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A relação da vacina Oxford-Astrazeneca com a formação de coágulos sanguíneos | Colunistas

A relação da vacina Oxford-Astrazeneca com a formação de coágulos sanguíneos | Colunistas

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Introdução

A vacina ChAdOx1 nCoV-19, produzida pela farmacêutica AstraZeneca em parceria com a universidade de Oxford, consiste em um vetor adenoviral não replicante de chimpanzé, que contém toda a superfície estrutural glicoproteica (proteína Spike) do SARS-CoV-2. É uma das dezenas de vacinas contra a Covid-19 aprovadas em todo o mundo, inclusive no Brasil, onde está sendo produzida nacionalmente pela Fiocruz, no Rio de Janeiro.

O que é coagulação sanguínea?

A coagulação sanguínea é um dos mecanismos que constituem a hemostasia. O termo hemostasia significa prevenção da perda sanguínea e é ativado em resposta a lesões no interior vascular, para fechar a lesão e reestabelecer o fluxo adequado e cessar a perda de sangue.

O coágulo é composto por malha de fibras de fibrinas que cursam em todas as direções e que retêm células sanguíneas, plaquetas e plasma. As fibras de fibrina também aderem às superfícies lesadas dos vasos sanguíneos; desse modo, o coágulo sanguíneo fica aderido a qualquer abertura vascular, impedindo a continuação da perda de sangue.

Mais de 50 substâncias importantes que causam ou afetam a coagulação do sangue foram encontradas no sangue e nos tecidos — algumas que promovem a coagulação, chamadas pro­coagulantes, e outras que inibem a coagulação, chamadas anti­coagulantes. A coagulação ou a não coagulação do sangue depende do balanço entre esses dois grupos de substâncias.

Na corrente sanguínea normalmente predominam os anticoagulantes, de modo que o sangue não coagula enquanto está circulando pelos vasos sanguíneos. Entretanto, quando o vaso é rompido, procoagulantes da área da lesão tecidual são “ativados” e predominam sobre os anticoa­gulantes, com o consequente desenvolvimento de coágulo. O mecanismo de coagulação sanguínea consiste na famosa “cascata da coagulação”, porém, esta não será discutida aqui por se tratar de um mecanismo bastante complexo.

Coagulação anormal do sangue e seus riscos

Quando um coágulo anormal é formado no sangue, ele é chamado de trombo, o fluxo sanguíneo que passa por esse trombo pode desprendê-lo e dar origem a um êmbolo, que é um coágulo sanguíneo que circula livremente pelo corpo. O êmbolo pode atingir pequenas artérias e veias importantes e obstruir o fluxo sanguíneo em órgãos vitais, como o pulmão e o cérebro, e causar patologias graves, como o tromboembolismo pulmonar e o acidente vascular encefálico (AVE).

Essas doenças são chamadas doenças tromboembólicas, elas oferecem grande risco para a saúde e estão relacionadas com condições que acometem a parede vascular, como aterosclerose, infecção e trauma, ou fluxo sanguíneo lento em determinado vaso, o que pode formar pequenos coágulos.

Os estudos realizados sobre a relação da vacina com eventos tromboembólicos

Em meados de março de 2021, a vacinação contra a COVID-19 usando a vacina ChAdOx-1 nCoV-19 da Oxford-AstraZeneca foi interrompida em diversos países europeus, devido a relatos de eventos tromboembólicos em indivíduos vacinados. De acordo com o European Medicines Agency (EMA), 30 casos de eventos tromboembólicos (predominante venosos) foram relatados até 10 de março de 2021, entre aproximadamente 5 milhões de pessoas que receberam a vacina na União Européia.

Østergaard et al. realizaram uma pesquisa na Dinamarca comparando a incidência de eventos tromboembólicos no período entre janeiro de 2010 e novembro de 2018 com a incidência após a vacinação com a vacina Oxford-Astrazeneca. O estudo não evidenciou uma grande diferença na incidência entre os dois grupos, porém os próprios pesquisadores deixam claro que sua avaliação deve ser feita no contexto de suas limitações, pois o número de casos relatados entre os vacinados e a incidência esperada naturalmente na população dinamarquesa não podem ser comparados diretamente por diversos fatores.

Primeiro, informações de sexo e idade dos vacinados com a vacina AstraZeneca ainda não foram amplamente divulgados. Segundo, os dados sobre o tempo entre a aplicação da vacina e o desenvolvimento dos eventos tromboembólicos não tem esclarecimento publicado ainda. Terceiro, descrições clínicas detalhadas desses eventos relacionados com o imunizante ainda não estão esclarecidos. Quarto, é impossível saber o real número de relatos de tromboembolias relacionados à vacina, e os 30 casos reportados até 10 de março de 2021 são provavelmente subestimados.

Conclusão

A MHRA (Medicine and Healthcare Regulatory Authority) e a EMA (European Medicines Agency), agências reguladoras de medicamentos e vacinas, semelhantes à Anvisa, do Reino Unido e União Europeia, respectivamente, divergem em suas conclusões a respeito do assunto.

A MHRA confirmou dia 18 de março de 2021 que as evidências não sugerem que coágulos são causados pela vacina da Astrazeneca, visto que eventos causados por essas estruturas sanguíneas foram relatados em menos de um em cada um milhão de britânicos. A EMA, por outro lado, concluiu que a vacina pode estar associada com raros eventos de formação de coágulos sanguíneos, e que esses casos não são comprovados, porém possíveis.

No entanto, devido ao contexo pandêmico em que o mundo está passando, ambas as organizações concordam que os benefícios da vacina ultrapassam por muito os raros riscos de eventos tromboembólicos, entretanto, novos estudos serão realizados para esclarecer as relações entre esses fatores.

Autor: Vitório Benicá

Instagram: @vicbenica


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

HALL, John E.. Hemostasia e Coagulação Sanguínea. In: HALL, John E. et al. Guyton e Hall Tratado de Fisiologia Médica. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016. Cap. 37. p. 460-470.

ØSTERGAARD, Søren Dinesen et al. Thromboembolism and the Oxford–AstraZeneca COVID-19 vaccine: side-effect or coincidence?. The Lancet, [S.L.], v. 32, n. 14, p. 1-3, mar. 2021. Elsevier BV

FOLEGATTI, Pedro M et al. Safety and immunogenicity of the ChAdOx1 nCoV-19 vaccine against SARS-CoV-2: a preliminary report of a phase 1/2, single-blind, randomised controlled trial. The Lancet, [S.L.], v. 396, n. 10249, p. 467-478, ago. 2020. Elsevier BV.

Merchant, H.A. CoViD vaccines and thrombotic events: EMA issued warning to patients and healthcare professionals. J of Pharm Policy and Pract 14, 32 (2021).