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Casal infértil: conceitos, epidemiologia e etiologia | Colunistas

Casal infértil: conceitos, epidemiologia e etiologia | Colunistas

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A fertilidade é assunto de estudo desde antes de Cristo, devido a sua importância e o interesse que a humanidade possui no tema. Entretanto, foram nos últimos 50 anos que ocorreram os maiores progressos no entendimento das causas, do diagnóstico e do manejo do casal infertil. Desta forma, esse artigo abordará os conceitos iniciais no que tange ao casal infértil, assim como na epidemiologia e na etiologia dessa situação de saúde. A propedêutica, por sua vez, será tratada em artigos futuros, devido à complexidade do assunto.

Conceitos iniciais

Inicialmente, é importante conhecer o significado dos conceitos comumente utilizados quando se fala em casal infértil. Para tanto, serão listados abaixo os principais termos e suas definições:

  • Fertilidade: é a capacidade de estabelecimento de uma gravidez clínica;
  • Fecundidade: é a capacidade de ter um filho vivo;
  • Fecundabilidade: é a probabilidade de ocorrer uma gravidez em uma mulher com devida exposição ao espermatozoide e sem uso de método contraceptivo, resultando em filho nascido vivo, durante o ciclo menstrual;
  • Tempo para gravidez: é o tempo necessário para estabelecimento de uma gravidez;
  • Índice total de fertilidade: é o número médio de filhos vivos por mulher em determinada sociedade;
  • Índice de fertilidade específico por idade: é o número de filhos nascidos vivos por mulher, levando-se em consideração a faixa etária e calculado de acordo com o ano civil, sendo expresso a cada 1.000 mulheres;
  • Infertilidade: é a patologia que se caracteriza por incapacidade de estabelecer uma gravidez clínica mesmo após 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas, ou por redução da capacidade de um indivíduo em se reproduzir;
  • Subfertilidade: é um termo utilizado de forma intercambiável com o termo anterior, a infertilidade;
  • Esterilidade: é a infertilidade permanente;
  • Infertilidade feminina: é a infertilidade causada por fatores femininos, dentre os quais podem ser citados os distúrbios ovulatórios e as alterações anatômicas;
  • Infertilidade masculina: é a infertilidade causada por fatores masculinos, como a função anormal do sêmen e as alterações genéticas;
  • Infertilidade feminina primária: ocorre quando uma mulher preenche os critérios para infertilidade sem nunca ter tido diagnóstico de gestação clínica;
  • Infertilidade masculina primária: ocorre quando um homem preenche os critérios para infertilidade sem nunca ter iniciado uma gestação clínica;
  • Infertilidade feminina secundária: ocorre quando uma mulher preenche os critérios para infertilidade, mas já estabeleceu gestação clínica no passado;
  • Infertilidade masculina secundária: ocorre quando um homem preenche os critérios para infertilidade, mas já iniciou gestação clínica no passado;
  • Infertilidade inexplicada: ocorre quando um casal preenche os critérios para infertilidade, mas não são encontrados quaisquer fatores, em nenhum dos indivíduos, que justifiquem a incapacidade reprodutiva.

Epidemiologia

Os números relativos à infertilidade são heterogêneos, tanto devido a questões técnicas (como o tipo de estudo realizado e os parâmetros utilizados para definição de infertilidade) como por conta das diferenças entre cada grupo populacional estudado. Assim, a prevalência de infertilidade varia de 2% a 31%, de forma que não é possível estimar corretamente a presença dessa patologia homogeneamente. O que se sabe, entretanto, é que a incapacidade de estabelecer gravidez clínica acomete aproximadamente 50 a 70 milhões de casais em todo o mundo.

Recentemente, um estudo britânico com mais de 15 mil participantes mostrou infertilidade em 12,5% das mulheres e 10,1% dos homens entre 16 e 74 anos. Os índices foram maiores entre 35 e 44 anos nas mulheres e entre 35 e 55 anos nos homens, mas esses dados podem ter sofrido viés, visto que os casais jovens buscam menos ter filhos, por exemplo, o que pode ter sido fator para o baixo número de jovens inférteis. Ponto importante, também, é que esse estudo mostrou um único indicador de saúde para infertilidade nas mulheres, o tratamento para depressão, enquanto os homens possuem mais probabilidade de tornarem-se inférteis devido a doenças sexualmente transmissíveis. Nas mulheres, ademais, a idade é fator determinante para a infertilidade, e a cultura de ter filhos em idade mais avançada (devido, por exemplo, a questões profissionais) está diretamente relacionada à diminuição da fecundidade.

A infertilidade ao longo dos anos também é variável. Por exemplo, enquanto em estudo realizado no Canadá os índices de infertilidade aumentaram desde 1984, outro estudo feito nos Estados Unidos demonstrou redução da infertilidade feminina nos últimos 50 anos.

Por fim, observa-se que cerca de metade dos casais inférteis buscam auxílio médico, com maiores índices de procura por parte das mulheres.

Etiologia

Para o devido entendimento das diversas etiologias da infertilidade, é necessário primeiro conhecer as etapas necessárias para que a gravidez ocorra. Resumidamente, esse processo pode ser dividido em sete pontos:

  1. Produção de espermatozoides e quantidade adequada;
  2. Depósito dos espermatozóides na vagina, processo denominado copulação (para tal, é preciso que os aparelhos sexuais feminino e masculino estejam íntegros anatômica e funcionalmente);
  3. A copulação deve ocorrer no período periovulatório;
  4. Os espermatozóides depositados na vagina devem ter livre trânsito pelo sistema genital feminino, o que é denominado espermomigração;
  5. Os ovários devem estar dentro dos padrões de normalidade, com número de folículos primordiais e estímulos hormonais adequados;
  6. Presença de contudo tubário patente;
  7. Útero apto para receber o embrião e permitir o desenvolvimento intrauterino adequado.

A infertilidade, por sua vez, está relacionada à deficiência em algum dos pontos supracitados, o que pode ser ocasionado por etiologias diversas, que variam também a depender do sexo do indivíduo.

Nas mulheres, inicialmente, a infertilidade pode ter as seguintes etiologias:

  • Distúrbio da ovulação: corresponde a aproximadamente 25% a 40% dos casos de infertilidade, sendo a anovulação ou oligovulação devidas principalmente à síndrome dos ovários policísticos, hiperprolactinemia, insuficiência ovariana primária e disfunção hipotalâmica;
  • Fator tuboperitoneal: corresponde a cerca de 30% dos casos de infertilidade, sendo as principais etiologias desse grupo a doença inflamatória pélvica, a endometriose, as cirurgias abdominopélvicas, o histórico de abortamento e apendicite, a doença inflamatória intestinal, a tuberculose pélvica e a gravidez ectópica;
  • Fator uterino: aqui, entram as anormalidades uterinas, que podem ser anatômicas/estruturais (miomas, pólipos, sinéquias e malformações), alterações na receptividade endometrial, endométrio fino, endometriose, hidrossalpinge, expressão alterada de moléculas de adesão, adenomiose e endometrite crônica;
  • Fator cervical: corresponde a cerca de 3% dos casos de infertilidade, e pode ser anatômico (malformações congênitas e procedimentos cirúrgicos, por exemplo), infeccioso (cervicite) ou funcional (produção inadequada de muco), além de deficiência na interação entre muco e espermatozoide sem causa definida;
  • Outras causas: obesidade, magreza excessiva, doença celíaca e aspectos genéticos (como alterações no receptor de GnRH e de FSH, por exemplo), podem levar à infertilidade feminina.

As causas masculinas de infertilidade, por sua vez, são as seguintes:

  • Hipofunção testicular: é a causa principal da oligospermia (concentração espermática inferior a 15 milhões/mL ou 39 milhões no ejaculado total), astenospermia (porcentagem de espermatozóides progressivos inferior a 32% ou motilidade total inferior a 40%) e teratospermia (porcentagem de espermatozoides com morfologia normal após critérios de Tygerberg inferior a 4%); a hipofunção testicular é mais comumente causada por varicocele, mas também pode ocorrer devido a fatores genéticos, uso de drogas e medicamentos e fatores ambientais;
  • Azoospermia: está presente em aproximadamente 10% a 15% dos casos de infertilidade masculina, se caracteriza pela ausência de espermatozóides no ejaculado após centrifugação e pode ser subdividida em obstrutiva (onde ocorre espermatogênese normal, mas há obstrução em algum ponto entre a rete testis e os ductos ejaculatórios, devido a causas como agenesia dos ductos deferentes e vasectomia) e não obstrutiva (quando a espermatogênese está alterada por comprometimento da função gonadal, que pode ter etiologia pré-testicular ou hormonal);
  • Fatores genéticos: nesse grupo, entram as anormalidades cromossômicas, as microdeleções do cromossomo Y, a mutação no gene regulador de condutância transmembranar de fibrose cística (CFTR) e as aneuploidias espermáticas;
  • Disfunções ejaculatórias: a ejaculação retrógrada (que ocorre quando o sêmen é direcionado para a bexiga no momento da ejaculação) é responsável por menos de 1% dos casos de infertilidade masculina, enquanto a ejaculação precoce não está relacionada à infertilidade e a relação entre anenjaculação e infertilidade não está devidamente definida;
  • Fragmentação do DNA espermático: é causada principalmente pelo estresse oxidativo, decorrente de fatores como o excesso de consumo de alimentos processados, o tabagismo e a obesidade, dentre outros fatores modificáveis, assim como idade avançada e varicocele.

Por fim, a infertilidade inexplicada ocorre quando não são encontradas causas que justifiquem a infertilidade, e possui prevalência média de 20%. Aqui, provavelmente estão incluídas causas justificáveis que ainda não podem ser avaliadas devido a limitações no conhecimento científico, como problemas no processo implantatório.

Autor(a) : Aliscia Wendt – @alisciawendt


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

Ex.: FERNANDES, C. E.; SILVA DE SÁ, M. F. Tratado de Ginecologia FEBRASGO. Rio de Janeiro: Grupo Editorial Nacional; 2021.