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A Síndrome de Brown-Séquard | Colunistas

A Síndrome de Brown-Séquard | Colunistas

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Contextualizando as lesões raquimedulares

A síndrome de Brown-Séquard, também conhecida como síndrome da hemissecção medular, é uma das diversas patologias que compõem as síndromes medulares, tendo o traumatismo raquimedular como a principal causa, provocando alterações temporárias ou permanentes na função motora, sensibilidade ou função autonômica. As outras patologias que se encaixam nesse universo de possibilidades são:

  • Síndrome medular anterior
  • Síndrome medular posterior
  • Síndrome centro medular
  • Síndrome do cone medular
  • Síndrome da cauda equina.

Normalmente essas síndromes são caracterizadas por uma agressão, em grande parte das vezes devido à força mecânica, acarretando lesão autonômica ou funcional à coluna vertebral e/ou à medula espinhal, raízes nervosas em qualquer dos seus segmentos.

Relembrando a anatomia

Para contextualizar a patologia, é extremamente importante destacar as principais vias sensitivas e motoras na medula.

  • Vias ascendentes (aferentes)
    • Profundas: no funículo posterior, encontram-se os fascículos grácil e cuneiforme, responsáveis por conduzir informações de propriocepção consciente (noção de posição e deslocamento dos membros sem o auxílio da visão) até o córtex, de membros inferiores e superiores, respectivamente. Outras vias aferentes: vias sensitivas laterais (trato espinocerebelar posterior e espinocerebelar anterior).
    • Superficiais: são os tratos espinotalâmico anterior, responsável pelo tato (protopático, grosseiro, não discriminativo) e pressão e o trato espinotalâmico lateral, que conduz informações de dor e temperatura até o córtex. De forma generalizada, chamamos essas últimas de vias responsáveis pela sensibilidade superficial.
  • Vias descendentes (eferentes): quanto às vias motoras, o trato corticoespinhal lateral é a principal via descendente, conduzindo os estímulos originados no giro pré-central, no lóbulo frontal, da área motora primária, até os nervos periféricos e esses, por sua vez, estimulam a musculatura e promovem o movimento. Outras vias motoras: anterior ao corticoespinhal lateral está o trato rubroespinhal, localizado no funículo lateral da medula espinhal. Na divisão entre os funículos lateral e anterior, encontra-se o trato retículoespinhal e anteriormente a ele temos os tratos vestibuloespinhal e reticuloespinhal medial. Na região mais anterior, encontram-se os tratos tetoespinhal e o trato corticoespinhal anterior, pequeno, com função motora inferior ao corticoespinhal lateral, bem próximo à fissura mediana anterior.

A Síndrome de Brown-Séquard

É uma síndrome rara e foi descrita inicialmente por Charles-Édouard Brown-Séquard, um neurologista francês-britânico, em 1849. É caracterizada por uma lesão que acomete apenas metade da medula: a hemissecção medular. É frequentemente causada por ferimento de arma branca, todavia, ferimentos por arma de fogo, acidentes automobilísticos, quedas de altura e acidentes por mergulhos em águas rasas também podem levar ao trauma e, consequentemente, à essa síndrome. Doenças como a hérnia de disco vertebral, cistos e tumores, assim como infecções bacterianas ou virais, como a tuberculose, mielite transversa e meningite também são causas possíveis. São mais frequentes em homens na faixa etária entre os 15 e 40 anos, quando se trata de trauma por arma branca.

As três principais vias envolvidas na síndrome são:

  1. Trato corticoespinhal: alterando a motricidade voluntária.
  2. Tratos espinotalâmicos: afetando a sensibilidade superficial.
  3. Tratos dos fascículos grácil e cuneiforme: afetando a sensibilidade profunda.

Quadro clínico típico

  • Acometimento da motricidade voluntária e sensibilidade profunda homolateral: o acometimento homolateral ocorre devido ao cruzamento das vias motoras já na região do bulbo. Ou seja, quando a lesão acomete um dos lados, o mesmo hemicorpo será comprometido. O mesmo acontece com as vias de sensibilidade profunda: o cruzamento será apenas a nível de tronco encefálico, por isso o acometimento será homolateral.
  • Comprometimento da sensibilidade superficial contralateral: vale lembrar aqui que as informações dos tratos espinotalâmicos lateral e anterior chegam na medula e já cruzam para o outro lado, subindo então para levar as informações ao córtex. Ou seja, a perda da sensibilidade superficial acontecerá no lado oposto à lesão.

Simplificando:

 Lado não lesadoLado lesado
MOTRICIDADENormalAusente
SENSIBILIDADE SUPERFICIALAusenteNormal
SENSIBILIDADE PROFUNDANormalAusente
Quadro 1. Resumo do quadro clínico típico da síndrome de Brown-Séquard. Desenvolvido pelo autor.

Diagnóstico

Geralmente é clínico, baseando-se na anamnese e exame físico. O diagnóstico se dá através de um exame neurológico de qualidade com os testes da função motora e de sensibilidade epicrítica e protopática. Também deve-se confirmar causa primária (como um trauma) ou secundária a outra patologia (como neoplasia).

Quanto à função motora, a propriocepção estará alterada no lado da lesão ao exame físico, assim como a sensibilidade epicrítica (ao se realizar testes de vibração e toque fino) e aparecimento do sinal de Babinski. No lado oposto à lesão, será possível identificar a alteração ou perda da sensibilidade protopática (testes de temperatura e pressão).

Os exames de imagem que podem ser utilizados para a comprovação da extensão e causas da lesão são a radiografia comum, tomografia computadorizada e ressonância magnética. Desses, a ressonância magnética é a mais indicada para identificar as lesões medulares traumáticas com deterioração neurológica, permitindo uma melhor avaliação da extensão da lesão na medula espinhal, dos tecidos moles circundantes, do alinhamento espinhal global e do dano aos discos intervertebrais.

Tratamento

A cirurgia da coluna vertebral normalmente não melhora os sintomas da lesão medular, contudo, facilita a mobilidade do paciente, assim como a realização de fisioterapia e outros cuidados gerais devido à perda motora e de sensibilidade. Ainda assim, a cirurgia é uma conduta controversa entre os especialistas e, muitas vezes, opta-se pela conduta conservadora visando evitar possíveis iatrogenias. O tratamento conservador consiste no uso de colares e coletes para a imobilização do segmento afetado por até 15 semanas.

Vale ressaltar que devido à disfunção medular possivelmente permanente, os pacientes acometidos necessitam de um trabalho interdisciplinar, intensivo e específico para que seja proporcionada a melhor qualidade de vida possível. O processo de reabilitação pode ser longo, desgastante e dispendioso.

Curiosidades sobre a síndrome

O sistema nervoso foi o foco de Brow-Séquard, um interesse especial, com numerosos estudos sobre a medula, nervos e raízes espinhais, nervos cranianos, sistema nervoso autônomo e cérebro. Além disso, deu grande atenção às glândulas de secreção interna, com estudos que lhe conferiram o rótulo de pai da Endocrinologia por alguns cientistas e pesquisadores da saúde.

Por fim, o médico francês Paul Loye tentou confirmar as observações de Brown-Séquard no sistema nervoso central por experiências com decapitação de cães e outros animais e registrando a extensão do movimento de cada animal após a decapitação.

Autor: Bruno Fernando de Oliveira

Instagram: @bfdolive

Referências

Engelhardt, E; Marleide, D. A; Gomes, M; Brown-Séquard, um pesquisador itinerante – De uma pequena ilha do Oceano Índico para o mundo. Revista Brasileira de Neurologia, v. 49, 2013.

Hemissecção Medular: Desvendando a Síndrome de Brown-Séquard. Portal do Jaleko – Conteúdos práticos de medicina para estudantes e médicos. Disponível em: “>. Acesso em: 3 Apr. 2021.

Loye, P. “Death by Decapitation.”. The American Journal of the Medical Sciences. V. 97, n. 4, p. 387, 1889.

Marrocos, D; Figueiredo, N. R; Alves, C. F; et al. Fisioterapia neurológica na síndrome de brown séquard: relato de caso / Neurological physiotherapy in brown sequard syndrome: case report. Brazilian Journal of Health Review, v. 2, n. 5, p. 4009–4018, 2019.

Moodle USP: e-Disciplinas. edisciplinas.usp.br. Disponível em: “>. Acesso em: 3 Apr. 2021.

‌Pazinato, E. F; Araújo, M. A; Campos, T. R; Silva, L. N. P; Sobreira, C. R; Reis, L. F. C. L; Síndrome de Brown-Séquard Causada por Ferimento de Arma de Fogo. Relato de caso. J Bras Neurocirur v. 30, n. 1 p. 80-84, 2019.