Paciente vítima de acidente automobilístico, onde houve colisão frontal entre dois carros. Esposa estava com ele no carro, mas sem qualquer tipo de ferimento.
Identificação do paciente
Local: UNIFACS, 20/03/2021, 14:30.
L.B.E, 33 anos, sexo masculino, natural e procedente de Salvador-BA , branco, casado, heterossexual, católico, médico.
Informante: esposa.
Grau de informação: bom/regular.
Queixa principal
Acidente de carro há 2 horas.
História da doença Atual (HDA)
Paciente trazido pelo serviço de atendimento móvel de urgência (SAMU) com relato de acidente automobilístico com impacto frontal entre dois veículos em movimento há cerca de 2 horas. Paciente não estava com cinto de segurança e carro não possui airbag, não houve morte na cena. Foto do carro evidência possível mecânica do trauma, onde paciente foi projetado contra para-brisa formando o sinal do “olho de boi”. Paciente se encontra com rebaixamento do nível de consciência devido ao trauma em crânio e cervical.
Interrogatório sistemático
(Realizado com base em queixas prévias do paciente para a informante)
Geral: nega qualquer alteração de peso importante nos últimos anos, febre, vertigens, ou qualquer tipo de fraqueza e fadiga.
Nervoso: nega alterações na força muscular, sensibilidade, reflexos, coordenação, marcha, linguagem, esfincterianas, tônus muscular, trofismo ou convulsões.
Cabeça e pescoço: nega cefaleia, nega prurido e sangramentos nasais, oculares, auriculares ou orais. Nega também quaisquer alterações na visão, paladar, audição e olfato. Nega dificuldade para deglutir ou odinofagia.
Respiratório: nega dispneia aos esforços, ou em repouso, ou paroxística noturna. Nega também presença de “chiados”, nega frêmito toraco-vocal aumentado, nega murmúrio vesicular.
Cardiovascular: nega dor precordial aos esforços ou em repouso, refere taquicardia em alguns momentos quando é submetido a maior pressão no hospital onde trabalha.
Abdome: refere evacuar normalmente, fezes pastosas, nega sangramentos ou dores ao evacuar, êmese, náuseas, pirose, ou qualquer dor abdominal.
Geniturinário: nega disúria, poliúria, polaciúria, oligúria, urgência miccional ou estranguria. Esposa refere alguns episódios de impotência sexual, acha que o marido anda muito sobrecarregado.
Osteomuscular: nega qualquer dor de articulação ou muscular.
Antecedentes pessoais, familiares e sociais
Antecedentes médicos: paciente sem comorbidades crônicas. Relata ter feito apendicectomia na adolescência e cirurgia cardíaca na infância para corrigir valvulopatia congênita (esposa não soube informar mais detalhes). Alergia a penicilina. Esposa não sabe o tipo de parto que o paciente nasceu, nem seu peso e comprimento, acredita que ele se desenvolveu corretamente durante a infância. Relata que ele está com o calendário vacinal em dia, pois precisa estar vacinado por conta de trabalhar em contato com doenças infectocontagiosas. Paciente vem cursando com algumas crises de ansiedade e déficit de atenção no último ano, usando por conta própria Venvanse (Lisdexanfetamina) de 30 mg, 1x por dia ao acordar.
Antecedentes familiares: relata pai e mãe vivos, ambos diabéticos e hipertensos. Nega óbitos recentes na família ou mortes súbitas em parentes próximos.
Hábitos de vida: nega tabagismo, refere etilismo social aos fins de semana com consumo de duas ou três taças de vinho, ou cerca de 5 latinhas de cerveja. Relata nunca ter feito dieta, não costuma comer alimentos industrializados, mas ingere alimentos gordurosos em dias excepcionais. Em relação às refeições diárias, costuma fazer ingesta de frutas no café da manhã, ingestão de arroz, feijão, muita carne vermelha, peixe e salada no almoço e janta (costuma alternar algumas dessas opções durante a semana). Refere fazer corridas todos os dias de manhã cedo em cerca de 4 km. Refere prática sexual toda semana com sua esposa, ao menos 2 ou 3 vezes.
História psicossocial: paciente morou em casa de alvenaria a vida inteira, com devida infraestrutura e saneamento básico. É casado há 4 anos, não tem filhos e apresenta bom relacionamento com todos os membros de sua família, exceto com seu pai, onde tem uma relação conturbada. É formado em medicina pela Faculdade Bahiana de Medicina e Saúde Pública há 9 anos, especialização em infectologia, trabalha atualmente no Hospital Couto Maia, na cidade de Salvador-BA. Vem tendo muito estresse no último ano devido à pandemia do covid-19, se sentindo muito pressionado diariamente e com episódios fortes de ansiedade e déficit de atenção ao fazer atividades simples, quadro que prejudicou seu desempenho sexual algumas vezes.
Exame físico
Geral: Mau estado geral, apresentando trauma facial, déficits motores, pupilas isocóricas e fotorreagentes, descorado, anictérico, acianótico, uso de musculatura acessória/dispneico, taquicárdico, fácies de dor à palpação região torácica e cervical. Sem turgência de jugular e/ou desvio de traqueia.
Dados vitais: FC: 112 bpm; ritmo cardíaco regular; FR: 20 ipm; SatO2 88% em ar ambiente; PA: 88×46 mmHg; EG: 8 (o serviço de transporte realizou reposição volêmica com 500 ml de cristalóide, com resposta à infusão e nova queda da PA).
Pele e fâneros: Pulsos filiformes, pelve estável e fria, sem presença de fratura exposta em MMII. Sangramento venoso em nádegas e dorso (pequena quantidade).
Neurológico: Escala de coma de Glasgow 8 na chegada. Abertura ocular = 2 de 4 (À pressão). Resposta verbal = 3 de 5 (Palavras). Melhor resposta motora = 3 de 6 (Flexão anormal).
Aparelho Respiratório: Presença de escoriações no tórax, expansão simétrica, murmúrios presentes e simétricos à ausculta. Bastante sangue em via aérea superior mesmo após aspiração com tentativa falha de intubação.
Aparelho Cardiovascular: BRNF em 2T, ausência de sopros e taquicárdico. Adotado protocolo E-FAST sem achados dignos de notas, além do que segue a seguir + monitorização cardíaca.


Demais aparelhos sem alterações.
Suspeitas diagnósticas
- Tamponamento Cardíaco.
- Aumento da pressão intracraniana secundário a TCE.
- Hemorragia digestiva.
- Pneumotórax.
- Hemotórax.
- Fraturas ósseas.
Exames complementares
E-FAST: excluir sinais de tamponamento cardíaco e hemorragia digestiva.
Monitorização Cardíaca: presença de dor torácica, excluir sinais de alteração elétrica no coração.
RX de tórax em PA: excluir sinais de pneumotórax, hemotórax e fratura óssea.
TC de crânio: paciente sofreu um TCE e apresenta EG – 8, além disso, serve para excluir sinais de acometimento cerebral.
Gasometria: analisar sinais de acidose ou alcalose.
Diagnóstico
Paciente apresenta um quadro com sinais e sintomas que indicam algum processo hemorrágico. Pode-se citar, por exemplo: baixa pressão arterial (88 x 46 mmHg) e queda subsequente da PA à infusão de cristaloides, batimentos cardíacos elevados (112 bpm) e saturação de O₂ baixa (88%) e presença de sangue na traqueia. Em relação aos achados nos exames complementares, o E-FAST mostra a presença de líquido no saco pericárdico e a monitorização cardíaca intervalos QRS de diferentes tamanhos (indicando a movimentação do sangue conforme as sístoles), o que fala em favor de um tamponamento cardíaco. PA baixa também é um achado muito indicativo dessa condição, visto que o débito cardíaco pode ser severamente diminuído.
Tamponamento cardíaco é a presença de líquido no saco pericárdico, fazendo uma compressão das paredes do coração e o impedindo de ser devidamente preenchido. Com a diminuição da pré-carga, o débito cardíaco também é diminuído, podendo causar uma hipotensão persistente e levar o paciente a ter um choque hipovolêmico. Como o choque hipovolêmico é uma condição ameaçadora a vida, é preciso que seja tratada com rapidez, para que o paciente não evolua a óbito. Em relação aos sintomas, a PA baixa é justificada pela queda no débito cardíaco, enquanto a taquicardia é uma tentativa do coração de compensar essa queda; a baixa saturação pode ser justificada pelo acometimento das vias aéreas do paciente e pelo tamponamento cardíaco, o que prejudicou as trocas gasosas e fez com que ele precisasse ser intubado.
Discussão do caso de Tamponamento Cardíaco
Em qual cor do Protocolo de Manchester ele se enquadra? Quais as principais condutas iniciais a ser realizada com esse paciente?
Devido à instabilidade hemodinâmica, alterações eletrocardiográficas e ter sido vítima de um TCE, o paciente se enquadra na cor Vermelha, necessitando de atendimento imediato. Inicialmente deve ser realizado o ABCDE da cinemática do trauma, na qual vai haver a inspeção e proteção das de vias aéreas – caso haja necessidade – (A), chegar a respiração e a ventilação do paciente (B), observar e analisar a circulação e a resposta hemodinâmica (C), avaliar o estado neurológico (D) e exposição ao ambiente de maneira controlada para não agravar ainda mais o quadro da vítima (E).
Qual a causa da instabilidade hemodinâmica?
O paciente foi vítima de um acidente automobilístico, havendo trauma na região do tórax o que induz à algumas suspeitas diagnósticas como fratura óssea, pneumotórax simples ou hipertensivo ou perfurativo, hemotórax e, principalmente, tamponamento cardíaco. Porém, as principais suspeitas para essa instabilidade é o tamponamento cardíaco, o hemotórax ou alguma perfuração por fratura óssea. Além disso, o paciente apresenta perda de sangue, contribuindo para esse quadro.
Qual o motivo da realização do E-FAST? A monitoração cardíaca mostra alguma alteração? Qual o motivo para o exame de imagem ser tão importante para a cena do trauma?
Mesmo com a reposição volêmica realizada, a vítima sofreu novamente a queda da PA. Dessa forma, é necessário realizar exames que sejam rápidos e direcionados a exclusão ou confirmação de algum diagnóstico. Nesse contexto, os exames de imagem são de suma importância para o ambiente do trauma, em especiais aqueles que são rápidos e não atrapalham a equipe que está atendendo o paciente. Sendo assim, o E-FAST e o RX são exames rápidos, que podem ser feitos à beira do leito para analisar a presença de líquidos tanto no tórax quanto do abdome. Logo, ao ser realizado o E-FAST no paciente, é constatado a presença de líquido no saco pericárdico confirmando a suspeita de tamponamento cardíaco. Ademais, o monitoramento cardíaco mostrou alteração no complexo QRS que se deve a movimento do líquido dentro do saco pericárdico.
Qual a patologia envolvida, seus sinais, sintomas, as suas possíveis complicações e o possível tratamento?
Como confirmado pelo exame de imagem, o caso se trata de um tamponamento cardíaco que é o acúmulo de líquido no saco pericárdico, no qual as principais causas são trauma torácico (retratado no caso), história de câncer – pulmão e coração, hipotireoidismos, pericardite, IR, LES, cirurgia recente no coração. Dessa forma, o paciente apresenta a Tríade de Beck (hipotensão arterial, turgência jugular patológica e hipofonese de bulhas cardíacas), aumento na FR e FC, pulsação paradoxal, queda no nível de consciência, dificuldade de respirar e dor no tórax. Com isso, essa emergência cardíaca pode ter como complicações insuficiência renal aguda, pletora abdominal, falência hepática e isquemia mesentérica entre outras, além de ser fatal causando choque cardiogênico. Sendo assim, o tratamento é cirúrgico, por meio de toracotomia ou esternotomia, porém, recomenda-se a pericardiocentese para descompressão temporária do pericárdio apenas em pacientes hemodinamicamente instáveis (caso relatado) e quando a toracotomia não pode ser prontamente realizada.

Qual a avaliação secundária que esse paciente deve receber?
Considera-se que o paciente já esteja estável, após realização da pericardiocentese de alívio. Com isso, é necessário a monitorização e controle dos sinais vitais, realização dos outros exames complementares para excluir outras doenças e complicações e, por fim, a realização de uma toracotomia para tratamento definitivo do tamponamento cardíaco.
Conclusão
Diante desse caso, é imprescindível que a conduta tomada seja rápida e certeira, visto que esse tipo de paciente tem a possibilidade de entrar em choque rapidamente e de ter um desfecho fatal. Para tratamento é indicado fazer:
- Pericardiocentese – Drenagem pericárdica para a retirada de líquido. Essa medida visa o alívio momentâneo do paciente, permitindo que o coração se movimente de forma livre, normalizando a PA de forma mais imediata.
- Drenagem cirúrgica – Toracotomia seguida de pericardiotomia para drenagem de líquido. Conduta mais invasiva, para casos mais graves. Tem o mesmo objetivo da pericardiocentese.
Com tudo isso que foi abordado, podemos sumarizar alguns objetivos que foram alcançados:
- Identificar um Tamponamento Cardíaco, assim como sua fisiopatologia;
- Exames de melhor sensibilidade para essa situação;
- Triagem correta;
- Conduta adequada.
Autores, revisores e orientadores:
Liga: Liga Baiana de Emergência – @lbeunifacs
Autor(a): Antônio Deusimar e Pedro Andrade – @_deusimars e @peu_andrd
Revisor(a): Bruna Brasil – @buli_b4
O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.
Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.
Referências:
AMERICAN COLLEGE OF SURGIONS COMMITTEE ON TRAUMA . Advanced Trauma Life Suport – ATLS. 10 ed. , 2018.
ACLS – . American Heart Association, Suporte Avançado de Vida Cardiovascular – Manual para profissionais de saúde.4.a ed. 2015.
Barra, LD; Guimarães, LA; Gomes, MBV; Hanashiro, M; Kilimnik, LM; Lodi, LD; Senhorini, MCM; Souza, MTS; Silva, NC. Tamponamento cardíaco agudo: uma breve revisão. Minas Gerais: Revista Médica de Minas Gerais, 2008.
DOMINGUES, Vital da Silva. Tamponamento Cardíaco da Etiologia ao Tratamento. Porto: Cuidados Intermédios em Perspectiva, 2012.
BECERRA, Ángel; TRUJILLO, Héctor; VALENCIA, Lucía; RODRÍGUEZ-PÉREZ, Aurelio. Buscando o motivo da instabilidade hemodinâmica: relato de caso sobre o papel do ultrassom intraoperatório. São Paulo: Brazilian Journal of Anesthesiology, 2019.