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CASO CLÍNICO | Sangramento uterino anormal

CASO CLÍNICO | Sangramento uterino anormal

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LAGO – Liga Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia
Autores: Ana Laura Peixoto Cavalcanti, Ana Luiza Trindade Coelho, Laura Amaral Boaventura
Orientadora: Juliana Augusta Dias (Ginecologista e Obstetra – Hospital Nossa Senhora da Saúde)
Instituição: Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri

História Clínica

Paciente M.L.H., sexo feminino, 47 anos, procurou a UBS com queixa de sangramento vaginal. Não soube especificar quando foi o início do sangramento, havendo piora 15 dias antes da consulta. Nega presença de coágulos no sangramento ou associação de dor ou febre.
Fazia uso de Anticoncepcional Injetável (ACI) mensal, o qual suspendeu por conta própria. Iniciou em seguida o uso de Ciclo 21 de forma contínua, por conta própria, por cerca de 6 meses. Nesse período os sangramentos tiveram início. Após consulta na UBS suspendeu o uso de Ciclo 21 e iniciou uso de ACI trimestral, seguido se piora do sangramento. Após consulta com ginecologista o ACI trimestral foi suspenso, com início do uso de Desogestrel, com diminuição do sangramento, porém sem que cessasse.
Paciente G11P8NA3. Não soube relatar motivos dos abortos. Último exame de citologia oncótica há 6 meses sem alterações.
Nega tabagismo, etilismo e prática de atividade física. Diabética e hipertensa. Em uso de Omeprazol, Sertralina, Metformina, Combiron, AAS, Enalapril, Clorpromazina, Clonazepan, Sinvastatina, Insulina NPH.
Pais vivos, hipertensos e diabéticos.


Exame Físico

Ao exame físico, BEG, LOTE, anictérica, acianótica, eupneica, hidratada, normocorada.
Leve hiperemia de cornetos nasais. Mucosa oral sem alterações.
Ausência de linfonodomegalias submandibulares, mentonianas, cervical.
PA 130×80 mmHg, FC 84 bpm, FR 17 irpm.
MVF sem RA.
BNRNF, RCR, 2T, SS.
Abdome globoso, peristáltico, sem visceromegalia, ausência de massas abdominais.
MMII: pulsos pediosos simétricos e amplos, sem edemas.
Ao exame físico, PA 130×80 mmHg, peso 78,5kg, altura 1,54 cm, IMC 32,9 kg/m²
O exame ginecológico evidenciou períneo íntegro. O exame especular mostrou parede vaginal íntegra. Colo uterino estava centralizado com sangramento ativo em pouca quantidade pelo orifício externo. O teste de Schiller foi negativo.
 

Exames Complementares

A ultrassonografia transvaginal mostrou dados ecográficos sugestivos de Leiomiomatose Uterina. Volume uterino de 224,32 cm³. Miométrio de textura heterogênea. Múltiplas imagens nodulares de localização intramural e submucosa corporal posterior medindo 1,78×1,40cm. Ovários de aspecto ecográfico normal.
 

Hemograma Resultado Valor de Referência
Hemoglobina 11,2 g/dL 12,0 – 15,0 g/dL
Hemácias 3,9 milhões/mm³ 4,2 – 5,4 milhões/mm³
Hematócrito 35% 37-47%
Plaquetas 179.000/mm³ 150000 a 20000/mm³
TSH 1,3 mcUI/mL 0,4 – 5,0 mcUI/mL
 

 

Pontos de Discussão

  1. Qual a propedêutica inicial para SUA?
  2. Quais diagnósticos pode ser hipotetizados?
  3. Quais são os fatores complicadores na história apresentada?
  4. Quais possíveis  manejos do quadro?
  5. Entre os tratamentos disponíveis, quais estão contraindicados?

Discussão

A investigação do sangramento uterino anormal (SUA) inicia-se na definição da etiologia, uma vez que trata-se de uma manifestação e não de um diagnóstico. A Federação internacional de Ginecologia e Obstetrícia classifica as causas entre estruturais e não estruturais. Pertencem ao primeiro grupo pólipos, adenomiose, leiomioma e doenças malignas, sendo o mioma uterino identificado à ultrassonografia a principal hipótese diagnóstica para o caso reportado como origem da hemorragia (FEBRASGO; 2017)
Além de ser bastante incômodo, o SUA pode causar diversas repercussões na vida do paciente. Como no caso, pode ser a causa de anemia, e responsável por piora na qualidade de vida (FEBRASGO; 2017)
O tratamento dos casos de SUA é bastante variável. Etiologia, idade da paciente e suas preferências, sintomas associados, outras comorbidades e necessidade de contracepção são itens a serem considerados durante a escolha do tratamento. A paciente reportada possui miomatose uterina e risco cardiovascular com necessidade de prevenção primária. Nesse caso, como não há alterações uterinas e os miomas são de pequeno tamanho, está indicado o uso de terapia farmacológica (TELESSAÚDE; 2018)
Os antiinflamatórios não esteroidais estão indicados durante o período de sangramento, sendo opções Ibuprofeno, ácido mefenâmico e naproxeno. O ácido tranexâmico também está indicado, na posologia de 250 a 1000 mg 2 a 3 vezes por dia, devendo-se evitar o uso concomitante com anticoncepcional oral, como descrito no caso (TELESSAÚDE; 2018)
Os métodos hormonais podem atender a duas demandas: resolução da hemorragia e contracepção, já que a paciente ainda não teve a menopausa e não deseja aumentar a prole. Entretanto é necessário observar contraindicações para cada método. A paciente apontada fez uso de quatro métodos distintos, dois orais e dois injetáveis, variando entre combinados e de progestagênio isolado, sendo refratária a todos os métodos empregados. Segundo a Organização Mundial de Saúde, em seus critérios de elegibilidade para uso de contraceptivos, pacientes com múltiplos fatores de risco cardiovascular como obesidade, diabetes e hipertensão, possuem um número limitado de opções de métodos. Entre os recomendados e disponíveis no SUS, tem-se as pílulas de progestágeno e dispositivos intrauterinos (DIU). Os demais, que utilizam fórmula combinada, estão contraindicados nesse caso (OMS; 2007)
            Foi aventada a proposta de uso de inserção de sistema intratuterino liberador de levonorgestrel (SIU) como solução definitiva para o caso. Uma revisão sistemática do Colégio Americano de Ginecologia e Obstetrícia comparou os métodos de tratamento não cirúrgicos para SUA e descreveu os mais eficazes. Entre os possíveis de serem empregados no caso, tem-se as pílulas de progestágeno, antiinflamatórios não esteroides e ácido tranexâmico, que foi o responsável pela suspensão do sangramento. Entretanto esse mesmo estudo aponta a eficácia superior do SIU em relação aos demais métodos, sendo esse principalmente indicado. A desvantagem é que não está disponível no Brasil de forma gratuita, o que pode inviabilizar seu uso em muitos casos (MATTESON et al.; 2013).
 

Diagnósticos Diferenciais Principais

Diagnósticos Diferenciais – SUA
Carcinoma de endométrio
Iatrogenia (medicamentosa, DIU)
Coagulopatias  e insuficiência hepática
 Mioma Submucoso
Pólipo endometrial ou adenomiomatose
Atrofia endometrial
 

Objetivos de Aprendizado

  1. Realizar o diagnóstico diferencial entre SUA e outras causas de sangramento vaginal;
  2. Identificar outras repercussões que o SUA pode acarretar na saúde de uma paciente;
  3. Saber escolher a medicação mais adequada para a paciente;
  4. Manejar casos de SUA de difícil resolução.

Pontos Importantes

  • A história clínica e o exame físico são de grande importância na suspeição da etiologia.
  • Os exames feitos para a investigação inicial das principais etiologias incluem exame especular, US tranvaginal e exames laboratoriais de sangue.
  • O tratamento é bastante variável, e deve levar em conta a etiologia, a idade, os sintomas associados, outras comorbidades presentes, a necessidade de contracepção e as preferências da paciente.
  • O acompanhamento da paciente é importante a fim de confirmar a eficácia do tratamento e se houve melhora da qualidade de vida.

 

Referências

FEBRASGO – Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. Sangramento uterino anormal.Série Orientações e Recomendações FEBRASGO. n. 7, São Paulo: 2017.
MATTESON, Kristen A. et al. Non-surgical management of heavy menstrual bleeding: A systematic review and practice guidelines. Obstetrics and gynecology, v. 121, n. 3, p. 632, 2013.
OMS – Organização Mundial de Saúde – e colaboradores. Planejamento Familiar: um manual global para profissionais e serviços de saúde. Estados Unidos; 2007.
TELESSAÚDE RS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Telecondutas: Sangramento Uterino Anormal . Porto Alegre: 2018.