Caso Clínico: Neurociências – Comprometimento Cognitivo Leve (CCL)

Imagem de um médico consultando um paciente
Índice

História Clínica

HJR, sexo masculino, 48 anos.

Queixa principal: esquecimento há um ano.

História da moléstia atual: paciente compareceu à consulta de rotina queixando de “Esquecimento”. Relata que iniciou a notar o sintoma referido há aproximadamente um ano com episódios de comprometimento da memória recente, como por exemplo, esquecer a senha bancária, sair de carro e ao chegar ao destino não lembrar o que foi fazer, entre outros. Refere eventuais crises de cefaléia, principalmente após longos períodos em contato com as tintas automotivas. Nega outras alterações cognitivas, como alteração na fala e percepção. Nega alterações comportamentais e de humor. Nega incapacidade em executar as atividades de vida diária (tomar banho, comer, fazer compras, usar o telefone).

 

Antecedentes patológicos: Relata DPOC há 10 anos. Não faz uso de nenhum medicamento. Presença de cardiopatias, DM tipo 2 e HAS.

Hábito de vida: ex-tabagista há 5 anos (40 anos/maço). Nega etilismo. Sedentário. Trabalha como pintor há 30 anos e faz uso dos Equipamentos Individuais de proteção inadequadamente (Máscara).

 

 

Exame físico

Pressão arterial: 120/80 mmHg

Tireoide: Palpável, sem nódulos com sinal de Pemberton negativo.

Aparelho respiratório: Murmúrio Vesicular predominante no tórax, bilateral, sem ruídos adventícios. Percussão sem alterações. Indolor à palpação. Frêmito Tóraco Vocal levemente diminuído.

Mini-exame do estado mental (MEEM): 25 pontos (paciente orientado quanto a tempo e espaço, linguagem e praxia preservadas, somente memória de evocação e cálculo alterados).

Teste de fluência verbal de animais: Dentro do esperado (11 animais em 1 minuto)

Teste do relógio: Sem alterações.

 

Exames complementares

Hemograma, glicemia de jejum, eletrólitos, uréia e creatinina, albumina, TGO, TGP, TSH, dosagem sérica de vitamina B12 e ácido fólico, sorologia para sífilis e HIV e TC de crânio.

Sem alterações.

 

Discussão

O envelhecimento normal engloba um declínio gradual nas funções cognitivas, dependentes de processos neurológicos que se alteram com a idade. Aparentemente estas alterações decorrem de uma redução da velocidade de processamento de informações e de mudanças em certas habilidades cognitivas específicas, em especial a memória, a atenção, e as funções executivas. Nos últimos anos, o conceito de Comprometimento Cognitivo Leve (CCL) ou Declínio cognitivo leve em idosos tem sido um tópico muito presente na literatura sobre envelhecimento e demência. Esta condição refere-se a idosos que têm algum grau de perda cognitiva quando comparados a pessoas normais da mesma faixa etária, mas que não preenchem critérios para demência. A importância do tema se justifica pela possibilidade de se determinar marcadores que possam sinalizar o grupo de indivíduos que evoluirá para um quadro demencial, e também pela perspectiva de intervenção neste grupo visando impedir este desfecho.

Do ponto de vista anátomo-patológico, comparando-se o cérebro de um idoso ao de um adulto jovem, se observa certo grau de redução de volume, que ocorre de forma irregular com uma preferência por determinadas áreas, como as regiões hipocampais, importantes para a memória, e os lobos frontais, responsáveis pelas funções executivas.  São encontrados, também, pequenas quantidades de placas senis (PS) e emaranhados neurofibrilares (ENF) no envelhecimento normal, sendo uma quantidade muito menor do que na doença de Alzheimer (DA). Estudos neuropatológicos mostram que idosos com comprometimento cognitivo, sem critérios para demência, podem apresentar PS e ENF num padrão intermediário entre o envelhecimento normal e a DA.

A prevalência de queixas de memória em idosos na comunidade é alta, com variação de 22% a 56%, correspondendo às alterações cognitivas mais evidentes nesta população. Dentre os principais tipos de memória, as mais afetadas no envelhecimento não patológico são a memória de trabalho e a memória episódica. Esta última diz respeito a informações recentes associadas ao cotidiano, e o seu comprometimento é o principal responsável pela queixa de esquecimento nos idosos.

O CCL tem sido classificado em vários subtipos, sendo que cada subtipo assume designações específicas.

  • CCL amnéstico -> Restringe-se a alterações de memória recente. Indivíduo mantém globalmente intacto as outras funções cognitivas, desempenha regularmente suas atividades instrumentais de vida diária.
  • CCL de múltiplos domínios cognitivos alterados, incluindo-se memória -> Indivíduo apresenta no mínimo dois domínios cognitivos simultaneamente comprometidos sem, contudo, preencher os critérios clínicos para demência.
  • CCL com alteração cognitiva única, exceto memória ->Indivíduos com uma função cognitiva isolada afetada.
  • CCL com alterações cognitivos múltiplas, exceto memória -> Indivíduo apresenta no mínimo dois domínios cognitivos simultaneamente comprometidos.
  • CCL de origem vascular -> Microinfartos cerebrais

É importante ressaltar que, embora a grande maioria dos pacientes com CCL sejam idosos e tenham evoluído para esse quadro sem exposição específica a algum fator degradante, pessoas que não estejam acima dos 65 anos podem desenvolver CCL se expostos a substâncias que atravessam a barreira hemato-encefálica e são potencialmente prejudiciais ao Sistema Nervoso.

Uma breve investigação da função cerebral deve fazer parte da avaliação dos idosos; não leva mais que poucos minutos, devendo ser incorporada ao exame médico. A anamnese do paciente que chega ao consultório com queixas de alterações cognitivas deve incluir a busca de evidências de mudanças no aspecto cognitivo nos últimos anos e sinais de que essas possíveis deficiências possam estar associadas a perdas funcionais. Muitas vezes, a atenta observação do relato do paciente, verificando sua capacidade de fornecer uma história coerente, com sequência apropriada, sem muitas dificuldades para encontrar as palavras necessárias, já pode render informações valiosas. A confirmação dos sintomas por um cuidador, parente, amigo ou outra pessoa que tenha contato regular com o paciente é fundamental, pois ajuda a determinar o quanto o indivíduo mudou em relação às suas próprias capacidades, sendo útil em especial, nas situações onde o déficit é muito leve ou questionável.

 

Avaliação cognitiva

O Paciente com CCL pode ser submetido a vários tipos de testes de áreas específicas para identificar comprometimentos focais. Por exemplo, a utilização do Mini-Mental, do Teste do Desenho do Relógio e a utilização da Escala de Classificação de Demências é amplamente feita, tendo em vista que cada teste avalia uma área e auxilia no direcionamento das áreas mais afetadas, já que não existe um teste específico para diagnóstico do paciente com CCL. Porém, estes testes são mais úteis para avaliações iniciais. Quando surgirem dúvidas a cerca do caso uma avaliação mais detalhada precisa ser feita.

O Miniexame do Estado Mental (MEEM) é um exame em que os aspectos de Orientação, Registro, Atenção e Cálculo, Evocação e Linguagem são avaliados por meio de 11 perguntas ou comandos. O teste consiste em um total de 30 pontos, o valor de 27 ou mais pontos indica que o indivíduo está normal, e o de 24 ou menos indica demência, exceto se a pessoa possui menos de 4 anos de escolaridade, nesse caso o valor passa a ser 17. Com a Doença de Alzheimer, espera-se que a pontuação do paciente reduza entre 2 e 3,5 pontos por ano.

 

 

 Teste do Relógio

O Teste do Relógio consiste em pedir ao paciente que desenhe um relógio com os números marcando um horário determinado, geralmente esse horário é 8:40, pois há um ponteiro em cada lado do relógio, de modo que os dois hemisférios são avaliados, mas os horários variam de acordo com o autor. Esse exame avalia a capacidade funcional do indivíduo, de modos que o MEEM algumas vezes não consegue avaliar, além disso ele é muito utilizado por ser um teste simples e de fácil aplicação. A pontuação do teste vai de 0 a 10, e é avaliada a integridade do mostrador do relógio, os números e os ponteiros. Entre 9 e 10 pontos, o indivíduo é considerado normal, entre 7 e 8 deve-se suspeitar de alguma anormalidade, e menor do que 7 é considerado anormal.

Exames complementares também podem ser utilizados para avaliação neurológica mais minuciosa. Hemograma, glicemia, perfil lipídico, vitamina B12, Função tireóidea, sorologia para sífilis e exames de neuroimagem são componentes de um roteiro básico para esse tipo de avaliação. A Tomografia Computadorizada (TC) pode ser utilizada para avaliar atrofias cerebrais, porém acaba deixando muita dúvida entre os efeitos do declínio cognitivo em si e as alterações fisiológicas do envelhecimento. A Ressonância Magnética Nuclear (RMN) pode mostrar alterações cerebrais com diminuição de algumas áreas que podem ser fatores predisponentes para conversão em Doença de Alzheimer. Estudos também têm sido feitos com biomarcadores como a proteína tau e o peptídeo B-Amilóide, para tentar correlacioná-los com o surgimento de demências. A grande preocupação do CCL é a conversão para a Doença de Alzheimer.

A terapia medicamentosa não tem muitas indicações e nem comprovações científicas eficazes, deixando mais evidente que os hábitos de vida saúdáveis cognitiva e fisicamente compõem o melhor tipo de tratamento que se pode ser prescrito.

Com o CCL devidamente estudado temos como Hipótese Diagnóstica que o paciente do caso desenvolveu um comprometimento Cognitivo Leve por intoxicação de solventes químicos presentes nas tintas dos carros. A conduta para esse caso foi o afastamento permanente do paciente do trabalho; Estimulação cognitiva diária por meio de atividades como Sudoku, Quebra-cabeças, caça-palavras e quaisquer outras atividades que exijam trabalho cognitivo; Acompanhamento com testes cognitivos de 6 em 6 meses para avaliação/prevenção de uma possível evolução para algum tipo de Demência.

 

 

REFERÊNCIAS

FREITAS, Elizabete; PY, ligia; CANÇADO, Flávio; DOLL, Johannes; GORZONI, Milton. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006

CLEMENTE, R.; RIBEIRO-FILHO, S. (2008). Comprometimento Cognitivo Leve: Aspetos conceituais, abordagem clínica e diagnóstica. Revista do Hospital Universitário Pedro Ernesto, 7(1), 68-77.

OLIVEIRA, Renata M. da S. O Teste do Relógio. Porto. Tese de Mestrado apresentada à Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

BRASIL. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Cadernos de Atenção Básica número 19. 2006.

Autores: Arthur Felipe da Silva; Nathália Roscoe e Firace; Vinícius dos Santos Sá Rodrigues

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