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CASO CLÍNICO | Síndrome Coronariana Aguda

CASO CLÍNICO | Síndrome Coronariana Aguda

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Síndrome Coronariana Aguda

Liga Acadêmica de Cardiologia da Paraíba (CARDIOLIGA-PB)
Autor: Bruno Leal Martins
Orientador: Dr. Jairo Leal Soares Junior
Instituição: Faculdades Integradas de Patos (FIP)

CARDIOLOGIA/CLÍNICA MÉDICA

HISTÓRIA CLÍNICA

B.L.M., 65 anos, masculino, pardo, deu entrada no serviço hospitalar com queixa de dor precordial com 2h de duração. Paciente, previamente hipertenso e diabético, refere que a dor foi intensa, irradiou para o membro superior esquerdo e que chegou a ter um episódio de vômito e sudorese fria. Relata ainda que já vinha sentindo dor torácica aos esforços, mas que dessa vez tinha acabado de acordar.  Nega histórico familiar de doenças cardiovasculares. Alega que faz uso irregular de losartana (50mg), anlodipino (5mg) e metformina (850mg).

EXAME FÍSICO

  • Estado geral regular, anictérico, acianótico, afebril ao toque, hidratado e pálido. IMC 32 kg/m2.
  • PA 160×90 mmHg; FC 120 bpm; FR 28 irpm; SatO2 96%.
  • Ritmo cardíaco regular e taquicárdico em dois tempos, com bulhas cardíacas normofonéticas, sem sopros.
  • Pulsos palpáveis.
  • Tórax simétrico, com expansibilidade preservada. Murmúrio vesicular presente em ambos hemitórax, sem ruídos adventícios.
  • Abdome plano, flácido, sem lesões ou herniações. Timpânico, com ruídos hidroaéreos normais. Indolor à palpação superficial e profunda. Hepatimetria medindo cerca de 10 cm.
  • Pulsos palpáveis e simétricos. Ausência de cianose, edema em membros inferiores (+2/+4). Tempo de enchimento capilar < 2 segundos.
  • Extremidades quentes e sudoreicas.

EXAMES COMPLEMENTARES

Laboratório Valores obtidos Valores de referência
HEMOGRAMA
Hemoglobina 13,2 g/dL 12 – 15,5 g/dL
Hematócrito 42,1% 34 – 45%
Leucócitos 8700 cél/mm3 5.000 – 10.000/mm3
Neutrófilos 5829/mm3 1.600 – 7.700/mm3
Linfócitos 2436/mm3 1.100 – 4.400/mm3
BIOQUÍMICA
Glicemia e função renal sem alterações
TGO/AST 28 U/L < 40 U/L
TGP/ALT 36 U/L < 40 U/L
MARCADORES DE NECROSE MIOCÁRDICA
CK-MB 7,1 ng/ml Inferior a 5,0 ng/ml
TROPONINA 2,3 ng/ml Inferior a 0,04 ng/ml

ECG_IAM_ANTERIOR_EXTENSO_6_H

Figura 1: ECG evidenciando IAM anterior extenso
FONTE: http://tracadosdeecg.blogspot.com/2016/08/como-diferenciar-sca-com-supra-de-st-da.html

cate-cardiologia-pb
Figura 2: Cinecoronariografia evidenciando artéria descendente anterior ocluída.
FONTE: http://blog.manoleeducacao.com.br/?p=265

raio-x-tórax-cardilogia-pb
Figura 3: Radiografia de tórax sem alterações.
FONTE: https://edisciplinas.usp.br/mod/page/view.php?id=159213

PONTOS DE DISCUSSÃO

  1. Que fatores desencadearam a dor no paciente que o levou ao serviço hospitalar?
  2. Quais fatores de risco precisam ser investigados nessa patologia?
  3. Como caracterizar a dor torácica cardíaca isquêmica?
  4. Quais exames complementares ajudam no diagnóstico?

DISCUSSÃO

O paciente foi admitido no serviço hospitalar com queixa de dor precordial e foi internado na UTI cardiológica. Segundo ele, apresentou dor torácica em outros momentos com o esforço físico como um fator desencadeante, porém, dessa vez, foi acordado com essa dor súbita e intensa que irradiou para o membro superior esquerdo e que apresentou vômito e sudorese fria, o que o levou ao pronto socorro. Assim, o plantonista suspeitou de síndrome coronariana aguda (SCA) e realizou imediatamente um eletrocardiograma (ECG).

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é definido como uma lesão isquêmica no miocárdio, decorrente da interrupção ou diminuição importante do fluxo sanguíneo em determinada área do coração. Geralmente, esse processo se dá pela ruptura de uma placa aterosclerótica que forma um trombo no local, impedindo a passagem do sangue pela luz do vaso. O comprometimento do suprimento sanguíneo leva à morte celular e à necrose miocárdica, caso o fluxo não seja restabelecido em tempo hábil. Dessa forma, faz sentido a máxima na Cardiologia que diz: “Tempo é músculo”. Ou seja, quanto mais tempo se levar para reverter o quadro de isquemia, maior será a necrose decorrente do IAM.

A doença arterial coronariana (DAC) aumenta a sua incidência na medida em que estão presentes os fatores de risco cardiovascular. Basicamente, quanto mais fatores presentes em um determinado indivíduo, maior a sua chance de desenvolver doença coronariana. Isso se deve ao fato de que a formação da placa aterosclerótica na luz da coronária é influenciada por tais fatores. Os principais destes estão citados abaixo e são responsáveis por quase 90% do risco atribuível de doença na população mundial.

• História familiar de DAC prematura (familiar 1o grau sexo masculino < 55 anos e sexo feminino < 65 anos);
• Homem > 45 anos e mulher > 55 anos;
• Tabagismo;
• Hipercolesterolemia (LDL-c elevado);
• Hipertensão arterial sistêmica;
• Diabetes mellitus;
• Obesidade (IMC ≥ 30 Kg/m2);
• Gordura abdominal;
• Sedentarismo;
• Dieta pobre em frutas e vegetais;
• Estresse psicossocial.

Neste caso, o paciente apresenta fatores de risco importantes como diabetes e hipertensão, sendo classificado então como um paciente de alto risco.

A descrição clássica da dor torácica na SCA é a de uma dor ou desconforto ou queimação ou sensação opressiva localizada na região precordial ou retroesternal, que pode ter irradiação para o ombro e/ou braço esquerdo, braço direito, pescoço ou mandíbula, acompanhada frequentemente de diaforese, náuseas, vômitos, ou dispneia. A dor pode durar alguns minutos (geralmente entre 10 e 20) e ceder, como nos casos de angina instável, ou mais de 30 min, como nos casos de IAM. O paciente pode também apresentar uma queixa atípica como mal estar, indigestão, fraqueza ou apenas sudorese, sem dor. Pacientes idosos, diabéticos e mulheres frequentemente manifestam dispneia como queixa principal no IAM, podendo não ter dor ou mesmo não valorizá-la o suficiente.

O IAM faz parte do grupo das SCA que se dividem em SCA sem elevação do segmento ST e SCA com elevação do segmento ST. O paciente se encaixa no grupo da SCA com elevação do segmento ST, que é também denominado de IAM com supra de ST (IAMCST), nas derivações V1-V6, D1 e aVL, representando então um infarto na parede anterior extensa (anterior e anterolateral).

O ECG exerce papel fundamental na avaliação de pacientes com dor torácica, tanto pelo seu baixo custo e ampla disponibilidade como pela relativa simplicidade de interpretação; junto com os marcadores de necrose miocárdica, que têm um papel importante não só no diagnóstico como também no prognóstico da SCA. A creatinofosfoquinase (CK) é uma enzima que catalisa a formação de moléculas de alta energia e, por isso, encontrada em tecidos que as consomem (músculos cardíaco e esquelético e tecido nervoso); a que mais utilizamos é a CK-MB, pois esta é a mais específica das CK para músculo cardíaco. As troponinas cardíacas são proteínas do complexo miofibrilar encontradas somente no músculo cardíaco. Devido à sua alta sensibilidade, discretas elevações são compatíveis com pequenos (micro) infartos, mesmo em ausência de elevação da CK-MB. Por este motivo, tem-se recomendado que as troponinas sejam atualmente consideradas como o marcador padrão-ouro para o diagnóstico de IAM e devem ser solicitadas em intervalos de tempo pré-determinados, de acordo como protocolo do serviço, para acompanhar a evolução e gravidade. Quanto maior a troponina, mais grave é o infarto e pior é o prognóstico (avaliação quantitativa).

Portanto, visto que o IAM nada mais é do que um coágulo “entupindo” a coronária, fazendo com que o músculo cardíaco sofra de hipóxia, a conduta terapêutica do plantonista deve ser:

  • Recomenda-se a monitorização da saturação sanguínea de oxigênio por meio da oximetria de pulso, pois oxigênio indiscriminadamente pode ser nocivo.
  • Analgesia com o sulfato de morfina na dose de 2 a 4 mg IV diluída, podendo ser repetida em intervalos de 5 a 15 minutos, idealmente quando a dor não cessar com uso de Nitrato. A dor provoca descarga adrenérgica, aumentando o consumo de O2 em um coração que já tem a oferta comprometida.
  • Nitrato na fase aguda está indicado nos casos de dor anginosa persistente, hipertensão arterial ou insuficiência cardíaca. Está contraindicado nos pacientes com PA sistólica (PAS) < 90 mm/Hg, queda da PAS > 30 mm/Hg em comparação ao basal, infarto de ventrículo direito (VD) ou nos pacientes que tenham utilizado inibidores da fosfodiesterase para disfunção erétil nas últimas 24 horas, nos casos de sildenafila, e 48 horas nos de tadalafila.
  • Ácido acetilsalicílico (AAS) deve ser administrado a todos os pacientes o mais rápido possível, visto que é um antiagregante plaquetário. As contraindicações para seu uso são hipersensibilidade conhecida, úlcera péptica ativa, hepatopatia grave ou discrasia sanguínea. A dose de ataque é de 160 a 325 mg mastigados, e a de manutenção, de 100 mg ao dia.
  • Clopidogrel deve ser administrado em associação ao AAS precocemente, visto que é também um antiagregante plaquetário, porém atua de forma diferente do AAS, na dose de ataque de 300 mg (4 comprimidos de 75 mg) e mantidos 75 mg via oral ao dia (caso o paciente seja atendido em um serviço que disponha de hemodinâmica para realizar o cateterismo de urgência, a dose é de 600mg, que corresponde a tomar 8 comprimidos de uma só vez). Seu benefício é observado tanto na utilização da terapia fibrinolítica (trombólise química) quanto na angioplastia coronariana (trombólise mecânica) da fase aguda do IAM. Não utilizar dose de ataque em pacientes acima de 75 anos. Atualmente outros antiagregantes estão sendo utilizados como uma alternativa ao clopidogrel (ticagrelor, prasugrel), sempre associados ao AAS e ao anaticoagulante (heparina).
  • Heparina não fracionada: É obrigatório o uso de heparina nos pacientes submetidos à terapia fibrinolítica com tenecteplase (TNK). Utilizar a dose de ataque de 60 U/kg de peso in bolus até o máximo de 4000 U. A dose de manutenção é de 12 U/kg/hora durante 48 horas, não ultrapassando 1000 U/hora. A dose deve ser ajustada a fim de manter o KPTT entre 50 a 70 segundos.
  • Heparina de baixo peso molecular: Enoxaparina atualmente é a mais amplamente utilizada, dose de 1mg/k/dose, 12/12horas. Acima de 75 anos utilizar 0,75mg/k/dose.
  • Betabloqueadores, na ausência de contraindicações, devem ser iniciados nas primeiras 24 horas por via oral.
  • Estatina deve ser iniciada nas primeiras 24 horas, na dose mínima de 20 mg à noite, adequando-se sua dose após a alta para atingimento da meta de colesterol LDL.
  • Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA) e bloqueadores dos receptores da aldosterona (BRA) devem ser iniciados assim que possível.

Além disso, o paciente do caso foi direcionado para a sala da hemodinâmica, onde foi feita a cineangiocoronarioangiografia, que evidenciou a oclusão de 99% da artéria descendente anterior, sendo necessário fazer angioplastia com colocação de STENT.

DIAGÓSTICOS DIFERENCIAIS PRINCIPAIS
Pericardite
Dissecção aguda da aorta
Pneumotórax
Embolia pulmonar
Refluxo gastroesofágico
Úlcera péptica
Dor musculoesquelética
Causas psiconeurogênicas

OBJETIVOS DE APRENDIZADO E COMPETÊNCIAS

  • Semiologia do paciente com síndrome coronariana aguda;
  • Diagnóstico clínico, laboratorial e imagem da síndrome coronariana aguda;
  • Diagnóstico diferencial das outras dores torácicas;
  • Conduta terapêutica da síndrome coronariana aguda.

PONTOS IMPORTANTES

  • É de extrema importância uma caracterização detalhada da dor torácica para um diagnóstico correto;
  • É fundamental investigar fatores de risco que possam influir na gravidade da doença;
  • Uma reeducação alimentar e a prática de atividades físicas são medidas preventivas, além de fazerem parte do tratamento não-medicamentoso;
  • Uma intervenção precoce em pessoas com infarto agudo do miocárdio melhora o prognóstico do paciente, diminuindo o risco de complicações como insuficiência cardíaca.
  • Confira o vídeo:

REFERÊNCIAS

  1. PIEGAS L.S.; et al. V Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre Tratamento do Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, 2015; 105(2):1-105
  2. BASSAN, R et al. I Diretriz de Dor Torácica na Sala de Emergência. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [s.l.], v. 79, p.1-22, ago. 2002. FapUNIFESP (SciELO).
  3. PIEGAS, L S. et al. III Diretriz sobre tratamento do infarto agudo do miocárdio. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [s.l.], v. 83, p.1-86, set. 2004. FapUNIFESP (SciELO).
  4. PARANÁ. Secretaria de Estado da Saúde. Superintendência de Atenção à Saúde. Linha guia de infarto do miocárdio. – Curitiba: SESA, 2016. 38 p.