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Síndrome de Cockett: como desconfiar no ambulatório | Colunistas

Síndrome de Cockett: como desconfiar no ambulatório | Colunistas

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Introdução

A Síndrome de Cockett, também conhecida como Síndrome de May-Thurner ou Síndrome da Compressão da Veia Ilíaca foi descrita pela primeira vez por McMurrich, em 1908, definida por May e Thurner em 1957, e descrita clinicamente por Cockett e Thomas em 1965. É uma rara situação clínica, mais predominante em mulheres jovens entre a segunda e quarta décadas de vida, na qual consiste na compressão da veia ilíaca comum esquerda pela artéria ilíaca comum direita, manifestando-se clinicamente como dor e edema do membro inferior esquerdo.

Como consequência da constante compressão e trauma causados pela pulsação da artéria sobre a veia, favorece a lesão da camada íntima venosa, podendo levar à formação de um trombo. May e Thurner observaram a ausência dessas lesões nas autópsias fetais, acreditando-se então de que a lesão é adquirida e não congênita, mas até o presente momento não se sabe por que a relação anatômica normal entre a veia ilíaca comum esquerda e a artéria ilíaca comum direita é interrompida e começa a interferir no fluxo venoso.

A real prevalência desta síndrome permanece uma incógnita, pois, com a substituição da flebografia pelos métodos não invasivos (principalmente o US-Doppler colorido) para o diagnóstico das doenças venosas dos membros inferiores, muitos casos de insuficiência venosa crônica e/ou trombose venosa iliofemoral esquerda associados à síndrome de cocket têm permanecido sem o diagnóstico etiológico.

A artéria ilíaca comum direita cruza, anteriormente, a veia ilíaca comum esquerda, sendo que, posteriormente a ela, localiza-se o promontório sacral da quinta vértebra lombar. A artéria ilíaca comum direita, sobrejacente à veia ilíaca comum esquerda, parece induzir a obstrução parcial da veia de duas formas:

1) obstrução mecânica propriamente dita, através de compressão da veia entre a artéria e a coluna vertebral (fator extrínseco);

2) hipertrofia intimal venosa, resultante das repetitivas compressões decorrentes do pulso arterial sobrejacente, levando a algum grau de cisalhamento entre as paredes anterior e posterior da veia (fator intrínseco).

Tendo em consideração as complicações da síndrome, a mesma deve ser reconhecida e tratada, em pacientes sintomáticos, evitando assim alterações irreversíveis no sistema venoso do paciente. 

Epidemiologia

Apesas da prevalência ser desconhecida, estima-se que os pacientes que apresentam sintomas relacionados à doença venosa crônica dos membros inferiores, a síndrome de cocket acomete 2 a 5% desses pacientes.

Em relação a incidência da síndrome, quando investigada, em portadores de trombose venosa profunda (TVP) do membro inferior esquerdo, varia entre 18 e 49%. Há diversos relatos que evidenciam uma prevalência de TVP entre três a oito vezes maior no membro inferior esquerdo em relação ao direito, sendo a Síndrome de Cocket uma possível causa para esta alta prevalência.

Há predomínio no sexo feminimo, jovens, entre a segunda e a quarta décadas de vida, com média de idade de 34,4 anos na população brasileira. Cirurgia, gravidez e repouso prolongado têm sido descritos como fatores precipitantes agudos.

Diagnóstico

Quadro clínico

O diagnóstico da Síndrome de Cocket exige alto grau de suspeita clínica, principalmente, na ausência de um quadro agudo de TVP.  Os sintomas podem variar desde claudicação venosa considerável, até queixas leves que, por ser uma síndrome subdiagnosticada, muitas vezes, são atribuídas à insuficiência venosa crônica primária.

O exame físico pode evidenciar edema unilateral de membro inferior esquerdo geralmente moderado e, mais raramente, os pacientes também podem apresentar estigmas associados à síndrome pós-trombótica, como alterações de pigmentação, varizes, dor crônica nas pernas, flebite e úlceras cutâneas recorrentes.

Exames complementares

O padrão ouro atualmente para definir estenose hemodinamicamente significativa é a flebografia e a ultrassonagrafia intravascular. A flebografia permite uma avaliação morfofuncional da presença e do grau de repercussão hemodinâmica da lesão. Já a ultrassonografia intravascular, permite a visualização direta da compressão venosa, o que possibilita uma melhor compreensão fisiopatológica da doença, além de uma melhor orientação terapêutica, em caso de tratamento endovascular. Mas, por serem exames invasivos e de alto custo, são reservados para o momento cirúrgico.

O US-Doppler venoso do membro inferior esquerdo é um método que permite identificar a presença de obstrução significativa de forma menos invasiva, mostrando o grau de compressão e a velocidade do fluxo sanguíneo, utilizado para descartar TVP, porém, é incapaz de visualizar a compressão da veia ilíaca.

A angiotomografia de abdome e pelve é útil e fidedigno para o diagnóstico da Síndrome de Cocket, demonstrando a compressão da veia ilíaca e permitindo excluir causas extrínsecas de compressão, mas é de alto custo e requer radiação, sendo indicada a pacientes com grande suspeita clínica.

Outros métodos diagnósticos como a tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética possibilitam alto grau de acurácia. A tomografia computadorizada é precisa para determinar se a compressão da veia ilíaca esquerda está presente.

Por conseguinte, para o diagnóstico dessa doença é necessário estar atento a todas as alterações clínicas de hipertensão venosa predominantemente em membro inferior esquerdo sugestivas de Síndrome de Cocket que exijam uma investigação mais minunciosa.

Tratamento

O objetivo do tratamento é melhorar a sintomatologia e prevenir eventos tromboembólicos. Na literatura, não há consenso no que diz respeito ao tratamento de pacientes com a doença que ainda não desenvolveram TVP. Porém, pacientes sintomáticos, que apresentam riscos de complicações agudas e crônicas, devem ser tratados.

Como opção terapêutica efetiva, é necessária a descompressão da veia por cirurgia aberta ou endovascular, com o intuito da diminuição da estase sanguínea venosa do membro inferior esquerdo. A técnica endovascular é o método de escolha atual tanto para tratar a TVP íleo-femoral quanto para o alívio da compressão mecânica extrínseca com a colocação de stent, por ser um método seguro e efetivo em comparação com o tratamento cirúrgico aberto.

É  recomendado acompanhamento periódico durante toda a vida e anticoagulação mínima por seis meses após o procedimento de colocação do stents no sistema venoso.

Conclusão

É importante reconhecer que o edema persistente de membro inferior esquerdo, com sinais de hipertensão venosa ou, até mesmo com TVP íleo-femoral esquerda (principalmente em pacientes jovens), pode ser causado pela Síndrome de Cocket. Concluindo-se que há necessidade de uma investigação mais detalhada dos casos suspeitos, para aumentar a precisão diagnóstica e a abordagem terapêutica individualizada, buscando a melhor opção para cada paciente. A abordagem endovascular desses pacientes atualmente representa um grande avanço no tratamento dessa doença, possibilitando a restauração hemodinâmica da lesão, com resultados satisfatórios.

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Autora: Mirian Guimarães de Freitas, Estudante de Medicina

Instagram: @mirianng_