Carreira em Medicina

Caso Clínico: Nefropatia Diabética | Ligas

Caso Clínico: Nefropatia Diabética | Ligas

Compartilhar
Imagem de perfil de Comunidade Sanar

A nefropatia diabética é comum, acometendo 1 em cada 4 mulheres e 1 em cada 5 homens que possuem diabetes mellitus tipo 2, sendo ainda mais comum em pacientes que possuem diabetes mellitus tipo 1.

Corresponde a esclerose e fibrose glomerulares causadas por alterações metabólicas e hemodinâmicas do diabetes mellitus, de início totalmente assintomático ou com mínimas manifestações urinárias, pode evoluir com perda de proteínas pela urina, insuficiência renal e, em casos avançados, para situações em que há necessidade de diálise.

Identificação do paciente

M.M.O, 53 anos, parda, brasileira, natural de Sobral, dona de casa, católica e heterossexual.

Queixa principal

A paciente refere que a cerca de 2 meses um inchaço começou a aparecer nos pés e tornozelos de tal forma que não conseguia calçar sapatos.

História da doença Atual (HDA)

A paciente relata que a cerca de 2 meses começou a perceber a formação de edema na região dos tornozelos e dos pés que dificultam o uso de sapatos. Para tal problema, a paciente realizou automedicação de um diurético, porém não se recorda o nome de tal medicamento, e além disso confirma que esse diurético conseguiu ajudar por um período de tempo.

Ademais, a paciente observou que nos últimos meses, que coincidem com a presença do edema, obteve um aumento de peso em torno de 10 quilos. Esse fato deixou a paciente surpresa, pois a mesma relata que pratica exercícios físicos de forma regular.

Outrossim, afirma que quando está urinando percebe que a sua urina é espumosa, algo que não era observado em meses anteriores ao aparecimento do edema.

Antecedentes pessoais, familiares e sociais

A paciente possui diabetes mellitus, porém afirma que sua glicemia não está controlada e, além disso, não procura seu endocrinologista há cerca de 2 anos. Porém afirma que utiliza glibenclamida para sua diabetes.

Nega o uso de bebidas alcoólicas e tabagismo, e também nega o uso de drogas ilícitas. Ademais, pratica atividades físicas regularmente.

Mora com o marido e 2 filhos em casa de alvenaria, com água encanada, sistema de saneamento básico e coleta de lixo. Nega viagens recentes e também nega contato com pessoas ou animais doentes.

Exame físico

Durante a ectoscopia foi observado um bom estado geral da paciente, hidratada, acianótica, anictérica, afebril, porém um pouco descorada (+/4). Além disso, os sinais vitais indicavam uma frequência cardíaca de 80 bpm e frequência respiratória de 13 irpm, a pressão arterial indicava 149 x 77 mmHg e a temperatura de 36,4 °C.

No exame de cabeça e pescoço foi observado a ausência de adenomegalias, porém foi observado um grande edema periorbital (+3/4). E durante o exame de fundoscopia foi observado a presença de pontos hemorrágicos e exsudato duros na retina.

Nas extremidades os pulsos estavam cheios e com tempo de enchimento capilar de 3 segundos. Além disso, havia presença de edema (+3/4), com cacifo.

Os exames do aparelho respiratório, aparelho cardiovascular e do abdome apresentaram-se normais durante a realização do exame físico.

Suspeitas diagnósticas

  • Suspeita 1 – Nefropatia diabética
  • Suspeita 2 – Glomeruloesclerose Segmentar Focal (GESF)
  • Suspeita 3 – Nefropatia Membranosa

Exames complementares

Teste com dipstick

Foi realizado no  consultório mostrando glicose 2+, proteína 2+, sendo negativo para esterase leucocitária, nitrato ou sangue. Esse exame foi realizado com o objetivo de identificar a quantidade de glicose e proteína na urina, visto que a paciente tem diabetes descompensada, bem como afastar possíveis causas infecciosas.

A maneira mais simples de medir a proteinúria é com o uso de fitas reagentes de imersão (dipstick). O resultado é dado em cruzes de + a ++++.

Esta avaliação é semiquantitativa e mede apenas albumina, não detectando proteínas de cadeias leves.

Interpretando os resultados

O resultado do teste nos mostrou que a paciente tem quantidade significativa de glicose na urina, normalmente não há evidências de glicose na urina, a presença da mesma na urina é um forte indício de que os níveis sanguíneos de glicose estão altos. Além disso, o teste também nos mostrou níveis significativos de proteína na urina.

Em situações normais, não costumamos identificar proteínas na urina. Grandes quantidades de proteínas na urina, por outro lado, quase sempre indicam a presença de uma doença dos rins, especificamente dos glomérulos renais, que são as estruturas microscópicas responsáveis pela filtração do sangue. Quando a quantidade de proteínas perdidas na urina é muito alta, o paciente costuma ter uma urina muito espumosa e frequentemente apresenta inchaços pelo corpo, uma situação clínica chamada síndrome nefrótica.

Outrossim, a ausência de esterase leucocitária, nitrato ou sangue afastam possíveis causas infecciosas. Dessa forma, a proteinúria seletiva para albumina, os níveis altos de glicose na urina, atrelado a hipertensão, edema de membros inferiores  e edema periorbital da paciente, apontam para nefropatia diabética e descartam, por exemplo a  glomeruloesclerose Segmentar Focal que possui proteinúria não seletiva e hematúria.

Fundoscopia

Foi observado a presença de pontos hemorrágicos e exsudato duros na retina. Esses achados confirmam a presença da retinopatia diabética, que acontece quando os vasos da retina são afetados, e por isso, eles passam a deixar que líquido “derrame” para a retina causando o edema que acontece em 60% dos pacientes após 15 a 20 anos de doença.

Ela pode ser observada na forma de edema de retina, exsudatos e hemorragias corroborando com os achados da fundoscopia.

Vale destacar que a ausência de retinopatia em pacientes diabéticos com proteinúria e síndrome nefrótica fala contra nefropatia diabética e desencadearia a investigação de outras glomerulopatias.

Diagnóstico

A História clínica mais o exame físico, associado a EXAMES DE URINA DE ROTINA geralmente são suficientes para estabelecer diagnóstico e definir conduta, de acordo com o estágio da doença.

Raciocínio: Levando em consideração os sinais e sintomas da paciente, bem como os resultados dos exames solicitados, o provável diagnóstico etiológico é nefropatia diabética. A paciente possui idade avançada e histórico de diabetes não controlada. A diabetes não controlada acarreta em dano glomerular, visto que os rins são os alvos primários do diabetes mellitus. Além disso, a paciente apresenta edema persistente há 2 meses, edema periorbital e pressão arterial alta que indicam comprometimento renal. Outrossim, o teste com dipstick revelando “glicose 2+, proteína 2+” , sugere nefropatia diabética, e o “negativo para esterase leucocitária, nitrato ou sangue”, afastam patologias renais infecciosas. Somado a isso, os pontos hemorrágicos e exsudato duro na retina da fundoscopia sugerem retinopatia diabética. Dessa forma, todos os achados convergem para a mesma etiologia de acometimento renal, o diabetes mellitus, fechando assim o diagnóstico de nefropatia diabética.

As trocas de líquido entre os capilares e o interstício vão funcionar de acordo com o equilíbrio da pressão hidrostática e da pressão oncótica. Vai haver edema sempre que houver um aumento da pressão hidrostática que vai empurrar o líquido para fora do capilar em relação a pressão oncótica, que vai puxar esse líquido para dentro do capilar .

O edema da paciente é gerado pela diminuição da pressão oncótica por conta da perda de albumina sérica, visto que a albumina é a principal proteína plasmática responsável por manter a pressão oncótica em níveis normais. O edema periorbital sugere edema de origem renal. Além disso, o aumento da pressão arterial da paciente é indício de acometimento renal, com a perda renal da capacidade de regulação da volemia.

O que é a nefropatia diabética?

A nefropatia diabética é uma das complicações mais graves do diabetes melito. Seu curso é lento e silencioso e os primeiros sinais laboratoriais costumam aparecer entre 10 e 15 anos após o início do estado hiperglicêmico.

Os glomérulos são os principais alvos renais do diabetes mellitus. Com a progressão da doença glomerular, outros compartimentos renais podem ser atingidos, como o sistema tubular, o interstício e a papila renal.

Fases da nefropatia diabética

A nefropatia diabética acontece em quatro fases:

Fase I

Hiperfiltração é uma pré-nefropatia. Nessa fase há aumento do fluxo sanguíneo renal com aumento da taxa de filtração glomerular;

Fase II

Microalbuminúria fixa (albuminúria): Marca o início da nefropatia diabética propriamente dita. Há uma microalbuminúria quando a excreção de albumina estiver entre 30-300 mg/dia ou 30-300 mg/g de creatinina em amostra urinária isolada;

Fase III

Proteinúria: “Nefropatia diabética declarada”, com excreção urinária de albumina superior a 300mg/24h, em pelo menos duas dosagens. A retinopatia está presente na fase III em 90% dos diabéticos do tipo I e em cerca de 60% dos diabéticos do tipo II;

Fase IV

Fase azotêmica: Quando a taxa de filtração glomerular cai abaixo de um limiar, em torno de 40 ml/min, tendo início a elevação da creatinina sérica. Nesse momento, a evolução para a síndrome urêmica e rins em estado terminal é a regra.

Quais os outros prováveis diagnósticos?

Diante dos achados poderíamos suspeitar de glomeruloesclerose segmentar focal (GESF), que é uma das principais causas de síndrome nefrótica em adultos, e também cursa com hipertensão, edema de membros inferiores e periorbital. No entanto, a GESF tem início agudo ou subagudo (o nosso caso tem início a dois meses) e cursa com proteinúria geralmente não seletiva e hematúria, nossa paciente tem proteinúria seletiva para albumina detectada no teste de dipstick e não possui hematúria. 

Outra patologia a ser considerada seria a nefropatia membranosa, pois ela tem um curso lentamente progressivo, é bastante comum em pessoas entre 30-60 anos (nossa paciente tem 53), cursa com edema de membros inferiores e da região periorbital, entretanto, a presença de hipertensão arterial no curso da doença é variável, a proteinúria é não seletiva e há presença de hematúria microscópica.

Como tratar a nefropatia diabética?

O tratamento da nefropatia diabética está fundamentado em três medidas essenciais: controle da glicemia, bloqueio farmacológico do sistema renina-angiotensina e controle da pressão arterial. 

Controle da glicemia

O controle glicêmico deve ser rigoroso, por meio do emprego de medidas farmacológicas e não farmacológicas (redução de peso, realização de atividade física e orientação nutricional), visto que  o controle glicêmico rigoroso REDUZ a incidência (prevenção primária) e atenua a evolução das lesões já estabelecidas (prevenção secundária) da nefropatia diabética.

Quanto a terapia farmacológica, a paciente faz uso de glibenclamida,  hipoglicemiante oral (sulfonilureia de 2ª geração), no entanto, sua glicemia está descompensada, sendo necessário sua ida ao médico para ajuste de dose ou para troca de medicamento mais adequado para sua situação.

Além disso, deve-se orientar a paciente a continuar com as práticas de exercícios físicos e aliado a isso, realizar dieta de acordo com instrução profissional acerca de duas restrições alimentares.

Bloqueio farmacológico do sistema renina-angiotensina

O papel renoprotetor das drogas inibidoras da ECA (IECA) e dos bloqueadores do receptor AT1 de angiotensina II (BRA) nas nefropatias crônicas proteinúricas está muito bem estabelecido e já foi demonstrado em ensaios clínicos em pacientes com DM tipo 1 e tipo 2.

Os estudos que compararam o efeito de IECA com BRA mostram resultados semelhantes e estas drogas devem ser utilizadas nos pacientes com DRC visando-se atingir a dose máxima tolerada. O aumento de dose deve, entretanto, ser gradual, com monitoração periódica do potássio sérico e da função renal. Pacientes que apresentem piora súbita de função renal com a introdução de bloqueadores da angiotensina devem ser avaliados quanto à presença de nefropatia isquêmica.

Esses medicamentos agem aliviando a pressão intraglomerular por meio da dilatação preferencial da arteríola eferente (que responde melhor a angiotensina II), visto que geralmente a hipertensão intraglomerular causada pelo hiperfluxo é o fator crítico para a progressão da nefropatia diabética.

Controle da pressão arterial

O controle da pressão arterial constitui uma das  medidas terapêuticas cruciais para a prevenção da nefropatia crônica. Inúmeros estudos já comprovaram que a hipertensão arterial é um dos principais fatores de risco de progressão da doença renal crônica, tanto em nefropatia diabética como não diabética, e diversos ensaios clínicos demonstraram que o controle da hipertensão arterial está associado à melhor função renal e à redução da albuminúria.  

As drogas de primeira escolha são os IECAs e BRA, agora com o intuito voltado para a HAS. Estes são superiores aos demais anti-hipertensivos em portadores de nefropatia diabética, justamente por promoverem duplo benefício. Porém, a maioria dos pacientes diabéticos hipertensos necessita de associação medicamentosa para controle da HAS.

OBS:  A meta pressórica em pacientes diabéticos é de uma PA < 140 x 90 mmHg. Vale ressaltar que em pacientes jovens, com proteinúria, ou com outros riscos além de hipertensão  e  diabetes mellitus se deve intensificar o tratamento com anti-hipertensivos, almenado um valor < 130 x 80 mmHg.

Qual o prognóstico?

O prognóstico é bom para os pacientes tratados e monitorados de modo meticuloso. Esses cuidados geralmente são difíceis na prática e a maioria dos pacientes perde lentamente a função renal; mesmo a pré-hipertensão (pressão arterial de 120 a 139/80 a 89 mmHg) ou a hipertensão em estágio 1 (pressão arterial de 140 a 159/90 a 99 mmHg), podem acelerar a lesão.

A doença aterosclerótica sistêmica (acidente vascular encefálico, infarto agudo do miocárdio, doença arterial periférica) eleva a mortalidade.

Após o diagnóstico de nefropatia diabética no estágio III com a paciente hipertensa grau 1 e sem controle glicêmico, a conduta mais adequada tomada pela equipe seria o controle glicêmico rígido da paciente por meio de medidas não farmacológicas (como dieta e exercício) e o ajuste da glibenclamida já em uso pela paciente. Além disso, para o controle da hipertensão e para nefroproteção poderia ser usado o captopril (IECA).  

Conclusão

O tratamento sugerido foi o controle rigoroso da glicemia e o uso de IECA. O controle rigoroso da glicemia é fundamental para retardar a progressão da nefropatia no estágio III para estágio IV.

Por isso, a prática de atividade física, dieta adequada atrelada ao ajuste de dose da glibenclamida ou sua substituição por um fármaco mais adequado é fundamental para estabelecer o controle glicêmico rígido.

Além disso, o controle da hipertensão é muito importante, por isso a indicação do captopril. Por se tratar de um IECA, irá reduzir a pressão arterial sistêmica, fator importante para atrasar a nefropatia diabética já estabelecida.

Somado a isso, o uso do captopril também irá agir aliviando a pressão intraglomerular por meio da dilatação preferencial da arteríola eferente, esse controle é importante pois, geralmente, a hipertensão intraglomerular causada pelo hiperfluxo é o fator crítico para a progressão da nefropatia diabética.

Autores, revisores e orientadores:

Liga: Núcleo de Desenvolvimento de Sobral (NUDEMES) – @nudemesufc

Autores : Antonio Leonardo de Oliveira Mota e Mikaelly Ancelmo Vasconcelos

Revisor(a): Gleidson Souza da Ponte

Orientador(a): Geison Vasconcelos Lira

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

AMERICAN DIABETES ASSOCIATION (Virginia, EUA). Kidney Disease (Nephropathy). Arlington, Condado da Virgínia, EUA, 1995-2021. Disponível em: https://www.diabetes.org/diabetes/complications/kidney-disease-nephropathy. Acesso em: 27 mar. 2021

COELHO, Eduardo Barbosa. Edemas. In: MARTINEZ, J. Badinni; DANTAS, M.; VOLTARELLI, J.C. (org.). Semiologia Geral e Especializada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda., 2013. cap. 33.

DANTAS, Márcio. Síndromes Nefrótica e Nefrítica. In: MARTINEZ, J. Badinni; DANTAS, M.; VOLTARELLI, J.C. (org.). Semiologia Geral e Especializada. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda., 2013. cap. 75.

PROTEINÚRIA: avaliação clínica e laboratorial. Proteinúria: avaliação clínica e laboratorial, [S. l.], p. 264- 274, 20 mar. 2000.

NEFROPATIA Diabética. [S. l.], 8 ago. 2017. Disponível em: https://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/3705/nefropatia_diabetica.htm. Acesso em: 28 mar. 2021.

NEFROPATIA diabética. [S. l.], 10 jan. 2018. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/dist%C3%BArbios-geniturin%C3%A1rios/doen%C3%A7as-glomerulares/nefropatia-diab%C3%A9tica. Acesso em: 28 mar. 2021.

ACHADOS de fundoscopia de pacientes diabéticos e/ou hipertensos. Revista Brasileira de Oftalmologia, [S. l.], p. 28-32, 27 fev. 2020.