Urgência e Emergência

Caso Clínico: Trauma Cranioencefálico | Ligas

Caso Clínico: Trauma Cranioencefálico | Ligas

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Apresentação do caso clínico

L.T.R., 25 anos, sexo masculino, dirigia na Luis Eduardo Magalhães, em alta velocidade, quando, ao desviar de um cachorro que atravessava a rua, perdeu o controle do carro e colidiu no túnel. Após a avaliação adequada da segurança e sinalização da cena, com todos os profissionais devidamente paramentados, os socorristas identificam o “sinal de olho de boi” no para-brisa e executam o atendimento inicial ao politraumatizado.

Com base no protocolo XABCDE do atendimento pré-hospitalar, os socorristas encontram L.T.R. consciente, confuso e sem sangramentos exsanguinantes. Além disso, ele também apresenta via aérea pérvia e ausência de estase de jugular e desvio de traqueia. O tórax do paciente, por sua vez, revela-se íntegro e sem crepitações, com frequência respiratória levemente elevada. No entanto, L.T.R. possui um sangramento no couro cabeludo, na região temporoparietal direita, sendo possível constatar pele quente e corada, frequência cardíaca discretamente elevada, tempo de enchimento capilar < 2 segundos, estabilidade pélvica e integridade dos ossos e membros.

No exame neurológico, os socorristas identificaram pupilas isocóricas e fotorreagentes, bem como ECG de 13 (RO: 3, RV: 4, RM: 6). Sem achados adicionais, o paciente foi coberto com uma manta térmica e encaminhado ao  transporte para a unidade de trauma. Sinais vitais: FC = 110 bpm, FR = 22 ipm, PA = 120 x 80 mmHg, SpO2 = 97%.

A avaliação secundária foi realizada dentro da ambulância, sendo identificado equimose periorbital, equimose retroauricular e rinorragia. Ao chegar ao centro de trauma, L.T.R. foi submetido a uma Tomografia Computadorizada (TC) de crânio após uma hora, a qual indicou fratura de ossos zigomático e vômer, além de um hematoma. Pouco depois da saída do exame, foi percebido um rebaixamento de consciência do paciente, que evoluiu para uma ECG de 9 (RO: 2, RV: 3 e RM: 4), sendo necessário intubação orotraqueal, com uso de Etomidato para a sua indução. Dados os achados da TC e a evolução do paciente para um quadro de descompensação da hipertensão intracraniana, foi necessária a realização de craniotomia descompressiva.

Questões para orientar a discussão

1 – Qual a provável causa da rinorragia encontrada na avaliação secundária? Qual teste poderia ser realizado para comprovar essa suspeita e o que poderia ser encontrado em seu resultado?

2 – Observe a imagem da Tomografia Computadorizada de Crânio abaixo.

a) Com base na imagem, qual o tipo de hematoma encontrado?

b) Quais achados clínicos poderiam levar à suspeita desse tipo de lesão, antes da realização do exame?

3 – O sangramento de couro cabeludo e o hematoma encontrado poderiam ter levado o paciente a um choque hipovolêmico? Justifique.

4 – Qual o nome da tríade que poderia remeter ao quadro de descompensação do traumatismo cranioencefálico apresentado pelo paciente? Quais são os sintomas que compõem essa tríade?

5 – Por que se procedeu com intubação orotraqueal no paciente diante de uma Escala de Glasgow de 9? Por que foi utilizado o Etomidato no momento da indução?

Respostas

1 – Além do fato de que a fratura óssea pode ter desencadeado uma hemorragia na cavidade nasal, devemos suspeitar de saída de líquido cefalorraquidiano associado ao sangue, visto que se trata de um quadro de trauma cranioencefálico, em que a formação de fístulas liquóricas pode ocorrer. Nesse sentido, devemos proceder com o Teste de Halo, em que se pinga uma gota de sangue em um papel, observando se há formação de um círculo claro concêntrico à gota de sangue, o que comprovaria a suspeita de presença de líquor na secreção.

2 – O exame complementar apresentado retrata uma Tomografia Computadorizada de Crânio (TC) em corte axial, em janela de parênquima evidenciando uma coleção hiperdensa biconvexa frontotemporoparietal de grande volume, sugestiva de hematoma extradural agudo, com espessura de 1,8 cm. Há presença de hematoma subgaleal adjacente e é possível identificar compressão sobre o parênquima cerebral, com apagamento difuso de sulcos corticais e desvio de linha média para a direita em 1 cm.

a) Hematoma epidural (entre a dura-máter e o crânio), dado o formato de lente biconvexa.

b) O sangramento da região temporoparietal do couro cabeludo e o mecanismo de trauma sugerem que o paciente sofreu um impacto lateral com a cabeça. Isso pode ter provocado uma ruptura da artéria meníngea média, gerando o hematoma epidural. Além disso, esse tipo de lesão focal é caracterizada por um intervalo lúcido antes do rebaixamento do paciente (conforme foi observado no início do caso, em que o paciente estava consciente e evoluiu para um quadro mais grave posteriormente).

3 – De acordo com a Doutrina de Monro-Kellie, o trauma cranioencefálico não é capaz de provocar um choque hipovolêmico, já que o crânio é um compartimento rígido e incapaz de se expandir. Sendo assim, o hematoma encontrado não seria capaz de ter levado o paciente a um quadro de choque, porém lesões importantes de couro cabeludo, com grande área acometida, podem levar ao choque.

4 – O paciente pode ter apresentado a Tríade de Cushing, que pode ter sido causada pelo aumento da pressão intracraniana por conta da presença do hematoma. Os sinais que compõem essa tríade são bradicardia, bradipneia e hipertensão.

5 – Mesmo com a pontuação na Escala de Coma de Glasgow acima de 8, o paciente foi submetido a intubação orotraqueal por conta da rápida deterioração do seu nível de consciência, pois perdeu 4 pontos em um intervalo de uma hora. O uso do Etomidato é justificado por ser uma droga que não possui efeito hipotensor quanto à pressão arterial e provoca diminuição da pressão intracraniana, sendo indicado em pacientes hemodinamicamente instáveis e com suspeita de hipertensão intracraniana.

Autores, revisores e orientadores:

Liga: Liga Acadêmica de Emergências Pré-Hospitalares – @laephbahiana

Autor(a): Larissa Melo Targino

Co-autor(a): Maria Beatriz Neves de Souza Costa

Revisor(a): Caio Lopes Pereira Santos

Orientador(a): André Dantas Zimmermann, Tauá Vieira Bahia e Ivan de Mattos Paiva Filho

O texto acima é de total responsabilidade do(s) autor(es) e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de Ligas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.

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Referências

PHTLS – Atendimento Pré-hospitalar ao Traumatizado. 9ª ed. Jones & Bartlett Learning, 2019

MEDICINA de emergência: abordagem prática. 13.ed.,2019.

ATLS –  Advanced Trauma Life Support. 10ª ed. ACS American College of Surgeons, 2018.