Com o avanço da pandemia do SARS-CoV-2 no Brasil e no mundo, muito têm se questionado sobre possíveis curas ou tratamentos para a doença, além de fatores que teriam ação protetiva aos indivíduos que entraram em contato com o novo coronavírus.
Segundo estudos epidemiológicos, países que não possuem políticas de vacinação contra a tuberculose, sobretudo aqueles que não imunizaram a população hoje idosa, apresentaram maior taxa de mortalidade pelo coronavírus. Desta forma, a possível correlação entre as políticas de imunização pela BCG e a mortalidade pela SARS-CoV-2 deve ser investigada.
A vacina BCG foi desenvolvida por Albert Calmette e Camile Guérin em meados do século XX, sendo usada pela primeira vez em humanos no ano 1921. Contendo uma cepa atenuada da bactéria Mycobacterium bovis, a vacina foi criada para prevenir formas graves da tuberculose e hoje é amplamente utilizada em recém-nascidos, estando presente no calendário brasileiro de imunizações. Além disso, é utilizada como imunoterapia adjuvante em pacientes portadores de câncer de bexiga.
Ações no sistema imune
As pesquisas atuais testam a hipótese de que a imunidade heteróloga proporcionada pela BCG poderia proteger contra formas graves da COVID-19. Acredita-se que a vacina induz efeitos protetivos contra diversas infecções, através dos seguintes mecanismos:
Imunidade Inata
- O contato com o M. bovis cursa com reprogramação epigenética de monócitos presentes no local da infecção ou imunização, através da modificação de histonas nos locais codificadores de citocinas inflamatórias. Este processo leva a uma melhor resposta do sistema imune mediante reativação (resposta adaptativa), com a produção de maiores títulos de citocinas como a IL-1β, IL-6, IFN-γ e TNF.
- Há relatos de um efeito protetivo não específico constituído pelo aumento de células da imunidade inata, como as células natural killer (NK) e monócitos, levando a uma ampliação da resposta imune e reconhecimento de patógenos. Pesquisas realizadas em indivíduos que receberam a vacina BCG há um ano demonstraram aumento da expressão de receptores de reconhecimento em monócitos do sangue periférico.
Imunidade Adaptativa
- Os antígenos do Mycobacterium bovis atenuado têm semelhanças moleculares a alguns vírus, podendo criar, após a vacinação, uma população de células B e T que reconheceriam, além do bacilo de Koch, uma variada gama de patógenos respiratórios.
- A BCG pode levar a ativação de linfócitos B e T de reserva, de forma independente de antígenos, conhecida como imunidade heteróloga.
- A micobactéria é conhecida por ser um potente estimulante do padrão Th1, levando à proliferação preferencial de citocinas relacionadas a este padrão, imprescindível no combate das infecções virais, após estímulo antigênico. O balanço dos padrões de resposta Th1/Th2 após uma infecção é extremamente importante, pois ajuda a determinar a evolução da doença, e pesquisas mostraram o papel imunomodulador deste microrganismo.
Estudos demonstram que países que mantiveram a vacina BCG em seu calendário vacinal mostraram menor suscetibilidade à COVID-19, considerando as variáveis mortalidade/morbidade (medida mais confiável devido à menor relação com os níveis de testagem). Ainda, o amplo uso da vacina poderia diminuir o número de portadores do vírus, e, associada a outras medidas, diminuir a disseminação da doença.
No entanto, as pesquisas sobre o tema são escassas. Além disso, devido a diferenças entre os países, associadas à desigualdade de fases da pandemia por quais passam, métodos de isolamento e irregularidade de casos reportados, ainda é cedo para determinarse programas de vacinação contra a tuberculose levariam a um melhor desfecho em pacientes infectados. Dessa forma, faz-se necessária a realização de ensaios randomizados que analisem a resposta imune frente à vacinação pela BCG e seus efeitos protetivos contra o coronavírus.
Por fim, é importante lembrar que estes estudos destacam a relevância dos programas de vacinação e seus inegáveis benefícios à população e ao sistema de saúde, mostrando a importância do investimento e valorização da pesquisa científica.
Autora: Daniela Rezende Moreira, Estudante de Medicina
Istagram: @danyrezend