Carreira em Medicina

Aspectos farmacológicos dos opioides | Colunistas

Aspectos farmacológicos dos opioides | Colunistas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

Os opioides são medicamentos analgésicos, que, apesar da sua alta eficácia, devem ser cuidadosamente prescritos. A sua indicação principal é para o controle da dor moderada e grave. Por isso, é importante o conhecimento da farmacologia das drogas derivadas do ópio, visto que o manejo insuficiente da dor causa prejuízos em relação ao sono, funções cognitivas e em toda a qualidade de vida do paciente.

Mecanismo de Ação

A maioria dos opioides age pelo mesmo mecanismo de ação, a única exceção é o Tramadol (descrito logo adiante no texto).

Esse mecanismo consiste, basicamente, na ativação de receptores localizados no Sistema Nervoso Central (SNC): Mu – principal responsável pela ação analgésica -, Kappa e Delta. Esses receptores são acoplados à proteína G inibitória, que irá inibir a enzima adenilato ciclase e, por consequência, diminuirá a quantidade intracelular disponível de  3′,5′-monofosfato cíclico (AMPc). A redução do AMPc será a responsável por afetar significativamente a função celular do neurônio, pois causará abertura de canais de potássio, o que, por sua vez, irá hiperpolarizar os neurônios, deixando-os “inativos”. O efeito disso é a redução de sinapses e é isso o que paralisa a passagem de informações referente à dor.

Ressalta-se, ainda, que os opioides atuam em várias funções fisiológicas, como na modulação do Trato Gastrointestinal (TGI), no sistema endócrino e  na  aprendizagem  e  memória.  Os fármacos derivados do ópio atuam  também no  sistema  de  recompensa  do  SNC, causando  euforia;  uma vez que  liberam  dopamina  no  núcleo  accumbens,  inibindo  a  secreção  de  ácido  gama-aminobutílico (GABA) pelos neurônios da área tegmentar ventral.

Efeitos adversos

Quando se fala de opioides, os principais efeitos adversos que logo vem à mente são: Euforia, depressão respiratória e constipação. Tais efeitos adversos são responsáveis pela resistência a sua prescrição e, além destes já citados, ainda podemos citar: A Hiperalgesia Induzida por Opioides (HIO), que ocorre principalmente na dor crônica não maligna, e a tolerância medicamentosa, que pode resultar em dependência física e abstinência.

Medo na hora da prescrição

Existem vários motivos que dificultam a prescrição dos opioides, seja pelo receio dos médicos ou pela resistência dos pacientes em receber essa medicação devido ao medo do vício. Da parte dos médicos, os motivos principais são: receio de causar uma iatrogenia médica, medo de induzir o paciente ao vício, dificuldade de obtenção do receituário “Tipo A”, a falta de conhecimento farmacológico e a falta de preparo médico para lidar com a dor dos pacientes paliativos.

Principais Representantes

Os principais opioides utilizados são: Morfina, Codeína, Tramadol, Meperidina, Metadona e Fentanil:

Morfina

A morfina é um opioide de intensidade moderada, usado para o manejo da dor aguda ou crônica, sendo bastante utilizada em pacientes com dor moderada a grave. É um medicamento que possui rápida absorção por via oral, é de metabolização hepática, excreção renal e possui rápida liberação, com início da sua ação em 30 minutos e duração de 4 horas.

Codeína

A codeína é um opioide fraco, que possui menor tendência em causar tolerância em relação aos principais opioides. Ela é considerada um pró-fármaco clássico, pois aumenta a biodisponibilidade e diminui a toxicidade. A sua administração geralmente é por via oral e sua metabolização é hepática, de forma que parte dos seus metabólitos são convertidos em morfina pelo fígado.

Tramadol

Como dito anteriormente, o Tramadol possui um mecanismo de ação próprio, pois possui pouca afinidade com os receptores Mu. Resumidamente, o seu mecanismo consiste na inibição da recaptação de noradrenalina e serotonina na via descendente da dor. A sua administração geralmente é por via oral, intravenosa ou supositório retal, sendo indicado para dores moderadas.

Meperidina

A meperidina é um opioide sintético, que possui efeito analgésico, ação espasmolítica e anti-histamínica suave.  Ela é  administrada  por  via  intramuscular,  mas  também  pode  ser  administrada  por  via  oral.  Ela  é de metabolização hepática e excreção renal, possui curta duração e pode causar dependência precoce. Por isso, é utilizada em dor aguda, mas dá-se preferência a outras drogas para o manejo da dor crônica.

Metadona

A metadona é um opioide lipossolúvel, ou seja, é capaz de atravessar a barreira hematoencefálica. Comumente, é administrada por via oral, sendo bem absorvida e tendo longo tempo de meia vida. Em comparação à morfina, a metadona possui maior biodisponibilidade, maior meia vida, maior ligação plasmática e sofre menos influência por disfunção renal, entretanto, sofre maior influência pela disfunção hepática. O seu efeito analgésico dura de 6 a 8 horas, é 10 vezes mais potente que a morfina e produz menos náuseas, constipação e sedação.

Fentanil

O fentanil é um opioide de curta duração, com potência analgésica de 80 a 100 vezes maior que a morfina. As  suas principais  vantagens são o seu  início rápido  de  ação  (devido a sua  alta  lipossolubilidade)  e  a  não  produção  de  metabólitos  ativos.  Geralmente, ele  é administrado por via intravenosa, intramuscular ou subcutânea.

Antídoto

A naloxona (Brasil) é um antagonista dos receptores de opioides de curta duração. Ela é administrada por via intravenosa, intramuscular ou subcutânea. A sua principal indicação são os casos de intoxicação por opioides, seja os casos conhecidos ou suspeitos de sobredosagem dos medicamentos derivados do ópio. Normalmente, o efeito esperado é a reversão do quadro de depressão respiratória, constipação e euforia.

Conclusão

Torna-se necessário que os médicos saibam prescrever os medicamentos opioides e entendam bem dos seus aspectos farmacológicos e principais indicações, a fim de que não haja receio na hora da prescrição; visto que o manejo correto e seguro dos opioides contribui significamente na redução da dor, o que afeta positivamente nas funções cognitivas, no sono, no conforto e na qualidade de vida do paciente como um todo.

Autora: Letícia de Paula Santos.

Instagram: @leticiapaula.santos


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  1. AZEVEDO AS. Uso de opióides na dor crónica não oncológica: Resistência e Mitos. Dissertação (Mestre em Medicina) – Ciências da Saúde. Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2017; 42p.
  2. LEÓN MX, et al. Recomendaciones basadas en evidencia para el manejo del dolor oncológico (revisión de la literatura). Revista Mexicana de Anestesiología, 2010; 42: 45-55
  3. PETER YI, PRYZBYLKOWSKI P. Opioid Induced Hyperalgesia. Pain Medicine, 2015; 16: 32-36.
  4. ORIOL AL, et al. Antagonistas periféricos de los receptores opioides Mu en el tratamiento del estreñimiento inducido por opioides: revisión. Revista de la Sociedad Española del Dolor, 2018; 27(1): 37-49.
  5. LEAL RS, ALENCAR GA. Uso indevido de opioides: Da prevenção ao tratamento. Revista de Medicina de família e Saúde mental, 2020; 2: 29-44.
  6. RANG HP, et al. Farmacologia. 8th ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016; 510-520p.
  7. GOODMAN A, et al. As bases farmacológicas da terapêutica. 13th ed. Rio de Janeiro: McGraw, 2018; 427-465p.
  8. CALÔNEGO  MA. Dificuldades sociais, legais e burocráticas para prescrição de opioides. Tese (Pós-graduação em Anestesiologia) – Instituto de Biociências. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Botucatu, 2020; 93p.
  9. SANTOS  MH.  O  uso  da  morfina  na  gestão  da  dor  crônica:  perspectiva  dos  profissionais  de  saúde.  Dissertação (Mestrado em Cuidados Paliativos) – Instituto Politécnico de Viana Castelo, 2019; 126p.
  10. GONG L, et al. PharmGKB summary: tramadol pathway. Pharmacogenet Genomics, 2014; 24(7): 374-380.
  11. BOTAN AG, LAPENA AS. Meperidina: opioide não indicado para analgesia. Rev Dor. São Paulo, 2015; 16(1): 67-70.
  12.  SANTOS, LP et al. Manejo seguro de opioides usados no cuidado paliativo: Revisão narrativa. Acervo Saúde. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/7665/4918