Alergologia e imunologia

Tecnologia das vacinas de COVID-19 pode revolucionar tratamento contra o câncer

Tecnologia das vacinas de COVID-19 pode revolucionar tratamento contra o câncer

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Apesar dos efeitos devastadores da pandemia da COVID-19 e das consequências que ainda não somos capazes de prever, a mobilização de cientistas para entender o SARS-CoV-2 e encontrar bons imunizantes e a disponibilidade de voluntários para estudos deixarão legados importantes para a medicina global. Um deles é uma completa revolução no tratamento contra o câncer.

Essa é a aposta do imunologista francês Steve Pascolo, da Universidade de Zurique, que pesquisa há duas décadas vacinas contra o câncer. Em entrevista à RFI Brasil, Pascolo explicou como a tecnologia com RNA mensageiro, usada nas vacinas da Pfizer/BioNTech e Moderna, está sendo testada em tratamentos inovadores que combatem células tumorais de forma mais eficiente e personalizada.

Cópia efêmera

Para entender o potencial revolucionário é preciso, antes, explicar o que é e como atua o RNA mensageiro. Nas palavras de Pascolo, é uma cópia de um gene, efêmera porque desaparece poucas horas depois de injetado no corpo humano.

“Imagina nosso DNA como um livro. Nossos 23 cromossomos são 23 livros com receitas sobre o funcionamento do organismo. Cada célula do nosso corpo copia essas receitas em função de suas necessidades. Essa cópia é o RNA mensageiro. Por exemplo, as células do pâncreas usam a receita da insulina”, explicou Pascolo.

Ele continua: “Em seguida, a célula interpreta essa cópia e cria uma proteína. O RNA desaparece em seguida. É justamente essa a vantagem da molécula para realizar terapias. Ela se degrada rapidamente e não pode modificar o genoma ou se integrar ao corpo.”

Vacina contra o câncer?

Há 20 anos, o imunologista e sua equipe se dedicam à pesquisa do uso de uma vacina a base de RNA mensageiro para combater o câncer. O tratamento é individualizado e estudado em voluntários há cerca de dez anos. “Cada paciente recebe uma vacina feita especialmente para ele, que vai agir contra suas próprias células tumorais”, explica Pascolo.

 Para fabricá-las, os cientistas fazem uma biópsia do tumor e sequenciam seu genoma. Em seguida, eles desenvolvem uma molécula de RNA que codifica as proteínas responsáveis pelas mutações das células normais, que então se tornam cancerígenas. “O paciente então terá uma resposta imunitária contra as mutações que criaram seu câncer”.

O procedimento, segundo o especialista, é feito individualmente e demora cerca de três meses, a partir da coleta da biópsia.

Proeza científica

A tecnologia de RNA Mensageiro não é nova e já é usada em outras vacinas, mas há duas diferenças na atualização dos cientistas que criaram os imunizantes contra a COVID-19: a nova fabricação conta com uma embalagem biodegradável, vegana e de simples concepção, o que aumenta a segurança e diminuí os efeitos colaterais da vacina.

Além disso, a rapidez das autorizações e a disponibilidade dos voluntários para testar os novos produtos aceleraram o processo de fabricação das novas vacinas e o lançamento no mercado.

A empresa alemã de biotecnologia BioNTech, que se associou à farmacêutica norte-americana Pfizer para desenvolver um imunizante contra a COVID-19, está realizando testes clínicos de um novo tratamento contra o câncer baseado na tecnologia com RNA mensageiro.

A fase 2 dos testes, que acontece agora, inclui pacientes com todo o tipo de câncer, como melanomas e tumores do pulmão. “Como a vacina visa as mutações, pode ser um câncer do pulmão, cólon ou da pele. Vamos identificá-las no sequenciamento do genoma e injetar a molécula de RNA no paciente, que vai codificar a proteína usada pela célula para se reproduzir desordenadamente”, detalhou Pascolo à RIF Brasil.

A expectativa é que, dessa forma, o sistema imunológico conseguirá impedir o tumor de se desenvolver e ele acabará desaparecendo. Vale dizer que a tecnologia de RNA mensageiro também pode ser usada em outras doenças, inclusive genéticas e crônicas, como a fibrose cística, que afeta pâncreas, pulmões e sistema digestivo.

Por isso, o especialista francês se mostra otimista com a proeza científica obtida nas imunizações contra o novo coronavírus e aponta que é só uma pequena amostra do que ainda está por vir. “É uma revolução nos tratamentos médicos. O RNA será cada vez mais mencionado nos novos medicamentos para doenças que hoje não têm solução. Há uma grande esperança para as terapias que utilizam o RNA em geral.”