O Abdome Agudo Hemorrágico é definido pela presença de sangue em cavidade abdominal que pode ser de causa espontânea, sendo essa mais rara, acometendo de modo geral faixas etárias mais avançadas. As principais causas são: aneurisma da artéria esplênica, ruptura de aneurisma de aorta abdominal, aneurisma da artéria hepática, aneurisma da artéria mesentérica superior e gravidez ectópica rota, entre outras causas.
Epidemiologia do abdome agudo hemorrágico
Apesar de rara, acometendo 2% dos pacientes que procuram o serviço de emergência, o abdome agudo hemorrágico pode levar a óbito se não diagnosticado e tratado precocemente,com taxas de mortalidade que chegam a 40% nos pacientes não-operados e de 100% nos operados sem identificação do foco hemorrágico.
Pacientes em qualquer idade estão sujeitos a sangramento intra-abdominal, porém a faixa etária com maior frequência de acometimento está entre a quinta e sexta décadas de vida. A incidência é maior nos homens, na proporção de 2:1. A etiologia difere de acordo com o sexo e a idade. Em idosos é mais comum ruptura de tumores, veias varicosas e aneurisma de aorta abdominal. Em jovens é mais comum a ruptura de aneurismas de artérias viscerais e, em mulheres, está mais associado à origem ginecológica e obstétrica.
Etiologias
Ruptura de aneurisma de aorta abdominal (AAA):
O AAA está presente em 5-7% dos indivíduos acima dos 60 anos de idade, prevalecendo mais no sexo masculino, tendo como principais fatores de risco para essa categoria a idade >65 anos, HAS, tabagismo, DPOC, aterosclerose, síndrome de Marfan, a síndrome de Ehlers-Danlos e antecedente familiar da doença.
Muitos pacientes com AAA são assintomáticos e o diagnóstico é suspeitado no exame físico pela palpação de massa pulsátil, distensão abdominal e dor à palpação. Nesses pacientes, o ultrassom ou a tomografia computadorizada confirma o diagnóstico.
O tratamento inicial é direcionado para estabilização hemodinâmica do paciente, sendo o grau desse acometimento definidor da urgência necessária na avaliação radiológica e na indicação cirúrgica.
Aneurisma da artéria esplênica:
É o aneurisma mais comum entre os vasos viscerais abdominais e corresponde a 60% de todos os aneurismas de artérias viscerais. É mais frequente nas mulheres do que nos homens, na proporção de 4/1. Tendo como principais fatores de risco para ruptura a hipertensão venosa portal, fibrodisplasia arterial e gravidez.
O tratamento do paciente com choque hipovolêmico é a laparotomia exploradora imediata
associada à reposição agressiva da volemia com soluções cristalóides e, quando necessário, com hemoderivados. Quando o aneurisma se situa distalmente, nas proximidades do baço, o tratamento consiste na ligadura proximal da artéria, seguida de esplenectomia.
Aneurisma da artéria hepática:
É o segundo mais comum, é responsável por 20% dos aneurismas das artérias viscerais, ocorre em indivíduos acima de 60 anos e predomina no sexo masculino, na proporção de 2:1. Atualmente, cerca de 38% ocorrem em decorrência de arteriosclerose, 21%, de degeneração da camada média, 18%, de traumatismo e apenas 16% são de origem micótica. Frequentemente se apresenta de forma assintomático.
Quando ocorre ruptura do aneurisma, o paciente se apresenta com dor no quadrante superior direito ou no epigástrio e assemelha-se a colecistite e a pancreatite aguda. Dependendo da localização, o sangramento pode se manifestar por hematêmese ou melena, por erosão dos ductos biliares ou do tubo digestivo. A ressecção, ou a obliteração, dos aneurismas da artéria hepática está indicada em todos os pacientes.
Aneurisma da artéria mesentérica superior:
É o terceiro aneurisma mais comum, responsável por 10% dos aneurismas das artérias viscerais. Ocorre em indivíduos abaixo de 50 anos e acomete igualmente homens e mulheres. Os fatores de risco são a endocardite, os traumatismos e a arteriosclerose.
Cerca de 60% dos aneurismas da artéria mesentérica superior ocorrem em conseqüência de endocardite bacteriana.
Os sintomas variam de cólicas abdominais após as refeições, sugestivas de claudicação intestinal à dor é intensa, difundida para todo o abdome, quando há ruptura, e os sinais de choque tornam-se mais evidentes. Pode ser acompanhada de náuseas.
O tratamento é variável, dependendo da localização do aneurisma, da condição de
irrigação e de vitalidade das alças intestinais e, da condição clínica do paciente.
Ruptura de gravidez ectópica (GE):
Ocorre entre 1-2% das gestações e corresponde a 10-15% das mortes maternas no 1° trimestre. Os principais fatores de risco são: cirurgias tubárias, gravidez ectópica prévia, uso de Dispositivo Intrauterino (DIU), tabagismo (≥ 20 cigarros /dia); técnicas de reprodução assistida e endometriose.
Frequentemente 95% dos casos de gravidez ectópica tipicamente ocorre em uma das trompas de falópio. Entretanto, também pode ocorrer nos ovários e na cavidade abdominal.
A paciente pode manifestar sintomas como atraso menstrual, dor abdominal intensa, súbita, inicialmente em baixo ventre, que pode irradiar para o ombro, referido como sinal de Lafond. Instabilidade hemodinâmica, hipotensão, taquicardia e choque hipovolêmico. No exame físico há presença de dor à palpação abdominal, dor aguda ao toque do fundo de saco de Douglas. O sinal de Cullen pode estar presente.
O tratamento baseia-se em avaliar a volemia materna, bem como reposição volêmica e tratamento do choque hipovolêmico. A abordagem cirúrgica de urgência, muitas vezes é realizada por laparotomia exploratória com salpingectomia. Em casos eventuais admite-se a salpingostomia com micro curetagem tubária e reconstituição da trompa atingida, a depender de cada caso.
Quadro clínico
A dor abdominal varia de intensidade e localização de acordo com a causa da hemorragia. Pode estar associada a manifestações de hipovolemia e choque. A apresentação clínica varia de acordo com o volume perdido, a velocidade da perda sanguínea, as condições gerais do paciente e a causa da hemorragia.
Pode-se observar a pele pálida e fria, lentificação do enchimento capilar, pulso fino e aumento da frequência respiratória. Com a piora do quadro, os sinais ficam mais evidentes, surgindo a taquicardia, hipotensão, taquipnéia, redução do débito urinário e agitação.
Deve-se buscar sinais de irritação peritoneal, visceromegalias, massas palpáveis pulsáteis ou não e de sopros no abdome. Ainda pode-se visualizar o sinal de Cullen, que é a presença de equimoses na cicatriz umbilical e sugere hemorragia intraperitoneal, ou o sinal de Gray-Turney, onde as equimoses são visualizadas na região dos flancos, e sugere hemorragia retroperitonial.
Nos casos de hemorragia intra-abdominal, súbita, maciça e contínua, o paciente pode evoluir rapidamente para o choque. Nessa situação, deve-se iniciar as medidas de reanimação, adiar os procedimentos diagnósticos e iniciar os procedimentos cirúrgicos necessários.
Diagnóstico
O diagnóstico precoce é essencial para diminuir a morbimortalidade, para isso a anamnese detalhada e exame físico minucioso são mais importantes do que qualquer exame complementar.
Anamnese
A dor deve ser analisada de acordo com sua qualidade, quantidade, local e irradiação, início, duração e deslocamento, fatores de melhora e piora de sintomas e sinais associados.
É importante perguntar se já houve episódios semelhantes; antecedentes cirúrgicos; comorbidades; uso de medicações (opióides, AINES, anticoagulantes, imunossupressores, ACOH); náusea ou vômito; diurese e evacuação; menstruação/contracepção e consumo de álcool e/ou drogas ilícitas.
Exame Físico
A agilidade e objetividade do exame físico dependem do estado geral do paciente. Em pacientes instáveis fazemos uma avaliação rápida e monitorização cardíaca, oximetria de pulso e acesso periférico, a coleta e a realização de exames complementares não deve atrasar as medidas para estabilização nem a avaliação por cirurgião. Em pacientes estáveis podemos fazer uma avaliação mais completa, que inclui, principalmente, o exame completo de abdome, que inclui a inspeção, ausculta, palpação e percussão.
Os sinais físicos podem ser reduzidos em idosos, grosseiramente obesos, gravemente doentes e pacientes em terapia com corticosteróides.
Exames Laboratoriais
É comum a queda progressiva do hematócrito e hemoglobina, se a hemorragia for em quantidade considerável e se houver tempo suficiente para que se instalem os mecanismos compensatórios desencadeados pela hipovolemia. A leucocitose é por decorrência da irritação peritoneal provocada pela hemoglobina e da própria resposta homeostática à hipovolemia. A contagem do número de plaquetas é indispensável . Na plaquetopenia, o sangramento surge a partir de contagens iguais ou inferiores a 20 mil plaquetas. O estudo global da coagulação é válido para o diagnóstico e orienta o tratamento. A atividade da protrombina, e tromboplastina parcial ativada e a trombina são os mais utilizados. O teste de gravidez é executado quando a suspeita for gravidez ectópica.
Exames de Imagem
Radiografia simples de abdomen: decúbito, ortostase e cúpulas diafragmáticas (apenas para descartar outras causas); USG Abdome é o exame mais importante, pode ser necessária USG transvaginal; TC fornece excelente exame de órgãos abdominais, incluindo massas e coleta de fluidos, porém o seu uso é para casos selecionados.
A videolaparoscopia tem importância, tanto diagnóstica como terapêutica nos quadros de abdome agudo hemorrágico, quando a indicação cirúrgica é duvidosa e nas afecções cuja correção cirúrgica é viável por esse método de acesso. Nas doenças ginecológicas agudas, a videolaparoscopia é capaz de confirmar o diagnóstico em 82% dos casos com cisto de ovário e em 80% das mulheres com hemorragia do corpo lúteo.
Todavia, a videolaparoscopia possui as suas contraindicações que são:
- Insuficiência respiratória grave
- Choque hipovolêmico
- Obesidade mórbida
- Múltiplas intervenções abdominais prévias
- Coagulopatias.
Autor(a) : @mirianng_
Estudante de Medicina
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
Abdome Agudo. Sanarflix, Bahia. Disponível em:
Abdome agudo: clínica e imagem. Antonio Carlos Lopes, Samuel Reibscheid, Jacob Szejn-
feld. São Paulo: Editora Atheneu, 2006.
ISHIYAMA, KRAUSE CHAVES. Abdome Agudo Hemorrágico. Disponível em: