Carreira em Medicina

Caso Clínico: Pré-eclâmpsia Grave | Ligas

Caso Clínico: Pré-eclâmpsia Grave | Ligas

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A hipertensão (dividida, hoje, em hipertensão crônica, hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada, pré-eclâmpsia leve ou grave e eclâmpsia), é a maior causa de mortalidade materna no Brasil, correspondendo a aproximadamente 31,3% dos óbitos por causas obstétricas diretas (àquelas resultantes de complicações durante a gestação, partos ou puerpério) no Brasil, de 1996 a 2018, segundo o Ministério da Saúde.

Apresentação do caso clínico

Gestante de 29 semanas e 04 dias pela ultrassonografia realizada no primeiro trimestre, 17 anos, negra, estudante, procedente e residente em Vassouras, Rio de Janeiro, procurou ambulatório de obstetrícia encaminhada pela estratégia de saúde da família devido à pressão arterial elevada (160 x 100 mmHg e 140 x 90 mmHg) em duas consultas de pré-natal e epigastralgia há 10 dias. Paciente primigesta (G1 P0 A0), com USG realizado com 10 semanas, evidenciando gestação gemelar. Nega doenças prévias e alergias. Relata que a mãe teve diagnóstico de eclâmpsia em sua última gestação há 12 anos, demais membros da família hígidos.

Exame físico

Ao exame físico, a paciente encontrava-se em bom estado geral, lúcida e orientada no tempo e no espaço, afebril (36,8ºC), acianótica, anictérica, hidratada, hipocorada (2+/4+), eupneica (FR: 17 irpm), taquicardica (FC: 106 bpm), hipertensa (150 x 100 mmHg), saturando a 99%. Aparelho respiratório com murmúrio vesicular universalmente audível, sem ruídos adventícios. Aparelho cardiovascular com ritmo cardíaco regular em dois tempos, sem sopros ou extrassístoles. Abdome gravídico, peristáltico, timpânico, sem visceromegalias, com altura de fundo de útero 29cm, dorso à direita, situação longitudinal, apresentação cefálica, não insinuado, sem dor a palpação superficial e profunda. Membros inferiores com edema 2+/4+, panturrilhas livres, pulsos palpáveis e simétricos.

Suspeitas diagnósticas

            Suspeita 1: Pré-eclâmpsia grave

            Suspeita 2: Pré-eclâmpsia leve

Exames complementares

Foi prescrito metildopa 250mg de 8 em 8 horas e solicitado exames laboratoriais para avaliação do comprometimento sistêmico da paciente e retorno com os exames em uma semana. Os exames solicitados foram: hemograma, TGO/AST, TGP/ALT, LDH, ureia, creatinina e EAS. Na consulta de retorno foram avaliados os exames: hematócrito 28%, hemoglobina 9,8g/dL, com presença de esquizocitos na hematoscopia, leucograma 6750/mm³ com diferenciais dentro dos valores de normalidade, plaquetas 95.000/mm³; TGO/AST 87 U/L, TGP/ALT 115 U/L, LDH 650 UI/L, ureia 30 mg/dl, creatinina 1,0 mg/dl, EAS evidenciando proteinúria 2+/4+.

Diagnóstico e tratamento

Diante dos resultados dos exames solicitados a paciente foi diagnosticada com Síndrome HELLP (anemia hemolítica, elevação das enzimas hepáticas e trombocitopenia) a enquadrando em pré-eclâmpsia grave.

O tratamento proposto foi a internação para paciente para estabilizar o quadro com sulfato de magnésio 4 g IV diluído em soro glicosado 5% em bolus de 20min, depois 1g/h por 3 horas, paciente monitorizada e sondada, com realização de exame neurológico a cada 30min, hidralazina 5mg IV a cada 20 min) e interrupção da gestação por via cesariana.

Questões para orientar a discussão

  1. O que é pré-eclâmpsia?
  2. Quais são os fatores de risco?
  3. Quais são as complicações?
  4. Quais exames complementares devo solicitar?
  5. Tem como prever os riscos de desenvolver essa condição? Se sim, como?
  6. Qual o tratamento?
  7. Qual o prognóstico?

Respostas:

  1. Pré-eclâmpsia é o nome dado a pressão arterial elevada ( ≥ 140 x 90mmHg) após a 20ª semana de gestação, associada a proteinúria ( ≥ 300mg/24h ou relação proteína/creatinina ≥ 0,3mg/dl ou ≥ de 1+ nos métodos qualitativos) ou associada a trombocitopenia (plaquetas < 100.000/mm³), insuficiência renal (creatinina sérica > 1,1mg/dl ou duplicação do valor em comparação a exame anterior, na ausência de outras doenças renais), comprometimento da função hepática (elevação das transaminases de duas vezes o valor de normalidade), edema de pulmão, sintomas cerebrais ou visuais na ausência de proteinúria.
  2. História prévia de pré-eclâmpsia, hipertensão crônica e/ou doença renal, trombofilia, lúpus eritematoso sistêmico, diabetes tipo 1 ou 2, primípara, história familiar de pré-eclâmpsia (mãe ou irmãs), gestação gemelar, fertilização in vitro, obesidade (IMC ≥ 35 kg/m² na consulta inicial), idade materna elevada (≥ 40 anos), intervalo gestacional > 10 anos, etnia negra. (em negrito, os fatores apresentados pela paciente do caso)
  3. As complicações da pré-eclâmpsia são as mais diversas, comprometendo o organismo materno e fetal como um todo. Pode haver alterações renais, vasculares, cardíacas, hepáticas, cerebrais, sanguíneas, hidroeletrolíticas, uteroplacentárias, restrição de crescimento fetal, sinais de sofrimento e etc. Dentre essas complicações a mais temida, que mais causa morte materna na eclampsia e pré-eclâmpsia é a hemorragia cerebral difusa.
  4. Inicialmente devemos solicitar os exames para realização do diagnóstico, sendo eles: hemograma, exame de urina, creatinina, TGO/AST e TGP/ALT. Em caso de suspeita de alterações sanguíneas, como síndrome HELLP, vale a pena solicitar desidrogenase lática (LDH), em pensando em alterações cerebrais, RNM, se pensar em alterações uteroplacentária à USG, avaliação fetal à cardiotocografia, USG com doppler. E os mais diversos exames de acordo com a semiologia e sua suspeita diagnostica.
  5. Sim, é possível predizer o risco de pré-eclâmpsia. Para tal, diante de uma paciente com fatores de risco, podemos solicitar doppler de artéria uterina (realizado no USG morfológico de primeiro trimestre), avaliação regular da PA em consultório e solicitação de exames bioquímicos como PLGF (fator de crescimento placentário) e PAPP-A (proteína plasmática associada à gravidez). Diante de alterações desses exames complementares pode ser realizada a prevenção com uso de AAS 100mg por dia, um comprimido à noite a partir das 12-16 semanas de gestação até o parto.
  6. O tratamento, assim como em tudo em medicina, baseia-se no diagnostico adequado e no estado em que se encontra a paciente.
    • A pré-eclâmpsia leve é tratada de modo conservador até as 37 semanas de idade gestacional com uso de metildopa para controle pressórico, consulta ambulatorial semanal, avaliação dos movimentos fetais diariamente pela gestante, mensuração da PA 2 vezes por semana e avaliação laboratorial com contagem de plaquetas, enzimas hepáticas e pesquisa de proteinúria semanalmente, além de USG seriada para diagnosticar CIUR e Doppler de artéria umbilical para avaliar sofrimento fetal.
    • Na paciente do caso, por apresentar pré-eclâmpsia grave o tratamento é a interrupção da gravidez, independentemente da idade gestacional. Antes de interromper devemos fazer sulfato de magnésio pela sua ação de prevenir (e tratar, se a paciente já tiver em eclampsia) convulsões. No entanto, esse medicamento deve ser realizado sob vigilância pelo risco de intoxicação, cujos sinais envolvem ausência de reflexo tendinoso, diminuição da diurese (> 25-30ml/h), bradipneia e até mesmo depressão respiratória e PCR, devendo ser suspenso e administrado gluconato de cálcio em caso de depressão respiratória e PCR.
  7. Prognóstico:
    • Materno: A hemorragia cerebral é a principal causa de morte na eclampsia e a segunda causa é o edema pulmonar (ainda tem DPP, CID, insuficiência renal aguda, pneumonia aspirativa e PCR). A pré-eclâmpsia precoce (antes das 34 semanas) apresenta 20x mais mortalidade que a tardia. Complicações como amaurose, descolamento de retina, psicose puerperal cedem espontaneamente após o parto (6 a 12 semanas). É fator de risco de doença cardiovascular futura.
    • Fetal: Mortalidade perinatal elevada por prematuridade, DPP e CIUR.

Autores e revisores

Autora: Sarah Lages Coelho

Revisora: Júlia Andrade Garcia

Orientador: Osvaldo Luiz Aranda

Liga: Liga Acadêmica de Ginecologia e Obstetrícia

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências

MONTENEGRO, Carlos Antônio Barbosa; REZENDE FILHO, Jorge de. Rezende Obstetrícia. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016.

FREITAS, Fernando et alRotinas em Obstetrícia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

ZUGAIB, Marcelo (ed.). Zugaib Obstetrícia. 3. ed. Barueri: Manole, 2016.

CUNNINGHAM, F. Gary et alObstetrícia de Williams. 24. ed. Porto Alegre: Amgh, 2016.