Cardiologia

Caso Clínico: Insuficiência Cardíaca (dispneia e edema | Ligas

Caso Clínico: Insuficiência Cardíaca (dispneia e edema | Ligas

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Estude com a Sanar sobre insuficiência cardíaca!

Identificação do paciente

S.R.C, 56 anos, sexo masculino, casado, agricultor, natural e procedente de Guaramiranga

Queixa principal

Paciente chega à unidade apresentando dispneia e edema em membros inferiores. Referindo a dispneia e dificuldade para dormir a 07 dias.

História da doença Atual (HDA)

Paciente vinha bem quando há poucos meses começou a perceber dificuldade no trabalho e que há uma semana vem piorando ao ponto de ter que interromper a atividade várias vezes ao dia para descansar.

Notou que as pernas começaram a ficar edemaciadas ao final do dia. Ainda refere que há uma semana acorda à noite com tosse e falta de ar, mas com alívio ao sentar-se na cama.

O paciente relatou que nos últimos meses está urinando menos e sentido muita sede no período da noite.

Antecedentes pessoais, familiares e sociais

Paciente refere ter hipertensão arterial sistêmica (HAS) há 30 anos, que era controlada, porém há 6 anos apresentou um infarto do miocárdio, alterando o tratamento.

Refere que possui o hábito de beber quase todos os dias uma dose de destilados e que foi tabagista por 40 anos, com 2 carteiras de cigarro ao dia, mas parou há 6 anos logo após o episódio de infarto.

Ainda relatou que aos 20 anos apresentou doença reumática com quadro de cansaço, dores nas articulações e febre. Nega alergias alimentares e medicamentosas.

História familiar

Pai etilista e hipertenso, já falecido aos 80 anos por AVC isquêmico. Mãe, viva, diabética há 20 anos. Relata ter 2 irmãos e 2 irmãs, o irmão mais novo tem HAS e uma irmã com 49 anos em tratamento para Leucemia, desconhece comorbidades dos outros irmãos. Sua avó paterna faleceu aos 80 anos por AVC.  

História psicossocial

Reside em casa de alvenaria com 3 cômodos que coabita com sua esposa e 3 filhos, consome água mineral, usufrui de luz elétrica e rede de saneamento básico.

Exame físico

Bom estado geral, lúcido e orientado em tempo e espaço, acianótico, anictérico, hidratado, mucosas hipocoradas (++/+4) afebril (36 c), com PA de 190 x 60 mmHG, FC de 114 bpm, FR de 26 ipm, jugulares túrgidas (++/4), edema de MMII com varizes, edema (+++/4+) e extremidades frias.

Sistema Cardiovascular: ictus palpável no 6 espaço intercostal, bulhas taquicardicas com B3 e sopro holossistólico em foco mitral.

Sistema Respiratório: estertores teleinspiratórios nos terços de ambos os pulmões.

Sistema gastrointestinal: Abdome globoso, com fígado palpável a 11 cm do RCD

Suspeitas diagnósticas

  • Insuficiência Cardíaca
  • Doença de Chagas

Exames complementares

  • ECG: taquicardia sinusal + Hipertrofia ventricular esquerda
  • Ecocardiograma: FE: 39% com hipocinesia difusa e refluxo mitral
  • Rx de tórax: índice cardiotorácico aumentado
  • Sorologia para chagas: não reagente

Diagnóstico

A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica complexa, de caráter sistêmico, que se caracteriza por inadequado suprimento sanguíneo para atender necessidades metabólicas tissulares, na presença de retorno venoso normal, ou fazê-lo somente com elevadas pressões de enchimento.

Nos pacientes com IC, os achados da história clínica e exame físicos apresentam grande importância pois vão fornecer além do diagnóstico sindrômico, informações sobre a etiologia e o prognóstico da doença.

Para o diagnóstico usamos os critérios de Framingham e Boston, onde a presença de dois critérios maiores ou um critério maior e dois menores confirmam o diagnóstico de IC, juntamente com o ecocardiograma transtorácico (imagem de escolha para o diagnóstico e o seguimento de pacientes com suspeita de IC).

O ecocardiograma vai permitir a avaliação da função ventricular sistólica esquerda e direita, da função diastólica, das espessuras parietais, do tamanho das cavidades, da função valvar, da estimativa hemodinâmica não invasiva e das doenças do pericárdio.

A presença de ortopneia e dispneia paroxística noturna não são sintomas patognomônicos, porém mais específicos para a IC. O histórico familiar são dados que auxiliam no diagnóstico.

Os critérios de Framingham e Boston

Critérios maiores:

  • a) Dispneia paroxística noturna;
  • b) Turgência jugular;
  • c) Crepitações pulmonares;
  • d) Cardiomegalia (à radiografia de tórax);
  • e) Edema agudo de pulmão;
  • f) Terceira bulha (galope);
  • g) aumento da pressão venosa central (> 16 cm H2O no átrio direito);
  • h) refluxo hepatojugular;
  • i) Perda de peso > 4,5 kg em 5 dias em resposta ao tratamento.

Critérios menores:

  • a) Edema de tornozelos bilateral;
  • b) tosse noturna;
  • c) dispnéia a esforços ordinários;
  • d) Hepatomegalia;
  • e) derrame pleural;
  • f) Diminuição da capacidade funcional em um terço da máxima registrada previamente;
  • g) Taquicardia (FC > 120 bpm).

Critérios menores são aceitáveis apenas se eles não puderem ser atribuídos a uma outra condição clínica (tais como hipertensão pulmonar, DPOC, cirrose, ascite ou síndrome nefrótica).

Discussão do caso de Insuficiência Cardíaca

  1. Quais as manifestações da IC?
  2. Como ocorre a IC?
  3. Como é feito o tratamento?

Principais manifestações:

– Dispneia ao esforço
– Ortopneia
– Edema periférico em membros inferiores

A partir da suspeita clínica é importante confirmar o diagnóstico de IC e determinar sua etiologia. A insuficiência cardíaca é uma síndrome e, portanto, um conjunto de sinais e sintomas comuns a várias doenças. As etiologias mais comuns em nosso meio são cardiomiopatia dilatada, hipertensiva, isquêmica, valvar, alcoólica e chagásica.

Como ocorre?

A insuficiência cardíaca está relacionada a uma disfunção ventricular, que faz o coração parar de fornecer sangue suficiente para os tecidos para suprir as necessidades metabólicas.

Na IC aguda com fração de ejeção ventricular reduzida (FEVEr), há uma redução do volume sistólico aguda (volume ejetado) e o organismo se utiliza de mecanismos de compensação com o objetivo de preservar o fluxo sanguíneo para os tecidos com prioridades, cérebro e coração. Há aumento da frequência cardíaca, ativação neuro-hormonal e utilização do mecanismo de Frank-Starling.

A fisiopatologia da IC crônica com FEVEr se relaciona com aumento progressivo remodelamento do ventrículo esquerdo com uma dilatação consequentemente, modificação da forma e redução progressiva da fração de ejeção e se esvazia de maneira inadequada, isso devido a uma “agressão” inicial regional ou global ao miocárdio.

Já a insuficiência cardíaca com fração de ejeção ventricular preservada (FEVEp), o enchimento ventricular está comprometido, consequentemente um aumento da pressão diastólica final em repouso ou durante o exercício. No entanto, a contratilidade global e, portanto, a fração de ejeção permanecem normais.

Como é feito o tratamento?

O tratamento da IC abrange alguns tipos de medidas farmacológicas divididas em:

  • drogas que prolongam a sobrevida;
  • drogas que não prolongam a sobrevida, mas melhoram os sintomas; e
  • drogas que não prolongam a sobrevida e nem melhoram os sintomas.

O primeiro grupo de drogas consiste em bloquear a resposta neuro-hormonal que leva ao remodelamento cardíaco. As duas principais medidas para esse bloqueio são feitas por meio do uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e betabloqueadores (BB).

Os IECA exercem efeito benéfico enquanto classe, ou seja, todos os componentes desta classe podem ser utilizados. Já os BB só são utilizados no carvedilol, metoprolol e bisoprolol. Caso o paciente tenha alguma intolerância exclusiva ao IECA é recomendado o uso de bloqueadores do receptor AT1 de angiotensina (BRA).

As drogas que não prolongam a sobrevida, mas melhoram os sintomas englobam os diuréticos, de preferência os que atuam na alça de henle (diuréticos de alça), como a furosemida. Esses medicamentos têm como objetivo combater a hipervolemia dos pacientes.

As drogas que não prolongam a sobrevida e nem melhoram os sintomas tem como objetivo controlar de forma segura e eficaz a hipertensão arterial do paciente. São eles os antagonistas de cálcio dihidropiridínicos de longa duração (vasos seletivos), como a anlodipina.

Exemplo de esquema terapêutico:

Paciente entra com uso de Espironolactona 25mg 1x ao dia (VO), após 5 dias inicia uso de metoprolol (BB) de 25mg 1x ao dia (VO) associado ao uso de captopril (IECA) 6,25mg de 8/8h (VO) ou losartana de 25 mg 1x ao dia (VO).

Conclusão

O paciente apresenta IC provável por etiologia isquêmica ou cardiopatia hipertensiva em fase dilatada (pós-remodelamento mal-adaptativo). Ecocardiograma e eletrocardiograma (ECG) são exames complementares que podem auxiliar nesse diagnóstico.

Raio X de tórax e exames laboratoriais de função renal e dosagem de eletrólitos são úteis sobretudo na prescrição de medicamentos no manejo agudo de descompensação.

No exame físico, o paciente apresenta sinais de IC crônica (cardiomegalia) gravemente descompensada, com evidência de congestão pulmonar e baixo débito (disfunção de ventrículo esquerdo), congestão sistêmica e ativação adrenérgica.

Um esquema terapêutico inicial para esse paciente consiste no uso de diurético intravenoso e vasodilatadores, objetivando balanço hídrico negativo, euvolemia e melhora do débito cardíaco.

Após compensação inicial adequada, a próxima etapa é a introdução gradual de fármacos que possibilitem a melhora da sobrevida, como IECAs (caso já não tenham sido usados inicialmente), betabloqueadores e espironolactona.

Autores, revisores e orientadores:

  • Liga: Liga Acadêmica de Medicina Generalista – @lamegeunime
  • Autor(a): Maria Luiza Barreto Cafezeiro – @mluizabcafe
  • Viviane Solano Lutif – @vivilutif
  • Revisor(a): Mayara Leisly – @mayleisly
  • Orientador(a): Mayara Leisly – @mayleisly

O texto acima é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Referências                        

Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. v.111, n. 3, p. 436-539, 2018.

MANN, D.L, et al. Braunwald – tratado de doenças cardiovasculares. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.

MARTINS, M.A; CARRILHO, F.J; ALVES, V.A.F; CASTILHO, E.A; CERRI, G.G. Clínica Médica, volume 2: Doenças Cardiovasculares, Doenças Respiratórias, Emergência e Terapia Intensiva. 2. ed.Barueri, SP: Manole, 2016.