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A Síndrome de Alport (SA) foi descrita pela primeira vez em 1927 por um médico chamado Arthur Alport. Ele reconheceu associação entre quadros de hematúria, surdez, alterações oculares relacionados a pacientes de uma família portadora de nefrite hereditária.
A SA é classificada como uma doença glomerular hereditária, do grupo das nefrites. São causadas por mutações de genes que codificam proteínas do colágeno do tipo IV, que pode ser transmitida geneticamente ligada ao cromossomo X (a maioria dos casos), de forma autossômica recessiva, autossômica dominante e digênico.
Devido a sua herança heterogênea, encontramos mais casos de Síndrome de Alport em pacientes do sexo masculino (herança ligada ao cromossomo X). Nos homens temos também a apresentação clínica da doença de forma mais grave e com maior chances de desenvolver insuficiência renal na juventude.
Glomerulopatias
O glomérulo é a unidade funcional do rim. Ele é responsável pela filtração sanguínea, excreção e reabsorção de líquidos para formação da urina. São constituídos por rede de capilares, camadas de epitélios, espaço de Bowman. As paredes capilares que são responsáveis pela filtração são compostas pelas seguintes estruturas:
- Células endoteliais;
- Membrana basal glomerular (MBG), formada por colágeno do IV entre outros componentes;
- Podócitos e pedicelos que são importantes para manutenção da função da barreira glomerular, evitando proteinúria;
- Células mesangiais.
Qualquer alteração nessas estruturas pode ocasionar comprometimento no funcionamento dos glomérulos e a isso chamados de Glomerulopatias.
Os mecanismos de lesão podem ser em decorrência da deposição de anticorpos, por depósito de imunoglobulinas e por mecanismos imunes celulares.
Doenças glomerulares
Podemos classificar as doenças glomerulares em primárias, secundárias às doenças sistêmicas e hereditárias.
A primária são aquelas em que o rim é o único ou o principal órgão envolvido. As secundárias estão relacionadas a doenças imunomediadas, doenças metabólicas e até às doenças hereditárias, como a Síndrome de Alport.
Temos duas grandes síndromes glomerulares: a Síndrome Nefrótica e a Síndrome Nefrítica. Em cada uma delas é possível ter vários tipos de doenças que acometem o rim e alguns outros órgãos. Para mais informações sobre ambas, acessem nossos resumos:
A Síndrome de Alport faz parte da Síndrome Nefrítica, apresentando características como a hematúria, oligúria com azotemia, proteinúria subnefrótica e hipertensão.
Patogenia e morfologia
Como já foi falado, a causa da Síndrome de Alport é a mutação dos genes que codificam o colágeno do tipo IV. As variantes genéticas afetam as cadeias alfa-3, alfa-4 e alfa-5(IV) que impedem a deposição de colágenos para formação de rede, levando a complicações nos locais que deveriam ter essa deposição.
Esse colágeno está localizado em algumas estruturas do nosso corpo:
- Cápsula de Bowman;
- MBG, membrana dos túbulos distais e coletores;
- Membrana basal do olho;
- Membrana basal da cóclea, cápsula do cristalino e retina.
Morfologia da Síndrome de Alport
Observaremos abaixo como o rim, aparelho oftalmológico e auditivo estarão na histopatologia e microscopia eletrônica.
No rim
Histopatologia:
- O glomérulo aparece sem alterações até o final do curso, quando pode ocorrer esclerose secundária;
- Presença de células espumosas;
- Doença bastante evoluída: aumento da glomeruloesclerose, esclerose vascular, atrofia tubular e fibrose intersticial.
Microscopia eletrônica:
- Início do quadro: membrana basal do glomérulo é delgada e atenuada;
- Ao final: a MBG desenvolve focos irregulares de espessamento ou atenuação com pronunciada divisão e laminação da lâmina densa, produzindo aspecto trançado.
Na Lente
- Presença de lenticone anterior: patognomônico da Síndrome de Alport
- Afinamento da cápsula do cristalino
Na cóclea
O mecanismo e como é encontrado ainda está sob estudo e pesquisas.
Apresentação clínica da Síndrome de Alport
A Síndrome de Alport costuma se manifestar na juventude, entre os 5 e 20 anos. Pacientes podem desenvolver insuficiência renal entre os 20 e 50 anos de idade.
Geralmente na família outras pessoas já vão ter apresentado algum quadro da doença, principalmente homens. As mulheres que possuem genes ligados à nefrite hereditária, geralmente são assintomáticas ou apresentam sinais limitados a hematúria persistente, que, na maioria dos casos, está associada a curso clínico benigno.
Manifestações renais
Podemos dizer que a manifestação renal acontece em quatro fases:
- Detecção de sangue na urina (hematúria);
- Detecção de níveis elevados de proteína na urina (proteinúria);
- Decaimento da função renal;
- Estágio terminal da doença renal.
Manifestações oculares
As manifestações oculares costumam a aparecer antes das manifestações renais. Podemos ter algumas alterações como:
- Deslocamento de retina;
- Catarata posterior;
- Distrofia e opacidade da córnea;
- Diminuição da espessura da membrana retiniana;
- Retinopatia pigmentar e central;
- Lenticonus anterior – patognomônico: são granulações brancas ou amarelas bilaterais que estão localizadas superficialmente na retina ao redor da área foveal (também referida como ponto e mancha ou retinopatia fleck).
Algumas alterações podem cursar com a perda da visão.
Manifestações auditivas
Pacientes que possuem a Síndrome de Alport podem desenvolver perda auditiva neurossensorial. Essa parda é de alta frequência, mas pode progredir para uma surdez total, sendo um quadro mais raro.
Geralmente é diagnosticado na idade escolar, devido à dificuldade de aprendizado e interação.
Leiomiomatose de esófago
São tumores benignos caracterizados por supercrescimento de músculo liso visceral nos tratos respiratório, gastrointestinal e reprodutor feminino.
Quando presente, é patognomônico de Síndrome de Alport.
Diagnóstico e Tratamento
Para realizar o diagnóstico da Sindrome de Alport é importante fazer uma boa anamnese. Deve-se questionar sobre sintomas renais, oculares e auditivos. A história familiar é importante também de ser questionada. É preciso ficar atento à idade, sexo do paciente e se existem outras doenças associadas.
O paciente deve ainda realizar biopsia do rim a fim de confirmar o diagnóstico da SA, onde vai detectar se tem ou não cadeias de colágeno do tipo IV. É preciso solicitar exames sorológicos da função renal, sumário de urina. Solicitar avaliação de fundo de olho com o oftalmologista e otoscopia e audiometria com o otorrinolaringolista.
O tratamento farmacológico que existe são bloqueadores do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA). Eles agem retardando a perda da função renal.
Grandes Síndromes Clínicas
Síndrome é um conjunto de sinais e sintomas clínicos que podem resultar em mais de uma causa possível. A Síndrome de Alport faz parte de uma Grande Síndrome: Glomerulopatias. Está no grupo das síndromes nefríticas, sendo uma nefrite hereditária.
Assim como ela, existem diversas outras Grandes Síndromes que são de extrema importância do médico e do estudante de medicina conhecer. Pensando nisso, a Sanar reuniu 44 diagnósticos sindrômicos em um livro: Grandes Síndromes Clínicas.

Os capítulos de cada síndrome são organizados da seguinte forma:
- Avaliação inicial
- Definição
- Fisiopatologia
- Causas
- Manifestações clínicas
- Abordagem do paciente
- Approach
- Diagnóstico
- Tratamento.
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Sugestão de leitura complementar
- Doença de lesões mínimas e glomeruloesclerose segmentar e focal em adultos: resposta a corticoide e risco de insuficiência renal
- Glomerulopatias que se apresentam com síndrome nefrótica: como diagnosticar?
- Resumo de síndrome nefrótica
- Quiz: Teste seus conhecimentos sobre GLOMERULOPATIAS
- Glomérulo renal
- Resumo de Síndrome Nefrítica
Referências
- KASHTAN, C. E. Genetics, pathogenesis, and pathology of Alport syndrome (hereditary nephritis). UpToDate, 2021.
- KASHTAN, C. E. Clinical manifestations, diagnosis, and treatment of Alport syndrome (hereditary nephritis). UpToDate, 2021.
- KUMAR, V. et al. Robbins, Patologia Básica. Tradução Cláudia Coana et al. Rio de Janeiro, 9° ed. Elsevier, 2013.
- TORRES, M. R. M. Síndrome de Alport. Trabalho Final de Mestrado Integrado em Medicina. Clínica Universitária de Otorrinolaringologia. Faculdade de Medicina de Lisboa. Universidade de Lisboa, 2019.
- VILELA, M. L. P. Síndrome de Alport. Brazilian Journal of Health Review,Curitiba, v. 5, n.5,p.19013-19021,sep./oct.,2022. Disponível em: <https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BJHR/article/view/52177/39024> Acesso em: 29 de nov de 2022.