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Caso Clínico: Clínica Cirúrgica – Aneurisma de aorta abdominal roto

Caso Clínico: Clínica Cirúrgica – Aneurisma de aorta abdominal roto

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Imagem de perfil de Graduação Médica

História Clínica

J.S.C., 63 anos, homem.

Queixa principal: dor de forte intensidade em abdome há 1 hora.

História da moléstia atual: Paciente relata sentir dor em dorso há uma semana, de fraca intensidade (4/10), irradiando para quadril (dor nos quartos), em pressão, estando na maioria das vezes presente durante todo o dia; sem fatores de melhora ou piora. Há uma hora antes do atendimento, referiu dor de grande intensidade e profunda em mesogástrio e em flanco esquerdo (10/10) referindo como a pior dor da vida. Não havia fatores de melhora ou piora para essa dor, e não houve uso de nenhum medicamento específico para tal sintoma. Relata que ao curso da “viagem” para o hospital, sentiu náusea e um episódio de vômito . Nega febre, perda de peso, odinofagia, obstipação. Sudoreico desde que começou a sentir a dor abdominal.

 

Interrogatório sistemático:

Neurológico: paciente ansioso e confuso.

Sistema gastrointestinal: vide HMA.

Demais sistemas sem alterações.

 

 

Antecedentes pessoais

Patológicos: Refere ser Hipertenso há 30 anos, não fazendo uso adequado de Enalapril 40mg. Refere ainda usar Sinvastatina 20mg/dia e Metoprolol, não sabendo a dosagem. Refere ter tido Infarto Agudo do Miocardio há 5 anos (aos 58 anos), sendo necessário cirurgia de Revascularização do miocárdio e usa AAS (infantil/rosa) desde então. Houve ao menos 4 episódios anginosos nos últimos anos, após à cirurgia; Há 15 anos, aproximadamente, fez cirurgia de Herniorrafia inguinal direita. Nega alergias, e transfusões sanguíneas.

Familiares: Pai e mãe hipertensos, falecidos por câncer gastrointestinal e IAM, respectivamente.

Hábitos de vida: Paciente mora com sua filha e genro. Pratica atividades físicas há 4 anos; tabagista de 1 carteira de cigarro ao dia.

Faz ingestão de álcool socialmente em eventos especiais. Nunca teve alimentação saudável. Está tentando se habituar nos últimos anos após o infarto.

Exame Físico

Geral: Sonolento, ruim estado geral, lúcido e orientado em tempo e espaço, ansioso e confuso. Estado nutricional: normal; Fácies: sofrimento agudo. Mucosas hipocrômicas (++/+IV).

Dados vitais: TA: 80×40 mmHg (Pulso fraco e filiforme)PR: 140 bpm; FR: 32 ipm; T: 37,8°C. Mediolíneo; Peso: 93,4Kg, Altura: 1,78m; IMC: 29,4 Kg/m2 .

Pele e fâneros: Pele fria e pálida, sudoreica, com cianose de extremidades. Sem outras alterações marcantes ou lesões elementares.

Cabeça e pescoço: Sem achados em crânio, face ou pescoço. Linfonodos normais, e sem alterações no exame da tireoide.

Aparelho respiratório: Sem alterações em formato do tórax, ausência de tiragem, taquipneico, com padrão de respiração normal. Expansibilidade preservada, FTV normal, som claro pulmonar à percussão em ambos HT, e MV normal em todos os campos pulmonares com ausência de RA.

Aparelho cardiovascular: Precórdio calmo, sem abaulamentos, não impulsivo. Ictus não visível, presente em 5º EIC na LHC. Bulhas rítmicas, em dois tempos, normofonéticas, com presença de sopro em foco mitral.

Abdome:

  • a. Inspeção: Abdome semi-globoso, cicatriz umbilical intrusa, presença de cicatriz em região inguinal direita; ausência de visceromegalias visíveis. Impulsões epigástricas visíveis, e presença de equimose em flancos (Sinal de Grey-Turner);
  • b. Ausculta: Ruídos hidroaéreos presentes. Sopros audíveis em foco aórtico;
  • c. Percussão: Timpanismo presente em todo o abdome. Macicez hepática preservada. Punho-percussão de Murphy presente. Giordano negativo;
  • d. Palpação: Abdome doloroso à palpação profunda em mesogástrio, ausência de visceromegalias. Presença de massa pulsátil em mesogástrio de pequena intensidade.

Exames Complementares

Exames laboratoriais:

Hemograma:

  • Hemácias: 3,5 milhões/mm³ (VR: 4,5 a 6 milhões/mm³).
  • Hemoglobina: 9 g/dL (VR: 12 a 17 g/dL).
  • Hematócrito: 36% (VR: 36% a 50%).
  • Leucograma: 11×10³ mm³ (VR: 5 a 10×10³ mm³).

Lactato: 5 mmol/L (VR: <2,5 mmol/L)

Gasometria (pO2): 65 mmHg (acima de 60 mmHg)

Gasometria (pCO2): 38 mmHg (entre 35 e 45 mmHg)

Gasometria (pH) : 7,4 (7,35 – 7,45)

Ultrassonografia de aorta abdominal:

TC DE ABDOME:?

Diagnóstico Sindrômico:

1. Abdome Agudo Hemorrágico (possui sudorese, pele fria, hipotensão, Grey-turner, taquicardia)

  • a. Ruptura de AAA;
  • b. Ruptura de artéria renal;
  • c. Ruptura de artéria esplênica;
  • d. Ruptura de artéria mesentérica superior;
  • e. Ruptura de artéria pancreática magna.

2. Abdome Agudo Vascular: (possui dor desproporcional ao exame físico, “dor mais forte da vida” + ausência de descompressão brusca”) -> Pode derrubar quem colocar vascular em primeiro por ter Grey-Turner)

  • a. Trombose mesentérica superior;
  • b. Trombose mesentérica inferior.
  • c. Embolia de mesentérica.

3. Abdome Agudo Perfurativo:

  • a. Ulcera péptica perfurada ou neoplasia (ambas são aceitáveis)

4. Abdome Agudo Inflamatório (ausência de exame físico, ausência de febre, a dor foi já de forte intensidade).

5. Abdome Agudo Obstrutivo.

Diagnóstico Final:

Aneurisma de aorta abdominal roto.

Comentário para a formulação diagnóstica:

Trata-se de um paciente idoso, de 63 anos, procedente de ilhéus-BA, sendo um bom informante. Paciente vem com a história de dor em dorso há uma semana com irradiação para quadril (pros quartos) como se estivesse pesando algo para o quadril. Depois de uma semana sentiu dor de forte intensidade em mesogástro e e flanco esquerdo referindo como pior dor da vida. Lembrar que devemos sempre lembrar do conceito de abdome agudo: Quadro clínico abdominal caracterizado por dor, de inicio súbito ou de evolução progressiva, incapacitante, que necessita de definição diagnóstica e conduta terapêutica imediata.

Para diagnóstico de AAA roto, uma dor em dorso que cursa em peso para os quadris pode ser sugestivo de um aneurisma, por conta do seu volume crescente dentro da cavidade retro-peritoneal. Quando ele estoura, ele pode ficar contido dentro da cavidade retroperitoneal causando dor intensa na região onde ele se original, nesse caso no mesogástrio e flanco esquerdo.

O paciente ainda relata ser coronariopata, e hipertenso tomando remédios para tal comorbidade, além de ser tabagista de longa data. Esses podem ser fatores de risco importante para a suspeita de um aneurisma. Além disso, pode suspeitar por conta desse fator de risco, de abdome agudo vascular, justamente por causa do risco de oclusão de artérias mesentéricas ou de embolia causa infartos intestinais graves. Portanto, esse abdome agudo ganhou um segundo lugar da lista de problemas mais prováveis e deve ser investigado.

O seu exame físico deixa bastante sugestivo de que há hemorragia dentro do paciente: Paciente frio, pálido, letárgico, cianótico, com pulso de 140 bpm, 32 ipm, e PA de 80×40 mmHg, e mucosas hipocrômicas. Paciente com taquicardia e frio deve ser considerado com perda hemorrágica até que se prove o contrário, associado a isso tem uma pressão arterial sistêmica baixa, o que caracteriza choque grau III, segundo o ATLS, apesar de não envolver um caso de trauma.

O exame físico ainda apresenta, na inspeção do abdome, impulsões epigástricas e sinal de Grey-Turner. O sinal de Grey-Turner é caracterizada por equimose em flancos, o que suspeita-se de hemorragia retro-peritoneal. Porém devemos ter cuidado, pois o mesmo sinal podem aparecer em outros acometimentos retroperitenais de origem hemorrágica, como por exemplo a pancreatite necrohemorrágica. Ainda no exame físico do abdome, encontramos sopro no foco aórtico, o que nos sugere ainda um aneurisma de aorta abdominal. Na palpação, encontramos abdome doloroso profundamente, e presença de impulsões epigástricas.

DIAGNÓSTICO SINDRÔMICO:

Os achados de impulsões epigástricas, sopro em foco aórtico associado a dor em dorso e quadril nos sugere um aneurisma de aorta abdominal. Porém, tendo isso associado a quadro clínico de dor incapacitante de alta intensidade, associado a sinais de choque, devemos pensar em um caso de abdome agudo hemorrágico como primeira hipótese. A associação dos fatores de risco presentes no paciente, associado a uma dor desproporcional ao exame físico, ou seja, não houve uma mudança da dor à palpação apesar de o paciente referir que a dor abdominal é bastante intensa, devemos pensar obrigatoriamente como segunda opção um abdome agudo vascular. O abdome agudo perfurativo deve vir em terceiro ligar por conta da intensidade da dor e origem súbita. O abdome agudo inflamatório ficou como o primeiro menos possível, em quarto lugar, por não haver sinais de inflamação, peritonite, ou até memso de um exame físico rico em achados. Porém ele não está em último por conta da dor inicial em dorso. Por ultimo, temos o abdome agudo obstrutivo, pois o caso não mostra nenhum sinal sugestivo.