Ciclo Clínico

Caso Clínico: Micose pulmonar: paracoccidioidomicose | Ligas

Caso Clínico: Micose pulmonar: paracoccidioidomicose | Ligas

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Área: Pneumologia/Clínica Médica

Autores: Luana Silva Santana

Revisor(a): Catarina Fagundes Moreira

Orientador(a): Maria Fernanda Malaman

Liga: Liga Acadêmica de Clínica Médica (LACM)

Apresentação do caso clínico

MF, 53 anos de idade, sexo masculino, negro, trabalhador rural, residente de Canindé de São Francisco, interior de Sergipe, procurou pneumologista devido a tosse seca há 3 meses. Paciente refere tosse não produtiva associada febre baixa diárias há 3 meses, aferida com termômetro axilar chegando ao máximo de 38.  Além disso, apresentou prostração e inapetência. Relatou uso há 15 dias de AINE (ibuprofeno 500mg) por 5 dias com melhora parcial dos sintomas. Após interrupção do medicamento, percebeu progressão do quadro e procurou atendimento médico para a queixa sendo medicado com amoxicilina/clavulanato por 5 dias, persistindo a tosse seca, fraqueza e febre irregular. Relatou também a perda de 5kg desde o começo dos sintomas e aparecimento de lesões crostosas nasais e orais.

Relata ter diabetes melito tipo 2, com interrupção de tratamento há 6 meses. Nega tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas, outras doenças e uso de outros medicamentos durante o período.

Ao exame físico, apresenta-se em regular estado geral, orientado no tempo e no espaço, afebril, acianótico, anictérico, hidratado, hipocorado, eupneico, normocárdica (FC 70bpm) e normotenso (PA 130x80mmHg). Rinoscopia revela lesões ulcerativas em região septal com aspecto granulomatoso. Na ausculta pulmonar, murmúrio vesicular está reduzido em terço superior do hemitórax direito, mas sem ruídos adventícios. Aparelho cardiovascular com bulhas rítmicas, normofonéticas em dois tempos sem sopros. Abdome flácido, globoso, ruídos hidroaéreos normoativos, ausência de visceromegalias e dor a palpação. Ausência de insuficiência venosa periférica e edema de extremidades.

Paciente foi encaminhado a otorrinolarigolongista o qual realizou biópsia das lesões para exame histopatológico e pesquisa. Somado a isso, foi solicitada tomografia de tórax, ultrassonografia abdominal, exames laboratoriais, baciloscopia e cultura para M. tuberculosis em escarro.

Ultrassonografia abdominal revelou discreta esplenomegalia, enquanto TC de tórax apresentou condensação em terço superior em ambos os pulmões. Os exames laboratoriais indicaram: Hemoglobina 14g/dl, leucócitos 18.961/mm³ (neutrófilos 5.106; eosinófilos 11.256; basófilos 140; linfócitos 1.648; monócitos 541), Proteína C Reativa 6,9mg/dl; VDRL, anti-HIV, FTA-Abs e ANCA-c negativos. Baciloscopia e cultura para M. tuberculosis estavam negativos.

Diante dos resultados, foi solicitada pesquisa por contraimunoeletroforese de anticorpos séricos antifúngicos para Paracoccidioidomicose, Histoplasmose e Criptococose, a qual deu positivo para paracoccidioidomicose. O mesmo resultado foi encontrado a partir da biópsia da lesão nasal. Sendo, então, iniciado tratamento com itraconazol 200mg/dia a cada 8 horas.

Questões para orientar a discussão

1. Quais são as principais apresentações clínicas da paracoccidioidomicose?

2. Como é realizado o diagnóstico da doença?

3. De que forma a micose em questão se apresenta radiologicamente?

4. Por que foram solicitados FTA-Abs, VDRL e ANCA-c?

5. Identifique os critérios de cura para a doença.

Respostas

1.  A paracoccidioidomicose geralmente é assintomática e não causa manifestações clínicas, entretanto quando causa doença, ela pode se apresentar de duas formas principais: a aguda-subaguda e a crônica.

  • Aguda/subaguda (juvenil): representa apenas 10% dos pacientes com manifestações clínicas e é mais comum em pacientes jovem menores que 30 anos de idade e normalmente imunodeprimidos. É uma doença que afeta o sistema reticuloendotelial, comprometendo fígado, baço, medula óssea e linfonodos, e ocorrendo linfadenopatia e hepatoesplenomegalia. Além disso, o paciente pode ter febre, astenia, perda ponderal, lesões cutâneas e pulmonares.
  • Crônica (adulto): é a forma mais comum, presente em 90% dos pacientes, que acomete preferencialmente homens mais velhos. Em contraste da forma juvenil, apresenta evolução progressiva e lenta durante muitos anos. Clinicamente, o acometimento pulmonar é bastante semelhante a tuberculose pulmonar e outras infecções fúngicas do pulmão. As lesões de mucosas são ulcerativas ou nodulares, geralmente nas narinas anteriores, na cavidade oral e na laringe, podendo levar a disfonia e estenose de vias aéreas, enquanto as lesões cutâneas estão geralmente na face e podem ser papulares, nodulares, ulcerativas ou em forma de placa. O envolvimento adrenal foi demonstrado em 90% dos pacientes durante realização de autópsia, portanto, sintomas associados a esse acometimento também podem estar presentes.

2. A confirmação diagnóstica é feita a partir da identificação do agente etiológico, Paracoccidioides brasiliensis, por meio de cultura. Contudo, o resultado pode demorar até 4 semanas, por ser o tempo que o agente demora para crescer no meio in vitro. Por isso, em casos mais graves que necessitam de tratamento mais urgente, pode ser realizado o diagnóstico presuntivo por meio da análise histopatológica de amostras do trato fluidos corporais, expectoração ou material purulento, onde os achados mais característicos são o sinal do “Mickey Mouse” e a aparência de “leme de um navio”. Além desses, também podem ser solicitados testes sorológicos como imunodifusão dupla (IDD), contraimunoforese (CIE), ELISA e imunnoblotting.

3. Apesar de não existir padrão radiológico específico para doença e ela poder se apresentar de diferentes formas, comumente aparece como infiltrado reticulonodular bilateral, simétrico, em terço médio, conhecido como lesão em “asas de borboleta”. Outras classificações das lesões pulmonares na paracoccidioidomicose são os padrões miliar, nodular, pneumônico, cavitário e fibroso, variando de acordo com a fase evolutiva da doença.

4. Devido a característica granulomatosa das lesões nasais do paciente, esses exames foram solicitados para investigar causas mais comuns de tal apresentação. O FTA-Abs e o VDRL são testes para identificar a infecção pelo Treponema pallidum, bactéria causadora da sífilis. A sífilis em seu estágio primário se apresenta em forma de úlcera indolor de 1 a 2 cm de diâmetro. Já o ANCA-c é um marcador de anticorpo dirigido à proteinase-3, protease presente nos grânulos dos neutrófilos que apresenta mais de 90% de especificidade com a granulomatose de Wegener, doença sistêmica que acomete preferencialmente vias aéreas caracterizada por vasculite necrosante granulomatosa. Portanto, os três exames são essenciais para descartas diagnósticos diferenciais da paracoccidioidomicose.

5. Negativação do título de anticorpos ou estabilização em valores baixos, exame micológico direto da secreção respiratória negativo, regressão de sintomas e adenomegalia, cicatrização das lesões tegumentares.