Medicina da Família e Comunidade

Violência contra profissionais de saúde: o que é, como agir e mais

Violência contra profissionais de saúde: o que é, como agir e mais

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Imagem de perfil de Maitê Dahdal

Confira na coluna da Dr. Maitê Dahdal tudo que você precisa saber sobre os casos de violência contra profissionais de saúde!

Ao levantar bibliografia sobre pacientes violentos e agressivos nos deparamos com diversos textos científicos sobre pacientes com agitação psicomotora, mas esse texto não vai ser sobre isso. Esse texto vai ser sobre lidar com pacientes que nos desrespeitam, nos ameaçam, nos coagem e nos maltratam. 

Esse texto é sobre violência ocupacional contra nós, profissionais de saúde. Antes de discorrer sobre o tema vou relatar uma experiência pessoal. Eu já fui violentada na minha prática profissional, tanto verbal quanto moral e quase fisicamente. 

Relato pessoal: era luto ou era violência?

Estava numa visita domiciliar de desospitalização de uma paciente pós acidente vascular cerebral isquêmico extenso, com inúmeras sequelas. Fui mal recebida pela família, que indiretamente me jogava a culpa das sequelas no serviço em que a paciente foi atendida e pelo quadro atual. 

Na primeira visita ouvi diversas palavras agressivas sobre o serviço em que atuava. Era como se tivessem culpa de um coágulo ter parado na cabeça de sua mãe. E eu, prestadora de serviços, médica de família, estava realizando uma visita com a maior vontade de trabalhar na reabilitação dela. 

Sabia que não deveria ter sido tratada dessa forma, foi um dos momentos mais desconfortáveis da minha carreira. Afinal, estava totalmente exposta num domicílio estranho e sozinha.

Numa outra visita fui acompanhada do enfermeiro que precisava realizar procedimento com a sonda nasoenteral da paciente. O acompanhante, descontrolado, pegava exames e atirava em cima do leito da paciente se queixando que “ninguém que presta tinha ido visitar e resolver o problema da sua mãe”, como se a sequela fosse algo culpável e resolvível. 

Com minha empatia e treinamento de medicina centrada na pessoa (e na família), imaginei que seria a fase de luto da negação. Mas,  estava com medo e com pena, porque era nítido o seu sofrimento. 

Após o enfermeiro explicar as regras do serviço, o acompanhante estava com um olhar furioso, respiração profunda, pupila dilatada e rubor facial. Ele deu um soco na parede e um chute na maca da sua mãe. A sua esposa entrou na sua frente, pois eu e o enfermeiro seríamos os próximos. 

Não soube como agir

E quer saber o pior? Eu interpretei que era a fase da negação do luto e, pela imaturidade de não saber como agir, não fiz nada. Não fiz boletim de ocorrência e nem notifiquei a gestão. 

Na semana seguinte recebi uma ligação da minha chefe super preocupada. Perguntando como eu estava, relatando que o acompanhante “violentou” outros profissionais da equipe. Demorei, mas me dei conta que fui violentada, que aquilo não era “manifestação do luto” e sim: violência ocupacional.

Episódios de violência na profissão são comuns

Houveram outros episódios durante minha carreira de pacientes me desrespeitando, coagindo, humilhando dentro do consultório nos plantões e serviços que já passei. 

Após questionar minha comunidade sobre o tema recebi diversos relatos, extremamente preocupantes de profissionais de saúde sendo violentados, desrespeitados, humilhados em seu dia a dia.

A pandemia e o acesso dos pacientes e familiares aos meios de informação (não tão seguros) catalisou esse problema. As pessoas se sentem donas da ciência e da razão.

Qual a dimensão da violência contra profissionais de saúde?

​​A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a violência como o uso intencional (mediante ameaça ou concretização) de força ou poder dirigido a outra pessoa, grupo ou comunidade, que resulta numa probabilidade elevada de causar sofrimento, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado, privação ou morte.

A violência e o assédio no local de trabalho dos profissionais de saúde não é novidade e já causam preocupações há um tempo. Infelizmente, a taxa de profissionais de saúde agredidos no Brasil é alta. 

O que dizem os estudos?

De acordo com um estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM) em parceria com a ONG “Mexeu Com Um, Mexeu Com Todos”, divulgado em 2020, cerca de 80% dos médicos brasileiros relataram ter sofrido algum tipo de violência no exercício da profissão. 

O estudo também apontou que a violência verbal foi a mais frequente (74,4%), seguida da violência física (25,2%) e da violência psicológica (13,6%). 

Perfil das vítimas e as formas de agressão

As vítimas mais frequentes da violência no contexto de saúde, particularmente de agressão verbal, são os enfermeiros, sobretudo mulheres, sendo os seus agressores doentes e acompanhantes.

Além disso, são os profissionais de saúde jovens a experienciar maior possibilidade de atos agressivos.

São diversas as formas de agressão, como físicas, insultos, ameaças, intimidação e assédio moral. 

Essa violência ocorre, principalmente, nos ambientes de trabalho: 

  • clínicas, 
  • consultórios,
  • hospitais, 
  • pronto atendimentos,
  •  unidades básicas de saúde.

Porém, também pode ocorrer em locais públicos com os profissionais fora do seu período de expediente.

Esses dados evidenciam a gravidade da situação. E a necessidade de ações preventivas e protetivas para garantir a nossa segurança no ambiente de trabalho.

É importante a implementação de políticas eficazes para prevenir e saber lidar com a violência no ambiente de trabalho. Há também necessidade de que a sociedade seja conscientizada sobre os riscos e as consequências da violência contra nós.

Violência contra profissionais de saúde: o que motiva essa violência?

A violência ocupacional contra profissionais da saúde pode ter diversas causas. Entre elas: a falta de informação sobre a condição de saúde do paciente ou a recusa de atender demandas que não são clinicamente justificáveis. 

A pressão por resultados, a sobrecarga de trabalho e o estresse também podem contribuir para a ocorrência de agressões.

É importante dizer que a agressão física e verbal contra médicos pode ter impactos significativos na saúde e bem-estar dos profissionais. Isso inclui o desenvolvimento de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, além de aumentar o risco de burnout. 

A violência no ambiente de trabalho também pode afetar a qualidade do atendimento prestado aos pacientes e aumentar a taxa de absenteísmo dos profissionais.

Como lidar com a pandemia de violência contra profissionais de saúde?

Para lidar com a agressão contra médicos e demais profissionais de saúde, é importante que sejam implementadas medidas como:

  • Treinamento de profissionais de saúde sobre como identificar e prevenir situações de violência e como lidar com elas quando ocorrem;
  • Aumento da segurança no ambiente de trabalho. Para isso, pode-se incluir a depender da frequência e gravidade dessas agressões a presença de segurança, sistemas de vigilância e protocolos de ação;
  • Busca ativa, monitoramento e acolhimento ao profissional vítima de violência, assim como suporte psicológico;
  • Conscientização pública sobre a violência contra profissionais de saúde e seus efeitos negativos;
  • Penalidade aos agressores, afinal, violência é um crime e deve ser tratada como tal.

Como agir diante de uma violência?

Há dois pontos chaves aqui. O primeiro é fazer o registro do incidente e o segundo é a garantia do suporte emocional. 

Registro do incidente

Deve ser registrado tanto no prontuário do paciente quanto através de um boletim de ocorrência à polícia (podendo ser feito online). 

O registro deve incluir informações sobre a natureza da agressão, a identidade do agressor e quaisquer testemunhas presentes. Essas informações podem ser úteis na investigação do incidente e na tomada de medidas preventivas para evitar futuras agressões.

Suporte emocional

O suporte emocional, como aconselhamento ou apoio psicológico, ajuda o profissional a lidar com o trauma emocional decorrente da agressão.

Violência ocupacional contra  profissionais de saúde: o que fica de aprendizado desta coluna? 

Em resumo, a agressão contra médicos é um problema grave. Afeta a saúde e bem-estar dos profissionais, bem como a qualidade do atendimento prestado aos pacientes.

É fundamental que sejam implementadas medidas preventivas e protetivas para garantir a segurança dos profissionais de saúde no ambiente de trabalho. 

Sugestão de leitura complementar

Quer atuar como médico de Família e Comunidade?

Esse profissional é responsável de proporcionar atenção integral e continuada a todo indivíduo que solicite assistência médica. Tem interesse em se aprofundar nesse universo da medicina de família e comunidade? Um caminho para este objetivo é investir em um curso de pós-graduação.

[SABER MAIS SOBRE A PÓS DE MFC]

Referências da coluna

Analysis of the scientific production on violence at work in hospital services

Almeida NR, Bezerra Filho JG, Marques LA. Analysis of the scientific production on violence at work in hospital services. Rev Bras Med Trab.2017;15(1):101-112

CARLA BARROS, ANA SANI e RUTE F. MENESES, «Violência contra profissionais de saúde: Dos discursos às práticas», Configurações [Online], 30 | 2022, posto online no dia 02 janeiro 2023, consultado 11 abril 2023. URL: http://journals.openedition.org/configuracoes/15742; DOI: https://doi.org/10.4000/configuracoes.15742

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Alves, J. C. dos S., Carvalho, A. R., Santos, C. F. N. dos, Gomes, T. M. C., Santos, T. R. dos, Santos, V. M., Oliveira, Átila C. D., & Jesus, A. O. de. (2022). Violência contra os profissionais de saúde no contexto atual brasileiro: Uma abordagem histórica / Violence against health professionals in the current Brazilian context: A historical approach. Brazilian Journal of Development, 8(1), 3699–3725. https://doi.org/10.34117/bjdv8n1-243

Gusso AK, Lourenço RG. Violência contra profissionais de saúde durante a pandemia do Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2. Enferm Foco. 2022;13:e-202230.

SILVA, Fernanda Bandeira da; SILVEIRA, Eliane Fraga da  e  GEDRAT, Dóris Cristina. Violência sofrida no trabalho: um estudo com profissionais do setor de urgência e emergência de um hospital do norte do Brasil. Aletheia [online]. 2021, vol.54, n.2 [citado  2023-04-10], pp. 67-81 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942021000200008&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1413-0394.  http://dx.doi.org/DOI10.29327/226091.54.2-7.