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No mês de Junho os resultados do grande estudo Recovery conduzido pela universidade de Oxford na Inglaterra começaram a ser divulgados no modelo de preprint (pré-publicação) devido ao grande impacto que esses resultados poderiam causar no atual manejo da COVID-19, doença causada pelo Sars-Cov-2.
Os dados preliminares completos do estudo foram divulgados no dia 22/06/2020 e, ao que tudo indica, confirmam o otimismo com que a comunidade científica recebeu os primeiros resultados da pesquisa, porém, é importante reforçar que o estudo ainda não foi revisado por pares e, portanto, deve ser interpretado com cautela.
Fisiopatologia da COVID-19 grave
A fisiopatologia da COVID-19 grave é caracterizada por um processo pneumônico agudo com opacidade radiológica extensa e, na autópsia, dano alveolar difuso, infiltrados inflamatórios e trombose microvascular. Pensa-se que a resposta imune do hospedeiro desempenhe um papel fundamental na fisiopatologia da doença. Nos casos dos pacientes em ventilação mecânica a mortalidade pode ser superior a 37%. Embora o remdesivir tenha demonstrado diminuir o tempo de recuperação em pacientes hospitalizados, até agora nenhum agente terapêutico demonstrou reduzir a mortalidade.
O uso de corticosteroides é tema controverso na COVID-19 devido à falta de ensaios clínicos randomizados, sendo assim, a decisão de utilizar a classe medicamentosa nos quadros da doença é pouco padronizada, porém a droga já era recomendada na China em pacientes graves desde de os primeiros meses da pandemia. Sendo assim, os autores do estudo buscaram averiguar a eficácia da Dexametasona, um corticoesteroide, na redução da mortalidade em pacientes internados e com suporte respiratório devido a COVID-19.
Metodologia do estudo Recovery de Oxford
A pesquisa foi conduzida em 176 hospitais do Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra (NHS). Foi um estudo clínico, randomizado, controlado e aberto que buscou avaliar os efeitos de potenciais tratamentos nos pacientes hospitalizados com COVID-19. Os pacientes elegíveis para o estudo foram aqueles com diagnóstico clínico e/ou laboratorial de infecção pelo novo coronavírus.
Os pacientes elegíveis foram designados na proporção de 2:1 para o grupo de tratamento padrão e para o padrão de tratamento padrão mais o uso da dexametasona 6 mg uma vez ao dia (oral ou intravenosa) por até 10 dias (ou até a alta hospitalar, o que ocorresse mais cedo). Os grupos foram submetidos a uma randomização simples e o desfecho primário avaliado foi a mortalidade por todas as causas em 28 dias.

Resultados da Dexametasona na Covid-19
Dos 11.320 pacientes randomizados entre 19 de março e 8 de junho, 9355 (83%) foram elegíveis para o uso da dexametasona (medicamento disponível no hospital e ausência de contraindicações médicas). Destes, 2104 foram randomizados para dexametasona e 4321 foram randomizados para o tratamento padrão. As características dos participantes do estudo por randomização, comorbidades e nível de suporte respiratório recebido estarão alocadas na Tabela 1.
Durante o estudo, 82% pacientes tiveram infecção por SARS-CoV-2 confirmada laboratorialmente. Na randomização, 16% estavam recebendo ventilação mecânica invasiva ou extracorpórea, 60% estavam recebendo apenas oxigênio (com ou sem ventilação) e 24% não estavam recebendo nenhum suporte. Daqueles alocado no grupo de intervenção com dexametasona, 95% recebeu pelo menos 1 dose e o número médio de dias de tratamento foi de 6 dias. O uso de azitromicina durante o período de acompanhamento foi semelhante nos dois grupos (23% vs. 24%) e poucos pacientes receberam hidroxicloroquina, lopinavir-ritonavir ou antagonistas da interleucina-6 durante acompanhamento.
A dexametasona reduziu a mortalidade em 35% nos pacientes que receberam ventilação mecânica invasiva (RR de 0,65 [IC 95% 0,51 a 0,82]; p <0,001) e em 20% nos pacientes que receberam oxigênio sem ventilação mecânica invasiva (RR de 0,80 [IC95% 0,70 a 0,92]; p = 0,002). No entanto, não houve nenhuma evidência de benefício entre os pacientes que não estavam recebendo suporte respiratório.
Discussão sobre as drogas no tratamento da Covid
O resultado preliminar do Recovery mostra que o uso da dexametasona, 6mg por dia, por até 10 dias reduziu a mortalidade em até 28 dias de acompanhamento dos pacientes hospitalizados em uso de ventilação mecânica ou em oxigenioterapia, no entanto nenhum benefício foi visto naqueles pacientes que não estavam em uso de terapia de suporte respiratório.
O que a dexametasona muda na prática?
No Brasil, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Infectologia passaram a recomendar o uso da dexametasona nos pacientes internados com COVID-19 e em uso de suporte respiratório. Existe uma grande tendência para que a droga seja incorporada definitivamente no manejo da doença.
É importante reforçar que o estudo não avaliou o uso da droga como profilaxia ou naqueles pacientes sem necessidade de suporte.