Ginecologia

Vulvovaginites: como reconhecer e tratar? | Colunistas

Vulvovaginites: como reconhecer e tratar? | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Isabella Rezende

Normalmente as mulheres possuem um fluxo vaginal fisiológico composto por muco cervical, células descamadas, secreções glandulares e microrganismos comensais, tendo como características coloração branca ou transparente, aspecto homogêneo, inodoro, pH ácido (4,0–4,5) e volume variável conforme período do ciclo. Desse modo, é importante orientar a paciente sobre as características dessa “descarga fisiológica”, a fim de que a procura pelo atendimento médico não seja em vão.

Sabe-se que a microbiota vaginal é composta predominantemente por lactobacilos ou bacilos de Doderlein (cerca de 90%), gram positivos aeróbicos que auxiliam na manutenção do pH ácido da vagina por converterem glicogênio em ácido lático, além de produzirem peróxido de hidrogênio para redução de microrganismos patogênicos. Além desse, a microbiota vaginal também possui inúmeras espécies como E. coli, Staphylococcus aureus, Gardnerella vaginalis, entre outras.

As vulvovaginites são processos infecciosos que acometem vulva e vagina, sendo as causas mais comuns de corrimento vaginal patológico. De modo geral, as três principais vulvovaginites são: vaginose bacteriana, candidíase e tricomoníase, essas que poderão ser diferenciadas por avaliação de sintomas, características do corrimento, pH vaginal, aspecto da microscopia e resultado de testes complementares. 

Vaginose bacteriana

O quadro de vaginose bacteriana acontece por alteração da microbiota normal da vagina, tendo redução do número de lactobacilos e predomínio de Gardnerella vaginalis e outros anaeróbios, como Mobiluncus. Não é uma infecção sexualmente transmissível (IST) e não exige tratamento do parceiro, sendo apenas decorrente de um desequilíbrio bacteriano. É a vulvovaginite mais relatada nos serviços de atendimento e acomete cerca de 40% das mulheres na menacme.

Como fatores de risco, pode-se ter sexo oral, sucessivas ejaculações intravaginais e duchas vaginais, métodos que promovam a alcalinização do meio vaginal, múltiplos parceiros, tabagismo, não utilização de preservativo, DIU, entre outros.

Fisiopatologia: a alteração na microbiota promove diminuição do número de lactobacilos, fato que gera redução da concentração de peróxido de hidrogênio, culminando no aumento da proliferação de anaeróbios. Além disso, também ocorre aumento do pH vaginal (> 4,5), já que os anaeróbios produzem aminas voláteis de teor alcalino, e a redução dos lactobacilos implica diretamente na diminuição da produção de ácido lático. O corrimento microbolhoso ocorre pela produção de sialidase pelas bactérias anaeróbias, enzima que decompõe substâncias do muco cervical.

Quadro clínico: a maioria das pacientes são assintomáticas, sem sinais de disuria, prurido ou inflamação. O corrimento tem aspecto branco acinzentado, em pequena quantidade, não aderente, homogêneo, microbolhoso e com odor fétido que se agrava após menstruação ou coito – situações que facilitam a proliferação de anaeróbios.

Diagnóstico: para diagnóstico, utiliza-se os critérios de Amsel (Figura 1), sendo positivo na presença de ao menos 3 das 4 características apresentadas. O teste das aminas será realizado por aplicação de hidróxido de potássio (KOH) a 10% em lâmina com material coletado da vagina, sendo positivo caso ocorra aparecimento de odor desagradável causado pela liberação de aminas voláteis produzidas por anaeróbios – putrescina e cadaverina.

A presença de clue cells é um sinal patognomônico para diagnóstico de vaginose bacteriana, sendo caracterizadas como a visualização de células epiteliais com citoplasma revestido por cocobacilos na microscopia – sinal de Gardner. O pH pode ser avaliado por um papel de nitrazina em contato com a secreção vaginal.

Figura 1: Critérios de Amsel (VESPERO; et. al, 2000).

Tratamento: não exige tratamento do parceiro e a medicação de primeira escolha é feita com metronidazol (2 cp 250mg VO 12/12h em 7 dias), que pode ser associado a creme vaginal de metronidazol por 7 noites, se sintomas locais muito intensos. Como outra opção, pode-se usar clindamicina (300 mg VO 12/12h em 7 dias) ou tinidazol (2g VO dose única).

Em gestantes, utiliza-se clindamicina (300 mg VO 12/12h por 7 dias) ou metronidazol (250 mg VO 8/8h por 7 dias). Deve-se pedir para a paciente realizar abstinência alcoólica durante e 24h após o tratamento, já que o metronidazol produz uma reação dissulfiram-like, que causa desconforto abdominal, rubor, vômitos, cefaleia, entre outros.

Candidíase

É a segunda vulvovaginite mais comum, sendo causada por intensa esporulação de um fungo, geralmente Candida albicans (80 a 92% dos casos)ou outras espécies como C. glabatra e C. tropicalis. Sabe-se que durante a vida, cerca de 15% das mulheres podem ser colonizadas por Candida spp. e assintomáticas, fato que não necessita de tratamento.

Como fatores de risco, têm-se qualquer agente que cause imunossupressão na mulher, como gravidez, diabetes, estresse, uso de anticoncepcional, antibióticos, obesidade, uso de DIU, hábitos de higiene inadequados, atividade sexual, entre outros. Além disso, pode ser causada por quadros que aumentem a umidade do trato genital e favoreçam a proliferação fúngica. 

Quadro clínico: tem início súbito e os sintomas podem ser mais identificados no período pré-menstrual, suavizando durante a menstruação. Geralmente se manifesta como um corrimento branco, grumoso, inodoro, com aspecto de leite coalhado e aderente à parede, associado com prurido vulvovaginal, ardência, hiperemia, disúria externa, dispaurenia de intróito vaginal, lesões pelo ato de coçar, entre outros.

A manifestação clínica da candidíase pode ser classificada em não complicada e complicada (Figura 2). As complicadas, severas ou recorrentes, não respondem aos azóis em curto prazo e, normalmente, são causadas por patógenos não albicans em pacientes com fatores de risco.

Figura 2: Quadro clínico de candidíase (FEUERSCHUETTE; et. al, 2010).

Diagnóstico: pode ser feito apenas com a identificação das manifestações inflamatórias da candidíase, quadro que será confirmado pelo exame a fresco do conteúdo vaginal com uma gota de soro fisiológico ou KOH 10% para auxiliar na visualização, observando filamentos do fungo após coloração de Gram – pseudohifas para C. albicans e apenas esporos para outras espécies. Ao teste com papel de nitrazina, tem-se pH ácido (3,5–4,5).

Tratamento: devem ser propostas mudanças de hábitos, como evitar roupas apertadas ou úmidas e não usar cosméticos que alterem o pH vaginal. O tratamento farmacológico de primeira escolha é miconazol creme 2% (ao se deitar por 7 noites) ou nistatina (ao se deitar por 14 noites) – não se deve ter relações sexuais durante o tratamento. O fluconazol (VO 150 mg dose única) também pode ser utilizado, não podendo ser administrado em gestantes. O alívio da paciente pode ser promovido por banho de assento com bicarbonato na proporção de 1 colher de sopa para 1 litro de água – desde que não tenham infecções associadas.

Não se caracteriza como uma infecção sexualmente transmissível, apesar do parceiro dever ser tratado caso ele tenha sintomas, ou em quadros de candidíase recorrente. Em casos de imunossuprimidas e diabéticas, tem-se maior chances de infecção por espécies não albicans, devendo utilizar tratamento de, no mínimo, 7 dias com múltiplas doses de fluconazol (150 mg a cada 72h, 3 doses), esse que pode ser associado com agentes orais.

Tricomoníase

A tricomoníase é uma infecção sexualmente transmissível causada pelo agente Trichomonas vaginalis, um protozoário flagelado e anaeróbico. Tem-se período de incubação entre 4 e 28 dias e transmissão durante relações sexuais desprotegidas, além de poder ser transmitido por objetos contaminados por secreções com o parasito.

Quadro clínico: pode se manifestar desde um quadro assintomático até uma intensa inflamação, em que a época preferencial de aparecimento se dá pós-coito, durante a gravidez ou no período pós-menstrual. De modo geral, tem-se pH maior que 4,5, corrimento abundante, amarelo-esverdeado, bolhoso e fétido. Além disso, a paciente pode apresentar sintomas irritativos vaginais como ardência, hiperemia, edema e dispareunia superficial. É uma infecção relacionada à ruptura prematura de membranas e parto prematuro.

Diagnóstico: pode ser feito através de exame a fresco do conteúdo vaginal, encontrando um meio rico em leucócitos e flagelos de protozoários ovoides e móveis – pode ser feito cultura em meio de Diamond e PCR para Trichomonas. Alguns fatores como anamnese e exame físico também são indispensáveis para realização do diagnóstico, encontrando uma colpite focal ou difusa com colo em framboesa (Figura 3) com teste de Schiller de aspecto tigroide. A tricomoníase pode alterar a citologia oncótica, de modo que, se encontrada alteração morfológica, deve-se realizar coleta 3 meses após o tratamento para confirmação do quadro.

Figura 3: Colo em framboesa (Fonte: Repositório da UFSC).

Tratamento: como tratamento de primeira escolha, usa-se metronidazol (250 mg 2 cp 12/12h por 7 dias), metronidazol (5 cp de 400 mg em dose única) ou tinidazol (2g VO dose única) – recomendando abstinência alcoólica. Se optar pelo tratamento tópico, deve-se usar metronidazol via vaginal por 7 noites, esse que é adotado em grávidas. Na vigência do primeiro trimestre de gestação, a paciente também pode fazer duchas com ácido acético para alívio dos sintomas. O parceiro também deve ser tratado com metronidazol via oral em esquema terapêutico idêntico ao da mulher.

Figura 4: Comparação entre as principais vulvovaginites (FEBRASGO, 2010).  

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências

  1. FEBRASGO – Manual de Orientação Trato Genital Inferior – Capítulo 06. FEBRASGO, 2010. Disponível em: <https://www.febrasgo.org.br/images/arquivos/manuais/Manual_de_Patologia_do_Trato_Genital_Inferior/Manual-PTGI-Cap-06-Vulvovaginites.pdf>.
  2. Rotinas em Ginecologia – Fernando Freitas et al. – 6ª edição – Porto Alegre: Artmed, 2011.
  3. VESPERO; et. al. Correlação entre critérios clínicos e critérios laboratoriais no diagnóstico de vaginose bacteriana. Semina, v. 20/21, n. 2, p. 57-66, 2000. Disponível em: <https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/lil-306831>.
  4. FEUERSCHUETTE; et. al.Candidíase vaginal recorrente: manejo clínico. Femina, v. 38, n. 2, p. 31-36, 2010. Disponível em: < http://files.bvs.br/upload/S/0100-7254/2010/v38n1/a005.pdf>.