Carreira em Medicina

Vulvovaginites e corrimento vaginal: causas e tratamentos

Vulvovaginites e corrimento vaginal: causas e tratamentos

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Você sabe o que é vulvovaginite? Qual é a relação entre vulvovaginites e corrimento vaginal patológico? Sabe reconhecer quais os principais agentes etiológicos responsáveis e por que eles se manifestam?

Mesmo ainda como estudante, será comum você receber queixas de corrimento vaginal anormal, prurido e odor desagradável nas partes íntimas. Esses são sintomas muito comuns, presentes na grande maioria das mulheres. Sendo assim, é imprescindível que dominemos um conteúdo tão rotineiro, não é mesmo?

Logo abaixo elucidaremos as principais causas de vulvovaginites, bem como os principais agentes envolvidos em sua fisiopatologia. Além disso, vamos conversar sobre os agentes envolvidos no corrimento vaginal patológico e quais os principais pontos desequilíbrio preditores do desenvolvimento desta patologia.

O QUE SÃO AS VULVOVAGINITES?

Seu conceito é simples: tratam-se de afecções do epitélio estratificado vulvovaginal, causadas por infecções, inflamações ou desequilíbrio na microbiota vaginal. Sua importância está relacionada com o fato de serem a principal causa de corrimento vaginal patológico e também por ser uma das queixas mais frequentes durante a consulta ginecológica. Segundo Freitas et al. (2011, p. 191), “aproximadamente 70% das mulheres apresentarão alterações no fluxo vaginal pelo menos uma vez em sua vida, responsáveis por uma das principais causas de consultas ginecológicas”.

FLUXO VAGINAL

Nem sempre fluxo genital é sinônimo de patologia e isso deve ser sempre considerado. Por isso, antes de adentramos nos tipos de corrimento vaginal patológicos, é necessário que diferenciemos secreção vaginal fisiológica de secreções anormais.

Existe, sim, uma secreção vaginal fisiológica, e ela varia de acordo com as características individuais de cada mulher, dependendo de fatores hormonais, orgânicos e psíquicos. O aspecto de uma secreção saudável pode variar de acordo com o ciclo menstrual da mulher, fortemente associada à produção de estrogênio. O fluxo pode aumentar/diminuir em determinadas fases da vida reprodutiva: vamos relembrar que é comum a queixa de secura vaginal em mulheres durante o climatério e isso está associado à diminuição na produção dos hormônios.

De maneira geral, em mulheres na menacme, a alteração do fluxo está mais associada ao ciclo, ao uso de hormônios e à disponibilidade de glicogênio. A coloração deverá apresentar aspecto transparente/rosa-pálido e sofre alterações nas fases de pós-menopausa (torna-se mais clara) e gestação (torna-se mais avermelhada).

Quanto a sua constituição, a secreção é sebácea (transudato), rica em células de esfoliação vaginal e cervical e secreção das glândulas de Bartholin e Skene, com predomínio de microrganismos aeróbios e menos de 1% de anaeróbios. Os aeróbios gram positivos mais prevalentes são: lactobacilos (90%), Streptococcus agalactiae e Staphylococcus epidermidis. De bactérias aeróbias gram negativas, teremos a Escherichia Coli, e de anaeróbios gram positivos temos: Gardnerella Vaginalis, Enterococos, Bacterioides, Mycoplasma hominis, Ureaplasma urealyticum. Um fato importante é que fisiologicamente também podemos encontrar os fungos da família Candida sp – até 30% das mulheres podem ter a espécie Candida albicans como um comensal.

IMPORTÂNCIA DAS BACTÉRIAS DA FLORA VAGINAL

Entre as principais características das pacientes com vulvovaginites, está o desequilíbrio da flora vaginal, especialmente no número de lactobacilos, podendo até haver classificação da flora conforme o número de lactobacilos (Donders, 2000).

Como os mais importantes personagens da flora vaginal, temos os lactobacilos, que constituem cerca de 90% da microbiota vaginal em equilíbrio. Eles são cruciais por dois motivos: são responsáveis pela produção de peróxido de hidrogênio e ácido lático. O peróxido de hidrogênio é importante para o controle dos micro-organismos patogênicos, atuando na sua proliferação. O ácido lático auxilia na manutenção do pH vaginal, mantendo seu fisiológico (entre 4 e 4,5). Quando, por inúmeros motivos (explicados adiante), existe queda no número dos lactobacilos, outras bactérias “tomam conta” do ambiente, reproduzindo-se excessivamente, alterando o pH e acarretando em quadros de leucorreia com ou sem alterações a depender do agente envolvido.

Dito isso, é possível classificar as 3 principais causas de vulvovaginites (e de corrimento patológico), intimamente relacionadas a uma flora desequilibrada. São elas: vaginose bacteriana, candidíase e tricomoníase.

VAGINOSE BACTERIANA

É a principal causa de corrimento vaginal patológico, sendo responsável por 40% das vulvovaginites em mulheres na menacme.

A vaginose bacteriana possui uma clínica polimicrobiana, ou seja, são vários os agentes etiológicos envolvidos. Sua flora mista é composta por Peptostreptococcus, Prevotella sp. Bacterioides sp., Mabiluncus sp. e principalmente pela Gardnerella vaginallis, uma bactéria anaeróbia gram positiva.  Trata-se de uma síndrome clínica caracterizada por ausência de lactobacilos (não falei que eram importantes?) e por um crescimento excessivo de anaeróbios facultativos. Embora não seja uma IST, a vaginose bacteriana tem como fatores predisponentes a multiplicidade de parceiros e as duchas vaginais.

A maioria das mulheres (70%) são assintomáticas. Quando há presença de sintomas, eles são facilmente identificáveis.  Haverá queixa de corrimento com odor fétido semelhante a peixe podre, com piora durante a menstruação ou pós o coito sem preservativo. O odor característico é gerado pela produção de aminas voláteis pelas bactérias anaeróbias e a piora desse cheiro durante a menstruação e o coito tem a ver com a alteração do pH – que se torna mais alcalino, tanto pela presença de sangue e sêmen quanto pela diminuição/ausência dos lactobacilos. Além disso, a secreção será fluida, homogênea, em pequena quantidade, de coloração branco-acinzentada e que não fica aderida nem causa inflamação das paredes vaginas, observadas durante o exame especular.

O diagnóstico leva em consideração os critérios de Amsel, onde pelo menos 3 dos 4 critérios devem se fazer presentes. São eles:

  1. Corrimento típico (branco-acinzentado, fluido e homogêneo);
  2. pH > 4,5 – utiliza-se uma fita de pH;
  3. Teste das aminas positivo – adição de hidróxido de potássio a 10% na secreção vaginal depositada em uma lâmina causará odor desagradável (whiff test);
  4. Visualização de clue-cells no exame microscópico a fresco. Clue-cells são células do epitélio vaginal recobertas por Gardenerella vaginalis.

Outro autor (Gutman et al., 2005) demonstrou que, na presença de dois critérios, a sensibilidade e a especificidade são semelhantes ao encontrado nos critérios de Amsel. Também, é possível realizar diagnóstico por meio de gram da secreção vaginal e do citopatológico onde visualizamos as clue-cells, porém seu uso é mais voltado para pesquisas clínicas e foge à prática ambulatorial.

O tratamento será feito em mulheres sintomáticas, grávidas e naquelas que mesmo assintomáticas passarão por procedimentos ginecológicos, como histerectomia ou colocação de DIU. O medicamento de escolha para VB é o metronidazol ou, em pacientes alérgicas, usa-se clindamicina. Não há necessidade em tratar o parceiro por não se tratar de uma IST. Por fim, é importante lembrar que ao utilizar metronidazol alertemos quanto a um o possível efeito dissulfiram-like se houver ingesta de bebidas alcóolicas.

CANDIDÍASE VULVOVAGINAL

Causada majoritariamente pelo fungo Cândida albicans (90%), é a segunda vulvovaginite mais frequente, causando corrimento vaginal patológico. A candidíase não é uma IST, bem como esse fungo pode ser encontrado colonizando a flora vaginal de maneira assintomática.

A incidência da vulvovaginite fúngica sintomática aumenta na vida adulta e se mantém por toda a vida reprodutiva da mulher. Acredita-se que 3 a cada 4 mulheres apresentarão ao menos um caso de candidíase vaginal durante sua menacme e dentre elas 5 a 8% terão infecções de repetição. Como fatores que predispõem o aparecimento da doença estão: gestação, diabetes, uso de anticoncepcionais orais (AOCs), uso de estrogênio em altas doses, uso de espermicidas ou DIU. Isso pode ser explicado pelo fato de que altos níveis de produção de hormônios sexuais, a exemplo da progesterona, aumentam a disponibilidade de glicogênio no ambiente vaginal, ou a presença de glicose na urina, como no caso da diabetes, favorecendo uma fonte de alimento para a cândida, que é um fungo comensal e aproveita-se disso para crescer.

Os sintomas possuem relação com a cândida se aderir às paredes do canal vaginal e provocar inflamação, essa inflamação causa prurido vaginal com piora pré-menstrual, sensação de queimação vulvovaginal, hiperemia e edema vulvar. Durante o exame especular, verifica-se um corrimento inodoro, branco, espesso e grumoso – lembra um “leite coalhado”. O colo e vagina estarão recobertos de placas branco-acinzentadas aderidas. Não há sinais de cervicite, porém as paredes vaginais estarão avermelhadas.

O diagnóstico é feito a partir da sintomatologia da paciente e do exame físico/especular. Para casos de candidíase vulvovaginal de repetição, pode-se abrir mão da microscopia visando avaliar se existem outras espécies não-albicans causando essas infecções. Em exame a fresco, em lâmina com KOH, visualizam-se pseudo-hifas.

O tratamento possui como primeira opção o miconazol creme, com aplicação local durante 7 noites, e como segunda opção o fluconazol via oral, dose única. Apesar da facilidade que o fluconazol dispõe, é importante lembrar que não deve ser usado em gestantes (usar o metronidazol tópico). Em casos de recorrência, opta-se de maneira profilática pelo cetoconazol/fluconazol por 6 meses ou ácido bórico, 1 óvulo todas as noites, por 6 meses.

Por fim, recomenda-se uma higiene cuidadosa da região genital, evitando utilizar roupas muito apertadas/abafadas e não realizar duchas vaginais. Além dos cuidados básicos para a manutenção de uma boa imunidade como alimentação saudável e prática de exercícios.

TRICOMONÍASE

Nossa terceira colocada corresponde a aproximadamente 20% de todos os casos de vulvovaginite. Diferente da vaginose bacteriana e da candidíase vaginal, essa patologia é a IST não viral mais prevalente. Seu agente etiológico é um protozoário aeróbio flagelado, o Trichomonas vaginalis e é altamente infectante.

Cerca de 50% das portadoras de tricomoníase são assintomáticas, as outras 50% apresentarão queixas como corrimento abundante de coloração amarelo-esverdeada, mal cheiroso e bolhoso. Acompanhado de sinais inflamatórios, como ardência, hiperemia, edema e prurido vulvar ocasional. Sintomas menos frequentes incluem disúria, polaciúria e dor suprapúbica. As pacientes podem referir sinusorragia. Esses sintomas tornam-se mais intensos logo após o período menstrual ou durante a gravidez, e os parceiros masculinos costumam ser assintomáticos, com infecção autolimitada e transitória.

O exame especular aponta um corrimento amarelo-esverdeado, de odor desagradável. É possível visualizar uma colpite focal ou difusa – é o chamado “colo em framboesa/morango”. Ao examinar o pH este estará > 5. Na microscopia a fresco, é possível visualizar os protozoários flagelados se movendo (ao aquecer a lâmina aumentamos a movimentação). O diagnóstico baseia-se, portanto, na histórica clínica e exame físico, confirmados com a identificação dos Trichomonas vaginalis no exame a fresco. É valido destacar que o whiff test, realizado na suspeita de vaginose bacteriana, aqui apresenta-se fracamente positivo, então os outros aspectos devem ser levados em consideração para diagnóstico diferencial.

O tratamento de escolha é o metronidazol, via oral, dose única para a paciente e para o parceiro. Lembrar de manter abstinência alcoólica durante e até 24 horas após o tratamento. Mulheres amamentando devem suspender a lactação por 12 horas. Por fim, por tratar-se de uma IST, diante do seu diagnóstico outras ISTs devem sempre ser rastreadas. Faz parte do tratamento estimular o uso de preservativos em todas as relações.

CONCLUSÃO

Vulvovaginites são afecções do epitélio estratificado vulvovaginal, causadas por infecções, inflamações ou desequilíbrio na microbiota vaginal. Como sintoma mais frequente das vulvovaginites, temos o corrimento vaginal patológico, motivo frequente das consultas ginecológicas. As 3 principais causas, em ordem de prevalência, de corrimento são: vaginose bacteriana (VB), candidíase vulvovaginal e tricomoníase.

A sintomatologia, bem como o aspecto do corrimento, varia em cada uma delas e devem ser avaliados com atenção durante o exame especular e microscópico. O tratamento também varia em posologia e via, sendo a droga de escolha o metronidazol na vaginose bacteriana e na tricomoníase e o miconazol na candidíase.

Fomentar cuidados com a região íntima, como evitar uso contínuo de roupas apertadas e que abafem o local, evitar duchas íntimas, uso de sabonetes neutros e apenas na região da vulva e uso de preservativo em todas as relações faz parte da consulta ginecológica. Além disso, é importante estimular hábitos de vida saudáveis, que, como sabemos, possuem íntima relação com o equilíbrio da microbiota vaginal.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


REFERÊNCIAS:

FREITAS, Fernando et al. Rotinas em ginecologia: Vulvovaginites. 6ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.