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O fígado é o órgão mais atingido por traumatismos torácicos penetrantes, que são caracterizados por perfuração de arma de fogo e/ou arma branca, e o segundo órgão mais afetado por traumatismos abdominais fechados, como os acidentes automobilísticos, golpes diretos e quedas.
Devido aos avanços na tecnologia de imagem não invasiva, e uma melhor compreensão da história natural do trauma hepático nas últimas 3 décadas, pacientes com lesões hepáticas complexas estão sendo tratados cada vez mais conservadoramente, sem cirurgia, apresentando como uma abordagem gold standard (padrão-ouro).
Técnicas minimamente invasivas, como angiografia, embolização arterial, drenagem percutânea guiada por imagem e colocação de próteses por colangio-pancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), podem tratar a maioria das complicações deste método terapêutico, sem intervenção cirúrgica.
Na abordagem cirúrgica, esta que acolhe os doentes hemodinamicamente instáveis e com lesões teoricamente mais graves, a laparotomia é uma das técnicas utilizadas, e nestes casos mais graves a ressecção hepática anatômica ou não-anatômica é requerida em 2% a 5% dos casos.
Complexo da lesão: análise anatômica
O fígado é um órgão de aproximadamente 1,5 kg e é considerado o segundo maior órgão do corpo humano. Ele está localizado abaixo do diafragma superior do peritônio, e é sustentado, na sua localização anatômica, por ligamentos suspensores. Quando há uma diminuição brusca de movimento, acarreta lacerações no nível dos seus pontos de fixação.
Em traumatismo fechado contuso, ou esmagamento no hemitórax direito, os arcos costais são diretamente comprimidos sob a superfície hepática, resultando em lacerações estreladas (garras de urso).
Classificação para o traumatismo hepático
Atualmente, usa-se com mais frequência a Classificação da American Association for the Surgery of Trauma Organ Injury Scale (AAST-OIS). A sua importância se dá a partir de uma padronização dos conceitos que permite estandardizar procedimentos, orientar terapêuticas, prever prognósticos e comparar resultados.

Abordagem inicial
Para avaliar a resposta do paciente às medidas iniciais, orientar estratégias terapêuticas e pontuar a necessidade de eventuais meios complementares de diagnóstico, utiliza-se a escala ABCDE nos primeiros 15 minutos de observação do paciente, sendo A de via aérea e coluna cervical, B de respiração e ventilação, C de circulação com controle de hemorragia, D de avaliação neurológica e E de exposição com controle da hipotermia.
Para o paciente ser caracterizado como hemodinamicamente instável, deve apresentar pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mmHg e frequência cardíaca > 100 bpm; se houver irritação peritoneal, deverá ser encaminhado para o bloco operatório (BO) para a realização da laparotomia exploratória. Pacientes instáveis não podem ser submetidos a meios complementares de diagnóstico após o manejo de ressuscitação (2 litros de solução cristalóide e transfusão sanguínea).
Exames
Para pesquisa de líquido livre em 4 pontos específicos (espaço hepato-renal, espaço espleno-renal, fundo de saco de Douglas e saco pericárdico), utiliza-se o Focused Assessment Sonography for Trauma (FAST), que permite o diagnóstico de hemoperitoneu ou hemopericárdio.
A ecografia é um procedimento que utiliza o som para coletar imagens e auxiliar no diagnóstico de doenças, hoje em dia ela substitui a lavagem peritoneal diagnóstica (LPD) pois é menos invasiva e é quase sempre encontrada em centros de trauma.
A tomografia computadorizada é utilizada em pacientes hemodinamicamente estáveis e com suspeita de lesão intra-abdominal, e permite a avaliação do tipo de grau da lesão, seguindo a AAST-OIS, volume do hemoperitoneu e a distinção entre sangue coagulado e hemorragia ativa.
Tratamento conservador
Abordagem terapêutica menos invasiva, entretanto, apenas pode ser considerada em ambiente propício, onde estejam garantidas a capacidade de monitorização hemodinâmica, reavaliação clínica regular, capacidade de transfusão massiva, disponibilidade de meios complementares de diagnóstico e de intervenção em tempo útil, equipe cirúrgica e sala de operações disponíveis 24h/dia.
Vantagens: comprovação de que mais de 50% das hemorragias ativas cessam espontaneamente; bons resultados do tratamento conservador nos doentes pediátricos; conhecimento da grande capacidade de regeneração do fígado e também da melhoria da qualidade de imagem do fígado por tomografia computorizada.
Critérios de inclusão: estabilidade hemodinâmica, definida por PAS > 90 mmHg e FC < 100 bpm, e ausência de outra lesão intra-abdominal com indicação cirúrgica.
Tratamento cirúrgico
Este método é usado quando o paciente está hemodinamicamente instável, com hemorragia ativa e significativa, provocada por lesões hepáticas mais severas. Evidenciou-se a tríade letal do traumatismo hepático, onde acarreta morte por exsanguinação: coagulopatia, hipotermia e acidose.
A cirurgia faseada é a mais usada atualmente, anteriormente era definitiva, mas por conta do longo período e da complexidade, ocupou espaço com seus objetivos: controle da hemorragia, prevenção da infecção e limitação do dano.
O procedimento damage control com as packs é utilizado para a contenção temporária da hemorragia, facilitando assim o processo de ressuscitação e, posteriormente, a exploração de possíveis lesões em outros órgãos; a Manobra de Pringle também é usada para o controle da hemorragia. Quando ocorre sucesso no controle hemorrágico, o paciente é encaminhado para a unidade de cuidados intensivos (UCI).
Conclusão
Em suma, os primeiros minutos de atendimento ao paciente traumatizado é crucial para fins diagnósticos de inclusão e exclusão, tanto nos graus de lesão hepática quanto no tipo de procedimento, conservador ou cirúrgico. Nota-se também a importância da identificação da estabilidade hemodinâmica, que auxilia tanto na abordagem quando nos procedimentos de contenção hemorrágica.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
Traumatismo Hepático: https://bit.ly/2WNpTaj
Estudo da morbimortalidade em pacientes com trauma hepático – https://bit.ly/34MyApD
Lesão hepática – https://msdmnls.co/34NxlXe