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O manejo da via aérea é uma das especialidades do médico emergencista, mas não somente deste; todos os médicos que desejam dar plantões em unidades de urgência e emergência devem ser familiarizados com este manejo, saber como reconhecer situações potencialmente difíceis, algumas vezes até catastróficas, agindo de maneira rápida e correta para resolver a situação. No entanto, antes de tudo, o preparo é fundamental e pode, com certeza, prevenir e melhorar muito o processo de uma boa intubação de um paciente.
Nesse cenário, dois conceitos são essenciais: via aérea difícil e via aérea falha. Apesar de parecerem similares (e, muitas vezes, confundidos), são dois conceitos bem distintos e que devem ser aplicados de maneira correta. Hoje iremos discutir sobre a via aérea falha. No entanto, precisamos pincelar o conceito de uma via aérea difícil para um melhor entendimento do conceito de via aérea falha.
O que é via aérea difícil e via aérea falha?
Uma via aérea difícil é definida como aquela em que há elementos anatômicos identificáveis que predizem dificuldade técnica para garantir a via aérea1. Há também o conceito de via aérea difícil fisiológica, que acaba sendo bastante presente nos pacientes dos departamentos de emergência. Vamos esmiuçar esses dois conceitos.
Em relação à anatomia, fica bastante claro que alguns fatores intrínsecos do paciente podem levar a dificuldades técnicas para realização da intubação orotraqueal (IOT). Mas não somente à IOT; o paciente pode apresentar caracteres anatômicos que também predicam dificuldade para ventilação com bolsa-valva-mascara (VBVM) e uso de dispositivos extraglóticos (DEG) – máscara laríngea, tubo laríngeo, e cricotireotomia.
Acredito que todos vocês já devem ter ouvido os mnemônicos para identificação desses preditores: os famosos LEMON (preditor de laringoscopia difícil), ROMAN (VBVM difícil), RODS (dificuldade com DEG) e o SMART (cricotireotomia difícil).
Como não se trata do foco do post de hoje, apenas vou deixar descrito abaixo o que significam os mnemônicos. Em próximos posts, iremos detalhar os mesmos:
- LEMON: olhe externamente (Look), avalie (Evaluate) com a regra do 3-3-2, Mallampati, Obstrução/obesidade, mobilidade cervical (Neck).
- ROMAN: Radiação/Restrição, Obesidade/obstrução, vedação com máscara (Mask Seal/Mallampati/Sexo masculino), idade (Age), Nenhum dente.
- RODS: Restrição, Obesidade/obstrução, Distorção da via aérea, distância tireomentoniana curta (Short).
- SMART: cirurgia (Surgery), Massa, Acesso/anatomia, Radiação, Tumor.
Devemos sempre lembrar e começar a tornar o processo de identificação desses preditores em todos os pacientes como algo rotineiro, pois a correta identificação nos levará à preparação para lidar com uma via aérea difícil.
Virtualmente, todo paciente apresentará alguma das condições acima, então, no departamento de emergência, sempre esteja pronto para uma via aérea difícil! Lembrem-se: preparação nunca é demais!
Já a via aérea fisiologicamente difícil consiste em condições clínicas do paciente, em um contexto geral, que podem levar a dificuldade no manejo de sua via aérea. Traduzindo para o português, um exemplo rápido: quem nunca se deparou com um paciente hipotenso, com choque de etiologias diversas, necessitando de IOT? Fica claro que é necessário realizar a otimização da pressão arterial (PA) para minimizar riscos ao doente, tendo em vista que o procedimento em si e as medicações que usamos para a IOT podem ocasionar queda de PA, podendo levar o paciente a uma parada cardiorrespiratória (PCR). Dessa forma, pode até ser que esse paciente não tenha elementos anatômicos que dificultem o procedimento, no entanto ele possui condições clínicas que demandam atenção e devem ser corrigidas, a fim de atingir o objetivo com destreza.
Via aérea falha
Tendo os conceitos expostos acima em mãos, agora podemos definir e conversar um pouco sobre via aérea falha.
A via aérea falha está inserida dentro do conceito da via aérea difícil, visto que a primeira consiste em ser uma consequência da segunda. Conceitualmente a via aérea falha existe quando quaisquer das três condições abaixo forem encontradas:
- Falha em manter uma saturação de oxigênio adequada durante/após uma ou mais tentativas falhas de laringoscopia;
- Três tentativas falhas na intubação orotraqueal por um médico experiente, mesmo se a saturação de oxigênio se mantiver viável;
- Em um paciente com uma via aérea que necessita de manejo imediato (conceito de “forçado a agir”), a única e “melhor tentativa” de intubação for falha.
Na prática, se alguma dessas três condições ocorrerem, clinicamente o paciente se apresenta em dois cenários:
- Conceito de NÃO INTUBO, MAS VENTILO -> nesse caso, temos tempo! Devemos pensar e avaliar medidas alternativas para manter a oxigenação e garantir a via aérea do paciente. De modo prático, é quando a intubação foi falha, mas é possível manter a saturação à custa de ventilação com BVM ou DEG.
- Conceito de NÃO INTUBO e NÃO VENTILO -> nesse caso, não é possível manter a oxigenação do doente com BVM ou DEG e, possivelmente, esse paciente necessitará da realização de cricotireotomia. É uma situação catastrófica, que necessita de preparo e experiência para o manejo. Por sorte, é pouco frequente.
Abaixo detalharemos o que deve ser feito no caso de uma via aérea falha. No entanto, lembre-se: antes de qualquer tratamento, prevenção é o mais importante! Um preparo adequado pode impedir que essas situações ocorram.
O que fazer quando uma via aérea falha for identificada?
O primeiro passo é pedir ajuda. Sabemos que não são em todos os cenários que a ajuda está disponível, mas, pensando em um ambiente ideal, peça ajuda! Peça ajuda para outro médico mais experiente (emergencista, anestesista, cirurgião), para a equipe de enfermagem, fisioterapeuta – todos podem auxiliar de diferentes formas nesse momento.
O segundo passo vai variar conforme a condição na qual o paciente se encontra. Se o paciente conseguir manter a oxigenação via BVM ou DEG, há tempo para avaliar uma alternativa para manter uma via aérea definitiva.
Então fixe: não foi possível intubar, você está diante de uma via aérea falha, tente um resgate nesse paciente, veja se é possível manter sua saturação via BVM ou DEG. Caso não seja possível manter a oxigenação, a necessidade de ação é imediata e será necessário realizar o acesso à via aérea por via cirúrgica (por ex. cricotireotomia).
Caso seja possível manter a oxigenação do paciente como descrito, mas não for possível realizar a intubação pelo método tradicional, pode-se usar a videolaringoscopia ou fibroscopia; manter o paciente com DEG, se bem ventilado (lembrar que o mesmo não deve ficar mais que 4hs a 6hs); ou até mesmo proceder a via aérea cirúrgica, entretanto, sem o ímpeto do que se daria caso o paciente não conseguisse manter sua oxigenação.
Após a via aérea definitiva ser adquirida, deve-se proceder com o manejo pós-intubação, como de costume.
Uma mensagem importante: caso você opte pela intubação do paciente no departamento de emergência, lembre-se de que este não é um procedimento eletivo, como no centro cirúrgico, logo não é possível acordar esse paciente e “intubar depois”. Portanto, a partir do momento em que você decidir que o doente precisa ser intubado, você deve se preparar para ir até o fim do procedimento. Por isso, repetimos: preparação é o cerne de toda a intubação! Uma preparação malfeita resulta em um procedimento mal realizado e danos ao paciente!
Abaixo segue um algoritmo de manejo do paciente com via aérea falha. Detalhes na referência do post.

Então é isso, pessoal, chegamos ao fim do nosso segundo post! Via aérea é um assunto amplo demais e há muita coisa para explorarmos. Aos poucos, vamos ir discutindo vários tópicos importantes por aqui!
Fiquem bem e que a força esteja com vocês!
Yago Padovan
Médico Formado pela Faculdade de Medicina de Botucatu
Médico residente em Medicina de Emergência pelo HC-FMUSP
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