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As injeções administradas por via intramuscular são comuns na rotina diária do médico, e como todo procedimento, possui complicações. Cerca de 0,4% a 19,3% das injeções intramusculares resultam em complicações comuns, dentre elas:
- lesão do nervo ciático,
- hematomas e
- sangramentos.
Porém, uma síndrome rara pode acontecer após a aplicação das injeções intramusculares e também nas aplicações por via intra-articular e subcutânea: a Síndrome de Nicolau ou Embolia Cutânea Medicamentosa.
O que é a síndrome de Nicolau?
A Síndrome de Nicolau consiste em isquemia e necrose tecidual na área de aplicação da injeção e também pode ocorrer em locais distantes do sítio dessa aplicação.
Por vezes, a área de necrose é tão extensa e severa que pode levar ao óbito, principalmente quando acomete crianças. Indivíduos obesos e mulheres formam um grupo de maior incidência desta síndrome devido ao depósito de tecido adiposo que dificulta a agulha de atingir a musculatura.
Este fenômeno pode ocorrer com qualquer tipo de medicamento administrado, entretanto, se associa principalmente às seguintes drogas: penicilina benzatina, AINES, anestésicos locais, corticoides e vacinas. Crianças menores de 12 anos são mais susceptíveis a desenvolver a síndrome após administração de antibióticos.
Não há tratamento protocolado para a síndrome, entretanto, algumas medidas como analgesia, anticoagulação e corticoides podem ajudar na resolução do quadro.
Alguns cuidados com a prevenção no momento de aplicar as injeções são fundamentais para evitar esta complicação severa.
Fisiopatologia
A fisiopatologia desta síndrome ainda não é bem elucidada, entretanto, estudos levantaram algumas hipóteses que são descritas abaixo e que envolvem processos de inflamação, embolia, trombose e vasoespasmo.
Inflamação da parede arterial
Após a injeção vascular ou perivascular ocorre inflamação da parede arterial, ocasionando a destruição da parede da artéria e necrose do tecido antes irrigado por ela.
Embolismo
Nesta hipótese, após a aplicação da injeção intra-arterial, ocorre a formação de um êmbolo que obstrui pequenos vasos levando à isquemia e necrose do tecido que estes vasos irrigam. Neste mecanismo, há ainda a possibilidade deste êmbolo obstruir pequenos vasos distantes da área de aplicação.
Estimulo simpático
A aplicação intra-articular do medicamento induz ao estímulo simpático e consequente vasoespasmo daquela artéria, levando, mais uma vez, à isquemia e necrose de tecido.
Trauma direto
Outro mecanismo que explica a fisiopatologia é o trauma direto causado pela agulha durante a aplicação.
Talvez você esteja se perguntando: “E quanto à possibilidade de um mecanismo imunológico? ” Este mecanismo foi descartado devido ao fato de a aplicação de uma mesma droga não desencadear a mesma resposta.
Dentre as hipóteses levantadas em relação à fisiopatologia, o provável é que todas elas possam ser causas da síndrome de Nicolau, ora ocorrendo por um mecanismo, ora por outro, porém, todas levando à isquemia e à necrose tecidual.
Quadro Clínico
A Síndrome de Nicolau se apresenta com o seguinte quadro de sinais e sintomas:
- Dor intensa e sensação de queimação que surge imediatamente após a aplicação;
- Lesões de aparência arroxeada ou azulada em forma de teias, que são patognomônicas da síndrome;
- Descoloração da pele;
Após alguns dias, ocorre hemorragia e ulceração da pele no local da isquemia, que acomete os tecidos muscular e subcutâneo. O local mais acometido é a região dos glúteos, porém, pode ocorrer em região de ombro, coxa, joelho, tornozelos ou outro local que seja aplicada a injeção.
Em casos mais graves pode haver outras complicações, como as listadas abaixo:
- Síndrome compartimental;
- Rabdomiólise com falência renal;
- Isquemia permanente;
- Sepse;
- Tromboembolismo pulmonar;
- Paraplegia, parestesia e estereognosia;
- Disfunção do esfíncter vesical;
- Lesão do nervo ciático e nervo pudendo;
Diagnóstico
O diagnóstico é clínico, após coleta da história em associação com os achados no exame físico. Exames laboratoriais não são de grande ajuda para o diagnóstico, uma vez que são inespecíficos.
Alguns exames complementares podem ajudar no diagnóstico e na avaliação da gravidade, e são eles:
- Biópsia da pele: pode mostrar trombose de pequenas e médias artérias, além de necrose e inflamação;
- Ultrassom Doppler: mostra a oclusão de vasos;
- Ressonância magnética: ajuda na avaliação da extensão da lesão;
Os diagnósticos diferenciais importantes que devemos nos atentar são: fasciíte necrosante, arteriosclerose, embolia gordurosa, vasculite, entre outros.
Tratamento
Como dito anteriormente, não há tratamento específico protocolado para a Síndrome de Nicolau devido à baixa incidência da mesma, mas algumas medidas podem melhorar o prognóstico e acelerar o processo de cura.
O melhor manejo é a combinação de medicamentos como corticoides, anticoagulantes, pentoxifilina e analgésico associados às intervenções cirúrgicas como desbridamento e reparação local com enxertos e retalhos.
Há a possibilidade de fazer uso de uma câmara hiperbárica, que consiste em ofertar altas quantidades de oxigênio em pressão mais alta que a pressão da atmosfera, reduzindo o edema e estimulando a neoangiogênese e a produção de fibroblastos no local.
Compressas frias devem ser evitadas pois induzem a vasoconstrição local, piorando o suporte sanguíneo que já está prejudicado.
Apesar de todas as medidas possíveis para o manejo da síndrome, estratégias de prevenção no momento da aplicação são essenciais e devem ser relembradas por todo profissional que executa este procedimento. Sendo a região glútea o principal local de escolha para a aplicação de injeções intramusculares, é preferível que seja feita no quadrante superior lateral do glúteo, visto que há mais artérias de grande calibre, diminuindo o risco de obstrução. A aspiração da seringa após a inserção deve ser realizada antes da injeção do medicamento para certificar-se de que nenhuma artéria foi atingida.
Em obesos, é preferível utilizar uma agulha maior que 3,8 cm de comprimento, afim de garantir que a agulha ultrapasse todo o tecido subcutâneo e atinja o músculo. Além disso, o limite de 5 ml de substância injetada deve ser respeitado, e alternar o local da injeção quando há necessidade de tratamentos longos ou de múltiplas doses é importante para que haja menos lesão possível em um mesmo sítio.
Conclusão
A Síndrome de Nicolau, apesar de ser de rara ocorrência, é dolorosa para o paciente desde o seu início e durante todo o processo de cura da lesão, e pode até levar ao óbito principalmente crianças e indivíduos que apresentam casos muito severos.
Além disso, tem grande potencial de deixar sequelas permanentes no indivíduo acometido. Visto que os procedimentos de injeção intramuscular são muito comuns e devido à severidade dos sintomas e possibilidade de desfechos negativos, o profissional de saúde deve saber identificar esta síndrome, bem como seu manejo e principalmente as medidas de prevenção que devem ser colocadas em prática em todos os pacientes no momento do procedimento.
Autora: Vera Regina Dias de Almeida Prado
Instagram: @_veraalmeidaprado
Referências
- Chagas, Carlos Alberto Araujo; Leite, Tulio Fabiano de Oliveira; Pires, Lucas Alves Sarmento. Embolia cutis medicamentosa pós-injeção – Síndrome de Nicolau: Relato de caso e revisão de literatura. Jornal Vascular Brasileiro, v. 15, n. 1, p. 70-73, 2016. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/168635>.
- Silva, Alyne Mendonça Marques et al. Síndrome de Nicolau de desenvolvimento tardio: relato de caso. Anais Brasileiros de Dermatologia [online]. 2011, v. 86, n. 1 [Acessado 13 Junho 2022] , pp. 157-159. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0365-05962011000100026>.

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