Hematologia

Será que tem diferença de efeitos de tipos sanguíneos em casos graves de covid-19? | Colunistas

Será que tem diferença de efeitos de tipos sanguíneos em casos graves de covid-19? | Colunistas

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Veja o que é discutido sobre a suposta influência dos tipos sanguíneos no desenvolvimento de formas graves da covid-19

A COVID-19 por ser uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2, requer investigação da sua fisiopatologia e muitos estudos têm explorado os efeitos e a relação entre o grupo sanguíneo ABO de pacientes infectados e que desenvolveram a COVID-19. Contudo, a atribuição do sistema sanguíneo ABO às infecções não é recente e não é exclusiva de infecções virais.

Nesse viés, recentes estudos sugeriram um efeito protetor de anticorpos anti-A, associando a presença destes no soro (grupos O e B) às apresentações brandas da doença, enquanto a ausência de circulação de anticorpos anti-A (grupos A e AB) esteve relacionada às formas graves, ao passo que outros estudos discordaram desse resultado e verificaram predomínio em pacientes do grupo O.

1.Por que relacionar tipagem sanguínea e doenças?

Primeiramente, é importante entender que o grupo sanguíneo ABO é exemplo de adaptação evolutiva onde, por milhares de anos, microrganismos e humanos interagem de forma simbiótica ou patológica, influenciando na genética das populações e na evolução do genoma humano pela seleção natural de alelos específicos capazes de modificar a patogênese.

Bioquimicamente, ressalta-se que os antígenos do sistema ABO são carboidratos presentes na superfície das células sanguíneas, tecidos e nas secreções, os quais são adicionados por glicosiltrans­ferases específicas, codificadas através de informações contidas no locus ABO. Essa heterogeneidade fenotípica dos antígenos do Sistema ABO é demonstrada pelos diferentes genes que expressam as glicosiltransferases, por exemplo o gene A codifica a enzima N-acetil-galactosamina transferase, que adiciona uma N-D-acetilgalactosamina ao antígeno H, formando o fenótipo A; já o gene B codifica a enzima galactosyltransferase, que adiciona uma D-galactose ao antígeno H gerando o fenótipo B. Entendido isso, percebe-se que quando há atividade das duas enzi­mas simultaneamente ocorre a formação do fenótipo AB, e quando não há atividade de ambas as glicosiltrans­fe­rases tem-se o fenótipo O, composto apenas pelo antígeno H.

Algumas doenças, de fato, demonstraram ser influenciadas pela tipagem sanguínea. Estudos já apontaram maior vulnerabilidade ou proteção de certos tipos sanguíneos a enfermidades como malária, hepatite B, AIDS, infecções pelos vírus Norwalk e pela bactéria H. pylori, entre outras.

2. O coronavírus tende mais a ser mais perigoso para algum tipo sanguíneo do sistema ABO — O, A, B ou AB?

Atualmente ainda não há uma conclusão sobre essa questão. A resposta oferecida pela pesquisa da revista científica Blood Advances, foi a de que sim, o coronavírus mostra uma “forte preferência” em se ligar a proteínas que só o tipo sanguíneo A tem, particularmente aquelas presentes nas células respiratórias nos pulmões. O mesmo não foi observado em células dos tipos sanguíneos B ou O, também  avaliadas.

Essas suspeitas se devem, em parte, ao surto causado pelo SARS-Cov — “parente” do SARS-CoV-2 — no início dos anos 2000, alguns cientistas encontraram evidências de que o sangue tipo O poderia ter um efeito protetivo contra o vírus. Isso foi reforçado pelo próprio estudo na Blood Advances.

No entanto, um estudo observacional, prospectivo, sem intervenção foi realizado no HEMOGO, em Goiás, nele foram avaliados 98 candidatos a doação de plasma convalescente, com antecedentes de COVID-19 sabidamente comprovados, atendidos entre 19/06/2020 a 31/07/2020. O estudo demonstrou que houve uma prevalência maior de pacientes do tipo sanguíneo O em comparação aos outros grupos sanguíneos. Nessa pesquisa brasileira, os pacientes apresentaram o grupo sanguíneo mais frequentemente entre os pacientes com COVID-19 foi o grupo sanguíneo O (51%), seguido pelo grupo A (33%), B (10%) e AB (5%), com prevalência de sintomas leves (55,1%); seguido de moderados (30,6%); assintomáticos (10,2%) e graves (4,1%) e dos internados, houve uma prevalência maior em pacientes tipo AB (33,3% vs. 3,3%, p = 0,001) em comparação aos pacientes dos tipos sanguíneos B (33,3% vs. 8,7%, p = 0,001) e tipo O (33,3% vs 52,2%, p = 0,001). Contraditoriamente ao outro estudo, nenhum paciente do tipo sanguíneo A necessitou de internação (0% vs 35% p = 0,001). Desse modo, a distribuição do grupo sanguíneo ABO não foi significativamente relacionado ao quadro sintomático de COVID-19. 

CONCLUSÃO: Não há consenso científico sobre o assunto, enquanto alguns afirmaram, já outros negaram. Então ter ou não algum tipo sanguíneo não é por enquanto motivo para deduzir como serão os efeitos da COVID-19 no organismo e nem para diminuir as medidas preventivas. As relações que foram levantadas até agora precisarão ser mais estudadas. 

Autora: Jéssica N. Borba

Instagram: @borbajessica_

Referências 

RELAÇÃO ENTRE OS GRUPOS SANGUÍNEOS E A COVID-19 – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7603975/

Coronavírus: o que se sabe sobre efeitos de tipos sanguíneos em casos graves de covid-19 – https://www.bbc.com/portuguese/geral-56645593

O tipo sanguíneo pode influenciar no contágio pelo novo coronavírus?- https://ufsm.br/r-601-6202

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.