O cirurgião de cabeça e pescoço frequentemente atende pacientes que apresentam a queixa de tumor em face ou em região cervical. Esses tumores podem ser malformações congênitas, linfonodomegalias de diversas etiologias, ou tumores primários, representados pelas neoplasias benignas e malignas.
Uma vez que a queixa é frequente e causa grande ansiedade, tanto no paciente, como no médico que realiza o primeiro atendimento, dada a potencial gravidade do sintoma, além da importância que existe na realização de diagnóstico precoce de tumores malignos desta região, é fundamental que todo médico conheça os principais tumores que podem aparecer neste segmento do corpo.
Destacaremos, neste texto, os sete principais:
- Tumores malignos da glândula tireoide:
- Carcinoma papilífero de tireoide
- Carcinoma medular de tireoide
- Carcinoma anaplásico de tireoide
- Tumores benignos e malignos das glândulas salivares
- Adenoma pleomórfico (tumor benigno)
- Carcinoma mucoepidermoide
- Carcinoma adenoide cístico
- Caricinoma espino-celular de mucosa do trato aero-digestório alto.
Carcinoma Papilífero de Tireoide
O carcinoma papilífero de tireoide é um tumor maligno proveniente das células foliculares da glândula. Trata-se de um tumor bem diferenciado que, portanto, capta iodo, responde ao estímulo de TSH e produz tireoglobulina.
Normalmente se manifesta como um nódulo tireoidiano de aspecto suspeito ao ultrassom, ou seja, sólido, hipoecogênico, com bordas irregulares, microcalcificações e vascularização predominantemente central. O paciente pode abrir o quadro clínico com linfonodomegalia cervical de aspecto cístico.
O diagnóstico é confirmado pela punção aspirativa por agulha fina, e o estadiamento se dá com novo ultrassom para avaliar linfonodos, exame radiográfico do tórax para pesquisar metástases à distância, laringoscopia direta para avaliar mobilidade de pregas vocais e, em casos avançados, com tomografia computadorizada de pescoço com contraste ou ressonância nuclear magnética., broncoscopia e/ou endoscopia digestiva alta, para avaliar invasão de estruturas vizinhas do trato digestório e respiratório.
Após estadiamento, o tratamento principal é feito através da cirurgia, que consiste em tireoidectomia, total ou parcial, a depender do estadiamento e de características do paciente.
Além disso, pode ser eventualmente necessária a linfadenectomia cervical de caráter terapêutico. O tratamento adjuvante, indicado para pacientes de risco intermediário ou alto, se dá através de radioiodoterapia associada a supressão do eixo hipotálamo-hipofisário para manter o TSH baixo e impedir a proliferação de células tumorais.
Trata-se de uma doença relativamente comum (alguns estudos sugerem que pode acometer quase 10 % da população mundial), normalmente de excelente prognóstico quando diagnosticado e tratado corretamente e em tempo.
O rastreamento com ultrassonografia de tireoide de rotina para pacientes assintomáticos é polêmico, não sendo indicado pela maioria dos autores, inclusive pelo último guide line da American Thyroid Association, publicado em 2015.
Carcinoma Medular de Tireoide
O carcinoma medular de tireoide é considerado moderadamente diferenciado, sendo proveniente das células parafoliculares da glândula. São tumores produtores de calcitonina, que costuma se apresentar alta no momento do diagnóstico.
A maioria dos tumores acontece de forma esporádica na população, mas pode ser manifestação das Neoplasias Endócrinas Múltiplas tipo IIA e IIB, associados a feocromocitoma, com pior prognóstico, especialmente nos casos de NEM2B.
A apresentação clínica inicial é similar à apresentação do carcinoma papilífero da tireoide, porém o seu prognóstico é pior, especialmente em síndromes de neoplasias endócrinas familiares.
A pesquisa de mutação do proto-oncogene RET é mandatória para rastreamento dos casos de herança genética, que, quando presentes, determinam a pesquisa de familiares de primeiro grau, sendo, eventualmente, indicada a tireoidectomia profilática de crianças da família, dada a probabilidade próxima de 100% de presença de carcinoma agressivo de tireoide ainda na infância, a depender da mutação encontrada.
O diagnóstico se dá por suspeita ultrassonográfica do nódulo, associada à punção aspirativa por agulha fina e dosagem sérica de calcitonina. O estadiamento é similar ao carcinoma papilífero de tireoide.
O tratamento é com tireoidectomia total, na maioria das vezes associado a esvaziamento cervical, no mínimo de caráter eletivo. O seguimento é feito com dosagem sérica de calcitonina, e não de tireoglobulina, como nos tumores bem diferenciados.
É importante ressaltar que, em casos de associação com feocromocitoma, a doença adrenal deve ser tratada antes da cirurgia da tireoide, pelo risco de tempestade adrenérgica no intra-operatório, que pode levar a complicações graves.
Carcinoma Anaplásico da Tireoide
O carcinoma anaplásico da tireoide corresponde a um dos tumores mais agressivos que acometem o ser humano. Trata-se de um câncer de crescimento rápido, proveniente também de células foliculares, muitas vezes resultantes de indiferenciação de neoplasias bem diferenciadas de longa data.
Na maioria das vezes, a suspeita é feita pelo quadro clínico de massa cervical anterior de crescimento rápido e, no momento do diagnóstico, o tumor já é considerado inoperável. Independentemente do tamanho e status de metástases, este tumor é sempre considerado estadio IV.
O óbito do paciente frequentemente ocorre por invasão da via aérea ou por metástases pulmonares. Quando possível, tenta-se realizar a ressecção cirúrgica, mas não é infrequente que a única opção cirúrgica no momento da apresentação do doente seja a traqueostomia em caráter paliativo, momento em que se pode aproveitar para colher material para análise histológica do tecido tumoral.
Adenoma Pleomórfico das Glândulas Salivares
Trata-se de um tumor benigno, sendo o mais frequente da glândula parótida, correspondendo a cerca de 64% das neoplasias encontradas desta glândula.
Sua frequência vai caindo quanto menor for a glândula salivar, sendo mais raro nas glândulas salivares menores da submucosa. A apresentação clínica se dá por aumento progressivo, normalmente por anos, indolor, sem acometimento de nervos, ulceração de pele ou linfangite.
O diagnóstico acontece por meio de suspeita clínica, e pode ser confirmado pela punção aspirativa por agulha fina, apesar da dificuldade existente na citopatologia de glândulas salivares, o que torna polêmica entre especialistas a real necessidade deste procedimento complementar.
Apesar de brenigno, é um tumor que cresce, recidiva e tem potencial de malignização. Por conta disso, o tratamento é cirúrgico. A cirurgia, quando na parótida, é a Parotidectomia parcial, com ressecção total do tumor, margens de glândula salivar livre de doença e preservação dos ramos do nervo facial. Já nas glândulas submandibulares, sublinguais e nas glândulas salivares menores, o tratamento é realizado com a ressecção total da glândula.
Carcinoma Mucoepidermoide das Glândulas Salivares
O carcinoma mucoepidermoide da glândula salivar corresponde ao tumor maligno mais frequente deste órgão. Trata-se de um tumor na maioria das vezes de baixo grau de agressividade, com apresentação clínica similar ao adenoma pleomórfico, dificultando, muitas vezes, o diagnóstico (inclusive pela PAAF).
Além disso, existe a apresentação de alto grau de agressividade, que cursa com invasão de nervos, da pele, linfonodomegalia metastática e dor, diagnóstico mais fácil, porém de pior prognóstico.
O estadiamento deve ser feito com tomografia computadorizada de face, pescoço e tórax, e o tratamento é cirúrgico, com ou sem necessidade de esvaziamento cervical, radioterapia ou quimioterapia, a depender do grau de agressividade e estadiamento. Quanto menor a glândula salivar, maior a probabilidade de um tumor desta glândula ser maligno.
Carcinoma Adenoide Cístico das Glândulas Salivares
O carcinoma adenoide cístico é um dos tumores malignos mais frequentes das glândulas salivares, tendo especial predileção pela glândula submandibular. Trata-se de um tumor que também pode se apresentar com baixo ou alto grau de agressividade, porém tem grande tropismo por nervo, com frequente invasão de estruturas nervosas, o que torna a cura muito difícil. Existem autores que acreditam que o carcinoma adenoide cístico é virtualmente incurável, tese sustentada pela sua alta mortalidade com o passar dos anos. É um tumor de tratamento cirúrgico, que, na maioria das vezes, responde mal à adjuvância com radioterapia.
Carcinoma espino-celular (CEC) de mucosa do trato aéreo-digestório
O CEC de cabeça e pescoço é uma das doenças mais prevalentes e mais graves da especialidade. São tumores que aparecem em pacientes tabagistas, etilistas, ou, ainda, relacionados à infecção por HPV, especialmente na orofaringe. Apresentam-se como lesões friáveis e ulceradas, dolorosas, invasivas, que evoluem com linfonodomegalia cervical e, em casos avançados, obstrução do trato alimentar e respiratório, podendo aparecer em unidades de pronto atendimento com síndrome consuptiva ou insuficiência respiratória.
Os principais sítios de apresentação deste tipo de tumor são: boca, orofaringe, hipofaringe, laringe e esôfago. Tumores de seios paranasais, nasofaringe e base de crânio são um pouco mais raros, e sua relação com o uso de tabaco e álcool não é bem estabelecida. Há também o CEC de pele e lábio, relacionado mais à exposição solar do que ao consumo de álcool e cigarro.
O médico generalista deve estar atento aos sintomas iniciais e ao perfil do paciente, pois o diagnóstico precoce faz toda a diferença no prognóstico, na agressividade do tratamento e, até mesmo, na possibilidade de abordagem curativa.
O diagnóstico é feito por biópsia, que muitas vezes é possível de ser realizada em ambiente ambulatorial, ou no mesmo tempo operatório de uma traqueostomia ou gastrostomia realizada na urgência.
O estadiamento ocorre com avaliação endoscópica completa, através de faringo-laringoscopia por nasofibroscópio, broncoscopia, endoscopia digestiva alta, além de tomografia computadorizada com contraste de cabeça, pescoço e tórax.
O tratamento, quando possível, pode ser feito por abordagem operatória, não operatória (com radioterapia associada ou não à quimioterapia), ou combinando mais de uma modalidade, a depender do estadiamento, sítio do tumor primário e status performance do paciente.
Se optado por tratamento cirúrgico, este se dá através de ressecção completa da lesão, com margens livres, frequentemente associado a esvaziamento cervical de caráter eletivo ou terapêutico e eventual necessidade de reconstrução do defeito cirúrgico com uso de retalhos loco-regionais ou micro-cirúrgicos. O objetivo é sempre a cura, reabilitação funcional e melhor resultado estético possível.
Pode-se traçar um paralelo entre a qualidade do sistema de saúde de um país e a prevalência de CEC de cabeça e pescoço diagnosticado em estádios avançados, uma vez que, quanto melhor o serviço de saúde prestado a uma população, via de regra, menor a taxa de consumo de álcool e cigarro, com mais agilidade são feitos os diagnósticos dos tumores desta região.
O médico generalista deve estar sempre atento às feridas na boca que não cicatrizam há mais de 14 dias, às disfonias de início abrupto e sem resolução, aos quadros de emagrecimento, linfonodomegalia cervical e desconforto respiratório progressivo.