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As suturas constituem a aproximação das bordas de tecidos lesionados ou seccionados. Tem como propósito a manutenção de uma correta contiguidade dos tecidos, visando orientar e facilitar as fases iniciais do processo de cicatrização, ao mesmo tempo em que fornece uma força tênsil necessária à união destes tecidos, até que este processo se conclua.
A aproximação das bordas dos tecidos ressecados ou seccionados deve ser mantida utilizando-se materiais que resistam às trações e tensões que podem ser exercidas sobre a ferida.
A história das suturas
Os primeiros relatos que se tem dos procedimentos realizados para fechamento de feridas são do Egito antigo, por volta do ano 1100 a.C. Durante a idade média, um cirurgião conhecido como Albucasis (930-1013), nascido na Espanha, escreveu o primeiro livro ilustrado de cirurgia, introduzindo o uso do ferro em brasa para cauterização de feridas, o qual teve grande influência sobre os cirurgiões da época, que usaram essa técnica por séculos.
No século XIII, dois cirurgiões italianos – Guglielmo Salicetti e seu aluno Guido Lanfranchi – abordaram em seu livro Chirurgia Magna (1296), temas como sutura de nervos e recomendavam a sutura intestinal.
Já no fim do século XIII e início do século XIV, as escolas francesas ganham prestígio e há o destaque de Henri de Mondeville, cirurgião que preconizou que as feridas limpas cicatrizam melhor; dessa maneira, não deveriam ser usados unguentos e bálsamos, os corpos estranhos deveriam ser removidos e o sangramento cessado. Recomendava ainda curativos com compressas embebidas em vinho quente.
Apenas no século XVI, Ambroise Paré (1510-1590), considerado o fundador da ortopedia, modificou o tratamento das feridas que, até então, ainda eram cauterizadas com ferro em brasa e óleo fervente, substituindo a cauterização por sutura com fios. Paré desempenhou o principal papel no revigoramento e na atualização da cirurgia da Renascença, e representa o corte do vínculo remanescente entre as técnicas e o pensamento cirúrgico dos antigos e o impulso em direção a eras mais modernas.
No entanto, o uso dos fios se fazia de forma não asséptica, o que trazia uma eminente chance de infecções e complicações no sítio da ferida. Dessa maneira, um importante nome a ser citado é de Joseph Lister, um cirurgião inglês, que realizou monumentais esforços para introduzir a antissepsia sistemática, com base científica, no tratamento de ferimentos e na realização de operações.
Por volta de 1865, Lister instilava ácido carbólico puro em feridas e sobre curativos, e também no ambiente em torno do campo operatório e da mesa. Além disso, um de seus principais avanços foi o desenvolvimento de suturas absorvíveis estéreis. Ele acreditava que grande parte da supuração profunda encontrada em ferimentos era criada por ligaduras de seda previamente contaminadas. Lister desenvolveu uma sutura com categute carbolizado, que era melhor do que qualquer outra anteriormente produzida.
As técnicas de antissepsia defendidas por Lister levaram certo tempo para serem aceitas e disseminadas, sendo os alemães os primeiros a entenderem a importância da bacteriologia e da teoria do germe. Como consequência, foram os primeiros a expandir a teoria de Lister sobre antissepsia, mas descartando seu spray em favor da fervura e do uso da autoclave. A disponibilidade da esterilização levou ao desenvolvimento de aventais, lençóis, instrumentos e suturas estéreis.
Da mesma maneira, o uso de máscaras, gorros, luvas e jalecos operatórios também evoluiu naturalmente, sendo que apenas em meados de 1890 houve a uniformização destas técnicas em todas os procedimentos cirúrgicos realizados.
Durante a Primeira Guerra Mundial muitos avanços foram feitos em múltiplas áreas da cirurgia. Sem dúvida, o maior feito cirúrgico foi no tratamento de infecção de feridas. Os cirurgiões fizeram experimentos com numerosas soluções antissépticas e vários tipos de curativos cirúrgicos. Um princípio de tratamento de ferimentos, com base em desbridamento e irrigação, acabou evoluindo.
Fases da cicatrização das suturas
O processo de cicatrização corresponde a uma cascata de eventos que culminam com a reconstituição tecidual. Pode ser dividido em três etapas: inflamatória, regenerativa (proliferativa) e fase de maturação (ou de remodelamento).
Fase inflamatória
A fase inflamatória caracteriza a reação imediata do tecido à lesão, na qual ocorre hemostasia e inflamação. Esta fase representa a tentativa de limitar o dano mediante parada do sangramento, selamento da superfície da ferida e remoção de qualquer tecido necrótico, resíduos estranhos ou bactérias presentes.
Apresenta maior permeabilidade vascular, migração de células para a ferida por quimiotaxia, secreção de citocinas e fatores de crescimento. Logo que se completa a síntese da ferida, poucas horas após a aproximação de suas bordas, já ocorre um vedamento desta por um coágulo de fibrina, constituindo uma barreira protetora contra a entrada de agentes infecciosos.
Ocorrerá então um acúmulo de polimorfonucleares, llinfócitos e monócitos, estendendo-se até o quinto dia.
Fase proliferativa
A partir do quinto dia, a medida que as respostas agudas de hemostasia e inflamação começam a desaparecer, a estrutura da malha aguarda o reparo da ferida por meio da angiogênese, fibroplasia e epitelialização.
Dá-se então início a fase proliferativa, também chamada de fase de granulação, na qual a ferida passa a ser povoada por fibroblastos, macrófagos e mononucleares, formando o tecido de granulação e gerando intensa deposição de colágeno, fibronectica e àcido hialurônico, conferindo à ferida um rápido ganho de força tênsil.
No entanto, ainda é necessária uma resistência suplementar, mantida pelos materiais da sutura.
Fase de maturação
A fase de maturação, que tem início no décimo quarto dia, se caracteriza por uma constante remodelação do tecido conjuntivo. Neste instante, a ferida apresenta aproximadamente 10% da resistência de um tecido sadio, o que já é o suficiente para garantir uma sustentação. A partir de então, a ferida começa a sofrer um processo contínuo de remodelação e moldagem que culmina em ganho de força tênsil, evoluindo progressivamente por até 2 anos.