exame de imagem. Portanto, com a anamnese, foi criada uma suspeita importante, mas apenas o RX confirmaria a hipótese para dar seguimento a conduta terapêutica, ressaltando a necessidade de exames de imagem para elucidação diagnóstica.

2. Neste caso, foi indicada intervenção cirúrgica para a correção do quadro optando por uma toracolaparotomia. Durante o procedimento, foi identificada uma lesão diafragmática a esquerda com o conteúdo abdominal que estava na cavidade torácica já em sofrimento e perfurada. Portanto, haveria indicação de colectomia do segmento encontrado no tórax, frenorrafia na região acometida e colostomia em alça.

3.  As complicações mais comuns incluem estenose de anastomose, ulceração marginal e fistula gastrogástrica. A primeira delas ocorre em 5-27% dos casos, ocorre mais comumente na gastrojejunostomia e pode ser dividida em 4 graus:

Tabela 1 – Características das estenoses

Fonte: PALERMO, et al. Complicações cirúrgicas tardias após bypass gástrico: revisão de literatura.

Já a ulceração marginal é o surgimento de ulcera peptídica na mucosa do jejuno próximo ao local da anastomose gastrojejunal. Ocorre em 1-16% dos pacientes e existem diversos fatores predisponentes como tamanho da bolsa, isquemia da mucosa, linha de grampeamento rompida, fistula gastrogástrica, reação de corpo estranho, fatores hormonais, uso de tabaco e AINES, além de infecção previa por Helicobacter pylori.

Por fim, a fistula gastrogástrica é definida como uma comunicação anormal entre a bolsa gástrica e o estomago excluído, acontecendo em 1,5-6% dos casos. Pode ocorrer por diversas causas:

Tabela 2 – Causas da fístula gastrogástrica

Fonte: PALERMO, et al. Complicações cirúrgicas tardias após bypass gástrico: revisão de literatura.

4. A história natural da hérnia diafragmática é dividida em 3 fases: aguda, intermediária/ latente e crônica. Na fase aguda o paciente já se apresenta com a lesão diafragmática e sua expressão clínica varia de acordo com a extensão dessa lesão. Na fase intermediaria ocorre o encarceramento das vísceras abdominais no tórax, produzindo sintomas vagos como episódios de obstrução intestinal, náusea, vômitos e dor. Por fim, na fase crônica podem ocorrer complicações como obstrução e estrangulamento intestinal. A nossa paciente já estava na fase crônica, visto que apresentava alça em sofrimento, sendo necessário colectomia seguida de uma colostomia.   

5. Radioscopia do hemidiafragma, pneumoperitôneo diagnostico, pleurografia, peritoneografia, cintilografia com injeção intraperitoneal de tecnécio, ultrassonografia computadorizada, tomografia de tórax, ressonância nuclear magnética toracoscopia, laparoscopia, lavado peritoneal, exploração digital na drenagem pleural e na laparotomia.