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A trombose da veia mesentérica (TVM) é um tipo de abdome agudo vascular, constituindo uma etiologia incomum de oclusão intestinal. Representa cerca de 5 a 15% das isquemias mesentéricas, mas que vem sendo cada vez mais diagnosticada graças à melhoria da acurácia dos exames complementares.
Em mais de 90% dos casos, ocorre na veia mesentérica superior, entretanto também pode afetar a veia mesentérica inferior, ocorrendo frequentemente a nível do intestino delgado e no jejuno. Os pacientes acometidos possuem em média 45 a 60 anos, com leve predominância de homens.
Possui uma clínica inicial frequentemente insidiosa e inespecífica, podendo evoluir para casos graves e, por vezes, fatais. Devemos lembrar que tanto a oclusão mesentérica arterial como a trombose venosa mesentérica possuem em comum o infarto intestinal, cuja extensão e gravidade vai depender da localização da oclusão, sendo a clínica da TVM menos dramática do que na trombose arterial, uma vez que é um fenômeno lentamente progressivo.
Anatomia
A veia mesentérica superior é responsável por drenar o sangue do intestino delgado, ceco, do cólon ascendente e transverso. Origina-se na fossa ilíaca direita, por meio da fusão das veias que drenam o íleo, ceco e apêndice. Ascende à direita da artéria mesentérica superior, passando ventralmente ao ureter direito, veia cava inferior, porção horizontal do duodeno e inferior da cabeça do pâncreas. Posteriormente ao colo do pâncreas, une-se com a veia esplênica, formando a veia porta. Já a veia mesentérica inferior drena o reto, cólon descendente e sigmoide. Inicia-se no reto através da veia retal superior, participando do plexo sacral. Ao ascender, cruza os vasos ilíacos comuns e se torna a veia mesentérica inferior, que se situa à esquerda da artéria homônima. Passa posteriormente ao colo do pâncreas e termina na veia esplênica, raramente pode terminar na veia mesentérica superior ou no ponto de formação da veia porta.
Fatores de risco e fisiopatologia
A trombose venosa pode ser secundária a diversas condições. Cerca de 75% dos casos têm etiologia definida, que pode ser dividida em hereditária ou adquirida, podendo haver associação deles. No primeiro grupo podemos citar a deficiência de inibidores da coagulação, como antitrombina III, proteína S e proteína C, ou aumento dos fatores de coagulação. Já na causa adquirida podem estar relacionadas situações como uso de contraceptivos orais, neoplasias, síndrome antifosfolipídeo, síndrome nefrótica, inflamação, hipertensão portal ou traumatismos. Dentre os fatores de risco gerais estão o tabagismo, a hipertensão arterial, a doença vascular periférica e doenças cardiovasculares.
Na fisiopatologia pode haver associação da tríade de Virchow, que é representada pela estase venosa, lesão endotelial e hipercoagulabilidade. Tal fenômeno gera, consequentemente, uma congestão da parede intestinal, edema, dilatação a montante, espessamento do mesentério com ingurgitamento venoso, hemorragia intramural e necrose hemorrágica. Assim, cursa com manifestações clínicas de peritonite.
Clínica
A apresentação clínica de TVM geralmente é sutil e insidiosa, de difícil reconhecimento pela falta de especificidade dos sintomas e sinais. Podemos observar dor abdominal em cólicas de intensidade variável, náuseas, diarreia e vômitos. A manifestação clínica pode ter um início agudo, subagudo ou crônico. Ademais, essa clínica vai variar sobremaneira dependendo do tamanho, extensão do trombo e da profundidade da isquemia da parede intestinal.
Forma aguda
Cursa com dor abdominal súbita e intensa em cerca de 91 a 100% dos casos, náuseas, vômitos e melena podem estar presentes. Na maioria dos casos a dor abdominal é desproporcional aos achados do exame físico. É fundamental estar atento, pois esta condição pode evoluir rapidamente para infarto intestinal, perfuração e peritonite.
Forma subaguda
Persiste por semanas e meses, mas não causa infarto intestinal, devido ao desenvolvimento de vasos colaterais.
Forma crônica
Representa cerca de 20-40% das TVMs. Não costuma apresentar sintomas abdominais ou estes são vagos, apresentando-se apenas em complicações futuras, como sinais de hipertensão portal ou hemorragia varicosa. Em geral, é diagnosticada como um achado na tomografia computadorizada do abdome.
Diagnóstico
Devemos atentar-nos para história pessoal ou familiar de trombose venosa profunda (para saber mais sobre esse assunto consulte este link), que aumenta a suspeita de TVM. Os achados laboratoriais são inespecíficos, não sendo úteis para o diagnóstico. Leucocitose e hemoconcentração são achados comuns na TVM.
Dentre os exames de imagem, a radiografia ajuda no diagnóstico diferencial de outras causas de dor abdominal. Já a tomografia computadorizada (TC) do abdome com contraste é bastante precisa e constitui a modalidade de escolha, propiciando o diagnóstico em 90% dos casos, com sensibilidade aumentada quando há trombose da veia porta associada. Este exame mostra achados típicos, como defeito de preenchimento da veia mesentérica (achado mais comum), dilatação da veia mesentérica e parede venosa bem delineada, espessamento da parede intestinal, assim como pode evidenciar a existência de colaterais, ingurgitamento dos vasos mesentéricos e edema do mesentério. Outros sinais radiológicos menos comuns incluem a pneumatose intestinal, ar na veia porta ou pneumoperitônio.
O eco doppler abdominal dos vasos mesentéricos pode ser usado à beira do leito e permite avaliar a presença de trombo ou anomalia no fluxo visceral. Porém é menos sensível que a TC e a ressonância nuclear magnética (RNM). A angiografia pode ser usada como medida diagnóstica e terapêutica, mas é reservada para casos com alta probabilidade pré-teste e TC/RNM negativos. Em alguns casos o diagnóstico de TVM, principalmente a forma aguda, é consolidado apenas durante a laparotomia ou autópsia, apesar dos diversos exames considerados.
É fundamental, após a confirmação da TVM, diagnosticar a etiologia base.
Tratamento
O tratamento deve ser precoce, objetivando a recanalização, prevenir a progressão e prevenir outras tromboses. Assim, iniciamos o tratamento de suporte com a anticoagulação. Na TVM sem evidência de necrose intestinal, o tratamento é realizado por meio de anticoagulantes. Dessa forma, a heparina deve ser introduzida imediatamente, bem como a varfarina via oral contínua por cerca de 3 a 6 meses nas causas reversíveis. Devemos lembrar da tendência pró-trombótica no início do tratamento com varfarina, logo, deve ser associada com a heparina nos primeiros dias da terapia medicamentosa até obter um INR entre 2 a 3 em dois dias consecutivos. Uma opção à varfarina é o uso da trombina direta ou dos inibidores do fator Xa, que possuem menos interações e não necessitam de monitoramento frequente.
A cirurgia está indicada para os casos com sintomas persistentes, que pioram, e para os casos complicados, em que há evidência de perfuração ou de peritonite. O procedimento padrão é a ressecção cirúrgica do intestino necrótico e anastomose das alças.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
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Referências
BARBOSA, Talita Costa et al. Trombose de veia mesentérica superior: relato de caso. Arch Health Invest (2019) 8(12):795-798© 2019-ISSN 2317-3009. Disponível em
HMOUD, B., Singal, AK, & Kamath, PS (2014). Trombose venosa mesentérica. Journal of clinic and experimental hepatology, 4 (3), 257–263. https://doi.org/10.1016/j.jceh.2014.03.052
OLIVEIRA, P. Horta et al. Trombose Venosa Mesentérica: uma causa rara de oclusão intestinal. Rev. Port. Cir., Lisboa, n. 22, p. 61-66, set. 2012 . Disponível em
PORTO, Celmo Celeno. Semiologia médica; co-editor Arnaldo Lemos Porto. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014.