CASO CLÍNICO
C. 8., do sexo feminino, de 44 anos de idade, solteira, foi internada em maio de 1978 no Serviço de Medicina 2, Hospital de Santa Maria, por icterícia. Oito meses antes do internamento, em Outubro de 1977, refere o aparecimento de prurido gene realizado de agravamento progressivo e a partir de Janeiro de 1978 começa a notar escurecimento generalizado da pele que se foi acentuando. Em Fevereiro de 1978 nota pela primeira vez a presença de icterícia das escleróticas. A cor das fezes era normal e a doente não tinha dores abdominais ou febre.
Foi então submetida a colecistografia oral que mostrou visualização da vesícula e ausência de imagens sugestivas de cálculos.
Na altura refere discreta astenia e anorexia tendo emagrecido cerca de 4 kg desde o início da doença. Em virtude da persistência e intensificação da icterícia, foi internada para avaliação. Nos dias que precederam o internamento começou a sentir secura da mucosa bucal.
Da história pregressa há a registar, nos cinco anos anteriores, a presença de poliartralgias das pequenas articulações, especialmente em mãos, acompanhadas de impotência funcional e rigidez matinal. Foi feito o diagnóstico de artrite reumatóide, baseado em dados clínicos, laboratoriais e radiológicos. Passou a ser medicada com indometacina, fenilbutazona e corticosteroides.
Não havia evidência de ingestão recente de outros medicamentos e a doente negava contatos com doentes ictéricos, transfusões de sangue e hábitos alcoólicos. A observação mostrava uma doente ligeiramente emagrecida, com icterícia moderada e hiperpigmentação generalizada. A tensão arterial era 120780 mmHg e o exame cardiopulmonar normal, o abdômen tinha configuração normal, sem circulação colateral visível, sem sinais de ascite e sem hepatoesplenomegália. Não se observavam telangiectasias, eritema palmar ou outros sinais de doença hepática crônica. Notava-se moderada atrofia dos músculos interósseos de ambas as mãos e discreta deformação das articulações interfalângicas, sem desvio cubital.
Os exames laboratoriais mostravam: hemoglobina 11,6 g/100 ml com 3 840 000 eritrócitos, VS 115 mm à i.~ hora, glicemia em jejum 90 mg/100 ml, ureia 26 mg/ /100 ml, urina normal, V.D.R.L. negativo, colesterol total 262 mg/100 ml e lípidos totais 1535 mg/100 ml. A transaminase oxaloacética era 390 mU/mi, a transaminase glutâmicopiruvica 222 mU/ml, a bilirrubina conjugada 2,3 mg/100 ml e a total 4,2 mg/100 ml, a fosfatase alcalina 404 mUI/mI, o tempo de protrombina 100 %, as proteínas totais 8,5 g/100 ml com 3,0 g/100 ml de albumina e 3,0 g/ml de -r globulina. A imunoelectroforese mostrou aumento de IgG e IgM. Utilizando a imunodifusão radial obtiveram-se valores de IgG superiores a 2962,5 mg/100 ml e IgM de 346 mg/100 ml.
As determinações do antigenio HB, a fetoproteína e células LE foram negativas e o RA test e a reação de Waaler Rose foram positivos. O doseamento do anticorpo antimitocondrial foi fortemente positivo (título 1/6 40).
Foram também efetuadas as provas de Shiermer e Rosa de Bengala que foram positivas. A biópsia hepática (realizada com agulha de Menghini) mostrou parênquima com estrutura conservada, infiltração linfoplasmocitária predominantemente focal, com edema nos espaços porta, lesões degenerativas do epitélio dos ductos, com redução do número destes e moderada proliferação ductular. Observou-se uma pequena quantidade de pigmento biliar localizado nas zonas periportais. Estas alterações são sugestivas de cirrose biliar primária no estádio 2, de acordo com a classificação de Peter Scheuer (1968).