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Uma pergunta muito comum, após quase 1 ano de pandemia, é a seguinte: se tenho anticorpos positivos contra o vírus da COVID-19, existe possibilidade de eu me reinfectar? A resposta a esta pergunta é crucial, tanto na identificação de populações em risco, como também nas suas implicações na vacinação.
Um estudo publicado no JAMA Internal Medicine teve por objetivo responder precisamente a esta pergunta. Vamos conferir o que podemos aprender dele.
Como o estudo foi realizado
O estudo buscou avaliar a presença de infecção pelo SARS-CoV-2 em dois grupos diferentes: um grupo com anticorpos positivos e outro grupo com anticorpos negativos para a COVID-19.
O diagnóstico de infecção foi dado pelo resultado positivo no teste de amplificação de ácido nucléico (NAAT). O tipo de estudo realizado foi uma coorte descritiva observacional.
Os dados foram obtidos de diversas fontes: resultados de testes laboratoriais, registros médicos e farmacêuticos, prontuários eletrônicos e dados hospitalares.
Os pacientes foram classificados em anticorpos-positivos e anticorpos-negativos, de acordo com o seu primeiro registro de teste no banco de dados.
Desfechos primários e dados analisados
Os desfechos primários analisados no estudo foram diagnóstico posterior de infecção, definida como positividade no NAAT com intervalos de 30 dias (0-30, 31-60, 61-90, > 90 dias).
Outros dados analisados foram as características demográficas, geográficas e clínicas do indivíduo no momento do teste de anticorpo positivo.
Sinais ou sintomas, ou evidência de diagnóstico prévio de COVID-19 também foram registrados, bem como comorbidades presentes.
Resultados: anticorpos positivos parecem proteger contra reinfecção
O número de pacientes inclusos no estudo foi bastante significativo: um total de 3.257.478 participantes. O público feminino compôs 66% da amostra, com uma média de idade de 48 anos.
Dentre o total, 88,3% (2.876.773) compuseram o grupo com anticorpos-negativos, e 11,6% (378.606) foram incluídos no grupo anticorpos-positivos.
A média de idade dos pacientes com anticorpos positivos foi maior neste grupo comparado ao grupo anticorpos-negativos (48 versus 44 anos).
Dentre os pacientes com anticorpos positivos, 18,4% deles tiveram os anticorpos negativados durante o follow-up do estudo.
O resultado do desfecho primário principal foi o seguinte: durante o follow-up proposto, a razão de positividade no NAAT daqueles no grupo anticorpos-positivos versus aqueles do grupo anticorpos-negativos foi de:
- No intervalo de 0 a 30 dias: 2,85 (IC 95%, 2,73-2,97);
- No intervalo de 31 a 60 dias: 0,67 (IC 95%, 0,6-0,74);
- No intervalo de 61 a 90 dias: 0,29 (IC 95%, 0,24-0,35);
- No intervalo maior que 90 dias: 0,10 (IC 95%, 0,05-0,19).
Veja a ilustração abaixo e compare a inversão da porcentagem de pacientes com NAAT positivo a partir do 31° dia:
Discussão dos resultados
No presente estudo analisado, os pacientes com anticorpos positivos mostraram-se com maior probabilidade de terem resultados positivos também no NAAT, o que é consistente com o atraso no clearence viral.
A partir do 31° dia, os pacientes apresentaram menor probabilidade de testar positivo no NAAT.
Essa menor probabilidade se tornou mais marcante conforme aumentava-se o intervalo de tempo desde o resultado positivo do teste de anticorpos positivo.
Conforme o intervalo aumenta, a probabilidade do clearence viral ter sido completada aumenta, por isso observamos a inversão da razão após o 31° dia, com queda progressiva.
O que o estudo sugere é que a presença de anticorpos contra o SARS-CoV-2 no plasma dos pacientes esteve associada à proteção contra a infecção. Este grau de proteção chegou a 10 vezes mais no período acima de 90 dias.
Sendo assim, é possível constatar a associação de anticorpos positivos e menor probabilidade de se infectar pelo SARS-CoV-2.
Porém, é preciso lembrar da limitação imposta pela natureza observacional do estudo. Além disso, outros fatores que podem influenciar a possibilidade de reinfecção não foram incluídos no estudo.
Por exemplo, variantes virais, estado imunológico do paciente, outras características individuais, que precisam ser mais detalhadas em um estudo com follow-up maior que 90 dias.
Conclusão
Apesar das limitações do estudo, os dados obtidos fornecem alguma evidência para formulação de hipóteses a respeito da proteção conferida pelos anticorpos positivos no plasma.
Embora não possua o grau de evidência de um estudo randomizado, o estudo é apropriado e bem vindo num cenário de pandemia, onde o conhecimento precisa avançar rapidamente, e respostas à questões cruciais requerem uma agilidade quase que em tempo real.
Atualização: novo estudo confirma proteção conferida por histórico de infecção
Para complementar o que discutimos acima, um estudo mais recente indicou resultados semelhantes. Neste, os pesquisadores utilizaram dados dos resultados de RT-PCR na região da Lombardia, Itália, até 1 ano após infecção primária pelo novo coronavírus.
Com estes dados, compararam a incidência de infecção pelo SARS-CoV-2 entre pessoas com infecção anterior pelo vírus e aquelas com teste negativo para o vírus.
A diferença encontrada foi marcante: a densidade de incidência foi de 1,0 por 100.000 pessoas-dia no grupo com histórico de infecção, contra densidade de incidência de 15,1 para pessoas sem história de infecção.
Novamente, apesar dos resultados animadores, é preciso cautela. Como já afirmamos diversas vezes, não há como saber por quanto tempo exatamente durará a imunidade adquirida, nem se esta será eficaz contra variantes do vírus.
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Referências
Protection Because of Prior SARS-CoV-2 Infection – JAMA Internal Medicine