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A enxaqueca é uma afecção neurológica que inclui sintomas como cefaleia moderada a grave, fotofobia, fonofobia, náuseas e vômitos.
A prevalência estimada mundial é de 14,7%. Além disso, é uma das principais doenças incapacitantes em pacientes com idade inferior a 50 anos.
Enxaqueca: classificação e sintomas
A enxaqueca é classificada, de acordo com a frequência da cefaleia, em enxaqueca:
- Crônica – com episódios em mais de 15 dias do mês durante pelo menos três meses;
- Episódica – com episódios em menos de 15 dias por mês.
Os pacientes portadores de enxaqueca, geralmente, têm outras comorbidades associadas, principalmente aqueles com a forma crônica da doença.
Além disso, apresentam:
- qualidade de vida ruim
- baixa produtividade no trabalho
- elevado absenteísmo
- uso e abuso de medicações (inclusive opioides)
- visitas frequentes ao pronto-socorro
Tratamento de enxaqueca
As estratégias terapêuticas atuais para a enxaqueca incluem o uso de medicamentos para alívio dos sintomas agudos. Tanto para prevenção das crises e outras abordagens não-farmacológicas.
Opções farmacológicas
Os fármacos utilizados para o tratamento da fase aguda incluem analgésicos comuns, anti-inflamatórios não esteroidais, ergotamínicos, antagonistas dopaminérgicos e triptanos. Dentre estes, apenas os triptanos foram desenvolvidos especificamente para o tratamento da enxaqueca.
Para a prevenção da crise, podem ser utilizados:
- betabloqueadores
- antidepressivos
- bloqueadores dos canais de cálcio
- inibidores da enzima conversora da angiotensina
- bloqueadores do receptor de angiotensina
Apesar das múltiplas opções farmacológicas disponíveis, alguns pacientes não atingem um controle adequado da dor. Não toleram os efeitos colaterais ou preferem um tratamento não-farmacológico.
Deste modo, oferecer um método alternativo eficaz traria benefícios para os pacientes. Tanto como terapia isolada, quanto em associação aos métodos farmacológicos tradicionais.
Tratamento de enxaqueca: o que dizem os novos estudos?
Estudos recentes demonstraram, em roedores, que a exposição a luzes com diferentes comprimentos de onda tem efeito sobre a nocicepção.
Por exemplo, a exposição a um diodo emissor de luz verde (GLED, do inglês green light emitting diode) causou antinocicepção, em ratos naïve, e antihiperalgesia, em ratos com dor neuropática dependente do sistema visual. Além disso, a GLED teve efeitos ansiolíticos nos animais.
Devido aos efeitos moduladores da luz sobre a dor, em particular a ação antinociceptiva da GLED, foi publicado, em 2021, em um importante periódico na área da neurologia.
O estudo intitulado: “Evaluation of green light exposure on headache frequency and quality of life in migraine patients: A preliminary one-way cross-over clinical trial”.
Os autores formularam a hipótese de que a terapia com GLED levaria a uma redução dos episódios de cefaleia. Isso valeria para pacientes com enxaqueca, resultando em uma melhora na sua qualidade de vida.
Estudo da ação antinociceptiva da GLED: critérios de participação
O trabalho foi um cross-over clinical trial. Modalidade de estudo longitudinal, no qual os sujeitos são expostos a uma sequência de tratamentos diferentes. Os 30 pacientes avaliados foram divididos em dois grupos: enxaqueca crônica (n = 22) e enxaqueca episódica (n = 8).
Os critérios de inclusão foram:
- idade superior a 18 anos;
- diagnóstico de enxaqueca crônica ou episódica de acordo com os critérios da International Headache Society;
- episódios de enxaqueca. Dor de intensidade média de 5 em 10, na escala numérica de dor, nas últimas 10 semanas antes do estudo;
- insatisfação com o seu atual tratamento para enxaqueca. Seja ele para prevenção das crises ou para controle da dor na fase aguda.
Foram excluídos pacientes portadores de doenças mentais graves e aqueles que não eram capazes de ler em inglês.
Os pacientes eram livres para manter ou descontinuar seu tratamento habitual de enxaqueca durante o estudo. Desde que as mudanças fossem comunicadas aos pesquisadores. No entanto, nenhum deles reportou nenhuma mudança de tratamento durante o período da pesquisa.
Como foi realizado o estudo?
O protocolo do estudo consistia em uma exposição inicial a um diodo emissor de luz branca (WLED, do inglês white light emitter diode) a uma intensidade entre 4 e 100 lux, medida com luxímetro a 2 metros e 1 metro de distância, respectivamente.
Os pacientes levaram a fita de LED para casa e foram orientados a colocá-la em um cômodo escuro. E manter uma exposição mínima de uma hora ininterrupta por dia, durante 10 semanas, sempre no mesmo horário.
A luz deveria ser mantida no seu campo de visão, a 1 a 2 metros de distância, e os pacientes não poderiam dormir durante a terapia.
Após este período de exposição à WLED (que funcionou como placebo para as análises do estudo), os pacientes fizeram duas semanas de washout (intervalo entre as terapias). E, em seguida, iniciaram a terapia com a GLED.
O protocolo de exposição foi o mesmo. Porém, desta vez a uma luz verde, com comprimento de onda de 525±10 nm, em vez da luz branca.
Os participantes não foram informados sobre qual das cores de luz era o tratamento e qual era o placebo. Um paciente do grupo enxaqueca episódica perdeu o seguimento durante o estudo.
Como foram avaliados os dados do estudo?
Todos os pacientes responderam a sete questionários no início do estudo e a cada duas semanas, incluindo:
- registro do tempo diário de exposição à terapia;
- uso de medicações analgésicas;
- número de dias de enxaqueca por mês (desfecho primário);
- intensidade de cada episódio álgico, utilizando a escala numérica de dor;
- Short Form McGill Pain Questionnaire (SFMPQ);
- HIT-6 Headache Questionnaire;
- Five-level version of the EuroQol five-dimensional survey (EQ-5D-5L), desenvolvido para avaliação global da qualidade de vida de pacientes com dor.
Além disso, os pacientes deveriam reportar: suas percepções subjetivas sobre mudanças na intensidade ou na frequência dos episódios de dor; melhoras na qualidade do sono; melhoras da produtividade no trabalho e nas atividades diárias.
Para avaliação do desfecho primário, foi considerado um “dia de enxaqueca” aquele com episódio de cefaleia moderada a grave com duração de pelo menos 4 horas.
Os dados foram analisados separadamente para os dois grupo. E, em seguida, foi realizada uma nova análise incluindo todos os pacientes. O escore basal de dor nos pacientes no início do estudo era de 8,52±0,25 na escala numérica de dor, que tem 10 como nota máxima. A Figura 1 mostra os resultados do desfecho primário (número de dias de enxaqueca por mês).
Resultados da ação antinociceptiva da GLED no tratamento de enxaqueca
A exposição à WLED não interferiu no desfecho dos grupos separadamente, porém, na análise em conjunto, os pacientes apresentaram uma diminuição de 2 dias de enxaqueca por mês, que foi estatisticamente significante.
A exposição à GLED levou a uma melhora, tanto na análise dos grupos separadamente, quanto em conjunto.
A redução dos dias de enxaqueca por mês com a GLED foi 60%, equivalente a menos 5,4 dias no grupo da doença episódica. E 12,9 dias na doença crônica, resultados mais expressivos e comparáveis aos efeitos de terapias farmacológicas como o propranolol e o topiramato.
Uma análise post-hoc foi realizada, considerando-se uma taxa de resposta como redução de 50% nos dias de enxaqueca. Essa taxa foi observada em 86% dos pacientes com enxaqueca episódica, e em 63% dos pacientes com enxaqueca crônica, após a terapia com GLED.
Com relação aos desfechos secundários, ambas as terapias diminuíram o escore da escala numérica de dor, com uma redução muito mais importante com a GLED.
A terapia com GLED levou a uma melhora no escore do HIT-6 Headache Questionnaire, enquanto com a WLED não teve nenhum efeito; GLED levou a uma melhora muito significativa nos parâmetros relacionados à qualidade de vida.
A exposição à WLED não teve impacto sobre os desfechos secundários, exceto sobre o escore da escala numérica de dor, que apresentou uma redução pequena, porém significante.
Não foi possível realizar a avaliação dos efeitos da exposição às luzes sobre o uso de analgésicos, pois os pacientes relataram o uso de diferentes medicamentos – e por outras razões além da enxaqueca. Nenhum efeito colateral às terapias foi reportado pelos participantes do estudo.
Limitações identificadas no estudo
Este estudo tem algumas limitações:
Número pequeno de pacientes; incluir apenas pacientes que estavam insatisfeitos com seu tratamento de enxaqueca. O que pode ser um viés de seleção.
Não ser possível realizar o cegamento dos pacientes, devido à natureza da intervenção. No entanto, a exposição à GLED mostrou eficácia na redução do número de dias de enxaqueca por mês. Tanto nos pacientes com enxaqueca crônica quanto episódica, bem como melhora na sua qualidade de vida.
Por se tratar de uma terapia com baixo custo, boa eficácia e ausência de efeitos colaterais, novos estudos devem ser realizados, incluindo um número maior de pacientes.
Deste modo, conclui-se que o artigo demonstra que a exposição à luz verde pode vir a ser uma alternativa terapêutica para a enxaqueca crônica e episódica.
Referência
Publicação: Martin LF, Patwardhan AM, Jain SV, Salloum MM, Freeman J, Khanna R, Gannala P, Goel V, Jones-MacFarland FN, Killgore WD, Porreca F, Ibrahim MM. Evaluation of green light exposure on headache frequency and quality of life in migraine patients: A preliminary one-way cross-over clinical trial. Cephalalgia. 2021 Feb;41(2):135-147. doi: 10.1177/0333102420956711. Epub 2020 Sep 9. PMID: 32903062; PMCID: PMC8034831.
Fonte: Dra Luiza Riccio é professora Sanar, com graduação em Medicina na EBMSP. Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia no HC-FMUSP e Doutorado em andamento na FMUSP. Participou de Colaboração Científica no INSERM/Université Paris-Descartes, França, e é revisora em periódicos científicos.