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Apresentação do caso clínico
J. F. F., 31 anos, natural de Salvador-BA, sexo feminino, heterossexual, brasileira, advogada, branca, ensino superior completo, católica. Aciona o serviço de emergência às 2:35 da noite queixando-se de dor torácica e falta de ar há 30 minutos. Ao chegar no local, os socorristas avaliaram a segurança da cena e se paramentaram.
Na avaliação primária do atendimento pré-hospitalar, o “XABCDE”, não foi detectado nenhum sangramento exsanguinante. A paciente se apresentava comunicativa, não havia sinais de obstrução das vias aéreas, no entanto, foi observado pelo socorrista a presença de resquícios de sangue nos lábios e face da paciente. Ao ser questionada, ela relatou que, além da dor torácica, estava tossindo muito e que essa tosse vinha acompanhada de sangue, estando muito preocupada. Além disso, foi notado na paciente distensão venosa jugular. Em relação ao exame do aparelho respiratório, a paciente estava taquipneica e ofegante, sendo iniciada a monitorização. A frequência respiratória era de 32 ipm, a saturação de oxigênio era 91% em ar ambiente e, na ausculta pulmonar, apresentava creptos.
Na etapa C, foi verificada a presença B2 hiperfonética (sugestiva de hipertensão pulmonar). Ademais, a paciente estava pálida, pulso periférico com amplitude reduzida, frequência cardíaca aumentada (FC = 112 bpm), tempo de enchimento capilar de 3 segundos e PA de 100 x 80 mmHg. Diante dos achados até o momento e devido ao quadro de dor torácica, a equipe contatou a regulação para agilizar o transporte, dando seguimento à avaliação na ambulância. J.F.F. obteve pontuação 15 na escala de coma de Glasgow e se apresentava muito agitada. No exame pupilar, pupilas isocóricas e fotorreagentes. No E, não foram detectadas alterações, sendo o foco então a prevenção para hipotermia. Durante a avaliação secundária, foi observado edema (++/IV) em membro inferior direito (MID), sendo referenciada dor à palpação da panturrilha e sinal de Homans positivo. Foi coletada a história SAMPLE, sendo que a paciente relatou uso de anticoncepcional contínuo há 10 anos, internação nas últimas duas semanas, quando se submeteu a um procedimento cirúrgico no joelho não sabendo informar se fez uso de medicamento anticoagulante. Na HMA, a paciente informa que estava dormindo e acordou com a dor torácica, localizada em região subesternal, intensidade 7/10, piora com a expiração, associada a dispneia e tosse hemoptoica.
A paciente foi admitida no hospital com o escore 16 na escala de Genebra modificada, caracterizando uma alta probabilidade de Embolia Pulmonar. Foi realizado um suporte com oxigênio complementar, acesso vascular e monitorização cardíaca. Como exames complementares, foi solicitado um Eletrocardiograma e Tomografia Computadorizada de Tórax para confirmar a suspeita diagnóstica de Embolia Pulmonar.
No eletrocardiograma, foi confirmada a taquicardia da paciente, várias alterações na onda ST-T, além de ser encontrado o padrão clássico S1-Q3-T3 descrito para TEP aguda. Além disso, foi detectado um desvio do eixo QRS para a direita, inversão de onda T nas precordiais de V1-V3, bloqueio do ramo direito total e padrão Qr em V1.
Em seguida, a paciente realizou uma Tomografia Computadorizada de Tórax que foi detectado um defeito de enchimento parcial central circundado por um pequeno halo de contraste nas artérias do lobo médio e lobos inferiores. Também foram vistas atelectasias lineares.
Dado o diagnóstico de Embolia Pulmonar, o tratamento incluiu a administração de oxigênio e de heparina, por via intravenosa, para evitar de forma rápida o aumento dos coágulos já existentes e a formação de novos coágulos. Droga que foi posteriormente substituída por varfarina que possui os mesmos efeitos, mas ação mais lenta. A implantação de um filtro na veia cava e a embolectomia foram descartadas nesse caso.
A paciente ficou internada por 14 dias e foi liberada para casa para tratamento com medicamentos anticoagulantes e, 6 meses depois, voltou ao pronto socorro para receber alta definitiva do seu caso de Embolia Pulmonar.
Questões para orientar a discussão
- Como devemos investigar casos de Dor Torácica no pronto-socorro?
- Quais os diagnósticos diferenciais do caso clínico exposto?
- Como funciona a Escala de Genebra e de Wells para Embolia Pulmonar?
- Além da TEP, qual outro problema vascular J.F.F. pode ter?
- O que é o Sinal de Homans?
Respostas
1. As descrições dos pacientes sobre seus sintomas podem ser úteis em alguns casos, mas o médico na emergência deve ter cuidado com diagnósticos prematuros baseados apenas na história. Vários estudos demonstram que as apresentações “atípicas” ocorrem com mais frequência do que se pensava anteriormente e a má interpretação dessas apresentações aumenta o risco de erros de diagnóstico e resultados indesejados. Assim, devemos colher uma história detalhada, com foco em:
- Início da dor (súbita, gradual, crônica)
- Fatores desencadeantes (esforço, no repouso)
- Característica da dor (aperto, queimação, dor pleurítica)
- Irradiação (ombros, mandíbula, dorso)
- Localização (subesternal, precórdio, dorso, difusa, localizada)
- Duração (contínua, episódica, duração dos episódios)
- Sintomas associados (náusea, vômito, palidez, sudorese)
- Fatores de risco (Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS), Diabetes Mellitus (DM), Doença Arterial Coronariana (DAC), doenças valvares, história de gravidez)
- Eventos recentes (trauma, cirurgias, imobilização)
- Idade
- Início da dor – Dor de início súbito e grave está associada com dissecção aguda de aorta, pneumotórax e tromboembolismo pulmonar (TEP). No pneumotórax espontâneo, a dor surge no repouso, sem fatores precipitantes. Por outro lado, a dor característica da Síndrome Coronariana Aguda (SCA) tipicamente tem início gradual e piora com o tempo. Na angina estável, a dor torácica tem início a partir do aumento da demanda de oxigênio e necessidade de maior trabalho miocárdico, limitado pela oferta ao tecido cardíaco oriundo da baixa reserva coronariana.
- Localização e qualidade da dor – as dores de origem isquêmica podem ser caracterizadas como uma sensação de peso, aperto, opressão ou compressão. Características como “dor em facada”, aguda, pleurítica ou posicional são menos prováveis de terem origem isquêmica. O alívio da dor após administração de nitrato não permite a distinção entre dor de origem cardíaca ou não cardíaca.
- Sintomas associados – Náusea, sudorese e vômito frequentemente acompanham a dor torácica associada à SCA, mas não predizem SCA. Alterações no padrão respiratório estão associadas a acometimento pulmonar e podem ser sintomas predominantes em TEP e pneumotórax. Taquipneia é comum no TEP, acompanhada de sibilância. Tosse, síncope e hemoptise podem ocorrer no TEP e são sintomas comuns nos casos de exacerbação da DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica).
- Exames prévios – Muitos pacientes com dor torácica já foram submetidos a testes de diagnóstico para episódios anteriores, cujos resultados podem ser úteis. Como exemplo, um cateterismo cardíaco recente com vasos normais ou minimamente doentes afasta virtualmente a possibilidade de uma síndrome coronariana aguda (SCA).
2. A história do paciente, as comorbidades e a descrição dos sintomas ajudam a restringir o escopo dos diagnósticos em potencial e a estratificar o risco do paciente para doenças. Os principais diagnósticos que devem ser avaliados são os seguintes:
- Síndrome Coronariana Aguda
- Tromboembolismo Pulmonar
- Tamponamento Cardíaco
- Dissecção Aguda de Aorta
- Pneumotórax Hipertensivo
- Ruptura de Esôfago
3. Pode-se avaliar a probabilidade clínica de pela combinação dos achados do ECG e da radiografia de tórax com os da história e do exame físico, mas pode ser utilizada duas escalas para auxiliar os médicos a avaliar a probabilidade de haver uma embolia pulmonar aguda: Escalas de Genebra e Wells. São índices preditivos que atribuem pontos a vários fatores clínicos, com pontuações cumulativas correspondendo a designações da probabilidade de EP antes do teste (probabilidade pré-teste). Por exemplo, o resultado da classificação de Wells é classificado como provável ou improvável para EP.


4. J. F.F. apresenta sinais e história clínica que favorecem a suspeita diagnóstica de uma possível trombose venosa profunda (TVP). Nesse caso, o uso de anticoncepcionais orais por um longo período, associado ao histórico de cirurgia recente no joelho direito, sem relato de tratamento profilático para trombose propiciaram a formação de um trombo. A presença do trombo, acaba resultando em uma aumento da força hidrostática e extravasamento de água para o interstício na região da obstrução, o que justificaria a presença do edema unilateral. A dor à palpação e o sinal de Homans positivo, que fortalecem, mas não que não fecham o diagnóstico, ocorrem tanto pela compressão local de estruturas quanto pelo processo inflamatório que a trombose desencadeia.
5. O sinal de Homans é a presença de dor ou desconforto na panturrilha na dorsiflexão do pé e que pode estar presente em situações de TVP.
Autores, revisores e orientadores:
Liga: Liga Acadêmica de Emergências Pré-Hospitalares – @laephbahiana
Autor(a) : Ludmila Oliveira de Jesus – @oliveira.lud
Coautor (a): Maria Eduarda Lehubach F. Prates – @dudalehubach
Revisor(a): Guilherme Ribeiro Soares – @guiu.soares
Orientador(a): André Dantas Zimmermann, Tauá Vieira Bahia e Ivan de Mattos Paiva Filho
O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de Ligas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências
PHTLS – Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado. 9ª ed. Jones & Bartlett Learning, 2019
MEDICINA de emergência: abordagem prática. 13.ed.,2019.
AMLS – Advanced Medical Life Support: Atendimento pré-hospitalar às emergências clínicas. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014.
MEDICINA de emergência: Emergências Clínicas. 9.ed, 2014