Cirurgia geral

Casos Clínicos: Câncer de Cólon

Casos Clínicos: Câncer de Cólon

Compartilhar
Imagem de perfil de Notícias

Esse caso clínico foi retirado do livro 50 Casos Clínicos de Cirurgia, publicado pela Sanar.
Autor: Camila Maria Arruda Vilanova
Autor e Revisor: Rafael Vaz Pandini

História clínica

Paciente A.P., 84 anos, sexo feminino, cozinheira aposentada, hipertensa e diabética foi diagnosticada com anemia crônica assintomática. Realizou pesquisa de sangue oculto nas fezes com resultado positivo. A paciente referia hábito intestinal regular, negava hematoquezia, queixava de perda de 6 Kg no último ano. Antecedente pessoal de pan-histerectomia total abdominal e linfadenectomia por neoplasia de endométrio estádio IB seguida de terapia adjuvante com braquiterapia, há 10 anos, atualmente sem evidência de doença. História familiar: pai com antecedente de câncer de próstata. Paciente negava hábitos de tabagismo e etilismo.

Exame físico

• Sinais Vitais: PA 120×70, FC 75 BPM, FR 19, SatO2 98%, Peso: 60Kg, IMC=24

• Paciente consciente, orientada em tempo e espaço, bom estado geral, descorada (2+/4+), hidratada, acianótica, anictérica, afebril. Karnofsky 90. ECOG 01;

• Ausência de linfonodomegalia em cadeias cervicais e supraclaviculares;

• Ausculta cardíaca e pulmonar sem alterações;

• Abdome plano, flácido, ruídos hidroaéreos presentes, percussão timpânica, sem massas ou visceromegalias e indolor à palpação;

• Inspeção anal sem lesões externas, toque retal com esfíncter normotônico, ampola retal ampla, sem lesões tocáveis ou sangue em dedo de luva.

Prosseguimento do caso após avaliação clínica

Paciente octogenária, com boa funcionalidade, quadro de anemia assintomática, perda de peso e pesquisa de sangue oculto nas fezes positiva. Prosseguiu-se investigação com colonoscopia (Fig. 1) e biópsia sendo diagnosticada adenocarcinoma de cólon ascendente. Devido ao seu bom status performance foi encaminhada para estadiamento e avaliação pré-operatória.

Exames Laboratoriais

Tabela 01: Exames laboratoriais de admissão.

Colonoscopia com biópsia

Figura 1 – Imagem de colonoscopia evidenciando lesão ulcerada, infiltrativa, circunferencial e estenosante, intransponível ao colonoscópio (12,8mm). Realizadas biópsias e tatuagem – Biópsia de lesão ulceroinfiltrativa de cólon ascendente evidenciou: Adenocarcinoma moderadamente diferenciado, infiltrativo. Imuno-histoquímica: imunoexpressão das proteínas dos genes de reparo do DNA preservada: PMS2, MLH1, MSH2, MSH6 positivos.

Exames de Estadiamento: Tomografi a computadorizada (TC) helicoidal de tórax abdome e pelve com contraste iodado endovenoso.

Figura 2 – Imagem em corte axial de TC evidenciando lesão anelar estenosante no ângulo hepático do cólon (transverso proximal) estendendo-se por 5,0 cm (sinal da seta). Associa-se leve densificação nos planos adjacentes (suspeito para extensão extramural) e linfonodos regionais subcentimétricos.

Estadiamento clínico: cT3 cN+ cM0

QUESTÕES PARA ORIENTAR A DISCUSSÃO

1. O que é o câncer de cólon e como é feito o seu rastreamento?

2. Quando suspeitar de neoplasia de cólon e quais os fatores de risco associados?

3. Qual o prognóstico e as apresentações clínicas possíveis?

4. Existe diferença dos tumores quanto a sua localização?

5. Uma vez diagnosticado, como proceder a sua avaliação?

6. Qual o tratamento do câncer de cólon?

7. Como é feito o seguimento do paciente?

8. Quando realizar aconselhamento familiar quanto às síndromes associadas?

Discussão

Epidemiologia, Patogênese e Rastreamento.

O adenocarcinoma colorretal ou câncer colorretal (CCR) é uma neoplasia maligna originada na mucosa da parede do intestino grosso que inclui: ceco, cólon ascendente, cólon transverso, cólon descendente, sigmoide e reto. Apesar de compartilhar epidemiologia, patogênese e rastreamento similares aos tumores de reto, os tumores do cólon guardam quadro clínico, estadiamento e tratamento diferentes.

O CCR, excetuando-se os tumores de pele não melanoma, é o terceiro mais frequente em homens e o segundo entre as mulheres. Para o Brasil, estimam-se 17.380 casos novos de câncer de cólon e reto em homens e 18.980 em mulheres para cada ano do biênio 2018-2019. Esses valores correspondem a um risco estimado de 16,83 casos novos a cada 100 mil homens e 17,90 para cada 100 mil mulheres.1,2Em 1990, Fearon e Vogelstein3 descreveram a base molecular do CCR fomentando uma série de estudos que explicam a sequência adenoma- -carcinoma a qual consiste num acúmulo progressivo de mutações que leva à progressão de uma lesão pré-neoplásica (pólipo adenomatoso) para uma lesão neoplásica (carcinoma). A sequência inclui alterações de genes como APC, p53 e RAS e cerca de 85% dos CCR esporádicos e hereditários têm origem nela.4,5A outra via associada às lesões de CCR é a via de neoplasia serrilhada. Ela ocorre por mutação dos genes do reparo de DNA (MMR ) – MLH1, MLH2, MSH6, PMS2 – ou associada a mutação BRAF na qual a hipermetilação de ilhas CpG resulta em inativação de uma proteína de reparo MLH1. A mutação ou a inativação dos MMR é identificada via imuno-histoquímica por instabilidade de microssatélites. É a grande marca do câncer colorretal hereditário não polipoide (HNPPC) e relaciona-se com aproximadamente 15 % de CCR esporádicos.5,6Uma vez reconhecida a patogênese do CCR, observou-se que a ressecção de lesões precoces preveniria a evolução ao câncer. “The National Polyp Study” seguiu 1418 pacientes com colonoscopia e remoção precoce de pólipos. No seguimento de 6 anos, a incidência de CCR foi 88-90% menor do que aquela em pacientes nos quais os pólipos não foram removidos e 76% menor do que a população geral.7

O rastreio do CCR pode ser realizado através de exames de amostra fecais, exames endoscópicos (retossimoidoscopia flexível ou colonoscopia) e de imagem (colonografia virtual com reconstrução em 3D); o enema baritado por duplo contraste não é mais recomendado.8,9 A tabela 02 mostra o rastreio da população geral segundo os principais guidelines.

Os testes de amostras fecais fazem pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) via teste guaiaco (gPSOF) ou teste imuno-histoquímico (sozinho – FIT – ou associado a pesquisa de DNA fecal, FIT-DNA). Apesar do alto número de falsos positivos, gPSOF é o mais usado na rede pública dado seu baixo custo; ele consiste na análise de 03 amostras sucessivas durante dieta modificada. O FIT requer uma amostra única, sem modificação da dieta. Ambos, quando positivos, indicam a realização de colonoscopia.8

A colonoscopia é o exame padrão ouro de rastreamento de CCR, permite avaliar todo o cólon e realizar biópsias e ressecções de lesões precursoras (pólipos).8,9

As complicações associadas a colonoscopia são raras, estudos apontam para uma taxa de sangramento pós-colonoscopia de 0.001-0.687% e de perfuração de 0.005-0.085%.10 Fatores como idade avançada, ASA maiores, gênero feminino, colonoscopia hospitalar, polipectomia com remoção de lesões > 10 mm estão associados a maiores riscos de perfuração.11,12Na escolha do método de rastreio, deve-se levar em conta fatores como efetividade do teste (redução em mortalidade por CCR, segurança, disponibilidade), idade, condição geral e preferência do paciente bem como custo-efetividade. Apesar de diferir em sensibilidade e especificidade, as recomendações concordam que algum rastreio é melhor que nenhum.8,9,11

Tabela 02: Sumário de recomendações dos principais guidelines para rastreio de CCR na população geral.

Fatores de risco e manifestações clínicas

A incidência do câncer de cólon é igual em homens e mulheres, maior em negros e idosos, com idade média de diagnóstico aos 68 anos. Está ocorrendo uma queda na incidência em paciente com mais de 65 anos, provavelmente devido à política de rastreio, porém, a incidência em adultos menores que 40 anos tem aumentado.2

Fatores de risco para o CCR são as síndromes hereditárias; Polipose Adenomatosa Familiar (PAF), Síndrome de Lynch/Câncer colorretal hereditário não polipomatoso (HNPCC) e a Síndrome hereditária do câncer mama-ovário), antecedente pessoal ou em familiares de CCR, atividade e extensão de acometimento de doenças inflamatórias intestinais, radiação abdominal e fibrose cística.16-20Alguns estudos evidenciaram a relação de carnes vermelhas e processadas, dieta rica em gorduras animais, baixa ingestão de fibras, obesidade, sedentarismo, consumo de álcool e cigarro como fatores de risco para CCR.21-24 Os fatores protetores para CCR incluem: atividade física, dieta rica em fibras, frutas e verduras e uso de aspirina.25,26

A atividade física é um fator protetor relevante para câncer de cólon proximal e distal mostrando uma redução de incidência em torno de 25% para ambos segundo metanálises.  Alguns estudos têm mostrado redução da incidência e mortalidade com o uso de aspirina sendo maior esta redução nas lesões proximais.27,28Deve-se suspeitar de CCR em pacientes com queixa de hematoquezia, alteração do hábito intestinal, dor abdominal, emagrecimento, astenia e adinamia, principalmente em pacientes com idade avançada ou em pacientes jovens com sinais e sintomas exuberantes ou com história familiar de CCR na família ou suspeita de possível síndrome genética.29

O CCR apresenta-se em geral de três formas: assintomático – quando identificado em exames de rastreio, sintomático ou em quadros de urgência abdominal como obstrução intestinal, perfuração ou sangramento intestinal volumoso.

As lesões do câncer de cólon direito (CCD), costumam se apresentar com maior frequência através de anemia ferropriva, sangramento oculto nas fezes e perda de peso. CCD possui mais lesões sincrônicas e níveis de CA19-9 mais elevados ao diagnóstico. Na maioria das vezes são lesões mais invasivas e maiores podendo apresentar massa palpável ao exame físico e com invasão de órgãos adjacentes como a parede abdominal, o duodeno ou o ureter direito. O CCD acomete pacientes mais idosos, predomina em mulheres e em pacientes com mais comorbidades.30-33

O câncer de cólon esquerdo (CCE) altera com maior frequência o hábito intestinal (constipação ou diarreia), apresenta-se como hematoquezia e por vezes obstrução intestinal. Tem-se observado redução na sua incidência provavelmente pelos programas de rastreio e diagnóstico precoce.31, 34-36

Prognóstico e localização da lesão

A sobrevida aproximada em 5 anos do CRC, incluindo todos os estadiamentos, é de 65% nos Estados Unidos, ela é inversamente proporcional ao estadiamento da doença. A sobrevida aproximada em 5 anos dos pacientes Estádio I é de 95%, Estádio II 87% a 65%, Estádio III de 60% e Estádio IV de 10%.37A localização do tumor primário se apresenta como fator prognóstico no desfecho clínico.29,38 Define-se por câncer de cólon direito (CCD) aqueles tumores localizados até metade a 2/3 proximais do cólon transverso e o câncer de cólon esquerdo (CCE) os localizados no terço distal do cólon transverso, cólon descendente, sigmoide e junção retossigmoide.

Além de possuírem origem embriológica diferentes (proximal do intestino médio e distal do posterior), colón direito e esquerdo apresentam diferenças na mucosa quanto a sua imunologia, o que talvez expliquem diferença molecular entre as lesões; o cólon direito tem uma mucosa mais rica em eosinófilos e células intraepiteliais T.39,40 CCD e CCE apresentam ainda diferenças clínicas, como já citado previamente, patológicas e moleculares. Os CCD são associados a lesões exofíticas, diploides, histologia mucinosa, deficiência em genes de reparo (MMR), mutações de KRAS, BRAF e microRNA-31. Os CCE se associam a lesões infiltrativas, aneuploides e ainda são relacionados à instabilidade microssatélite, p53, NRAS, microRNA-146a, microRNA-147b e microRNA-1288.43.34,41Na literatura há divergência quanto às diferenças de sobrevida em estádios iniciais de CCD vs CCE. Quanto ao estádio III, há evidência de que o CCD apresenta maior mortalidade.32,33

Estadiamento

O estadiamento do câncer de cólon inclui:42Exame físico completo com exame proctológico.

Exames de imagem (TC de tórax com ou sem contraste, TC de abdome e pelve com contraste).

Colonoscopia completa – caso a colonoscopia seja incompleta, devido a um tumor estenosante e intransponível ao aparelho endoscópico, deve-se lançar mão da colonoscopia virtual (com reconstrução em 3D) para o estudo do cólon à montante e pesquisa de tumores sincrônicos.

Em lesões pequenas e não vistas na tomografia, a tatuagem com tinta de nanquim por colonoscopia é obrigatória para a localização durante a cirurgia.43

Os exames de estadiamento permitem a detecção precisa e a avaliação de metástases, as quais podem exigir mudança de conduta além de permitir melhor planejamento cirúrgico. Tomografia com emissão de pósitrons (PET/TC) não tem recomendação de rotina no estadiamento.44

O estadiamento é realizado de acordo com orientações da American Joint Committee on Cancer (AJCC)42 – Classificação TNM na qual T indica grau de invasão tumoral na parede do cólon, N acometimento linfonodal e M presença de metástase à distância (tabela 03).

Tabela 03: Estadiamento do câncer de cólon – AJCC – 8ª edição.42

Como realizar o tratamento dessa doença?

A ressecção cirúrgica é o único tratamento curativo para câncer de cólon. É indicada para tratamento de lesões localizadas, localmente avançadas e em casos selecionados de pacientes com metástases ressecáveis em pulmão e fígado.

A cirurgia eletiva nos casos de estádio IV avançado é motivo de grande debate.

No estádio I pode-se realizar ressecção local em casos T1 sem fatores de risco para metástase linfonodal e, nos casos T2, a ressecção cirúrgica oncológica. Nos estádios II e III, o tratamento é feito por meio da cirurgia seguindo os princípios oncológicos: a ressecção completa do tumor com margens livres, ligadura de pedículos vasculares na sua origem e a linfadenectomia mesentérica regional. A terapia adjuvante, a quimioterapia, é indicada no estádio III da doença, no estádio II é realizada apenas em casos selecionados. O tratamento para o Estádio IV tem como padrão a quimioterapia e os agentes biológicos. Neste último grupo, as análises genéticas tumorais têm ganhado importante papel.44

Quanto à via de acesso, a literatura demonstra que a via laparoscópica (VLP) possui benefícios como: menor taxa de complicações da ferida, menor índice de íleo pós-operatório, menor perda sanguínea no intraoperatório e menor tempo de internação hospitalar. Vantagens estas relacionadas à menor resposta inflamatória que na via convencional, aberta. O acesso VLP não aumenta recidiva ou diminui sobrevida dos doentes.45-47

No entanto, a cirurgia VLP não é indicada em doenças localmente avançadas (T4b), em casos de obstrução ou perfuração e em caso de inexperiência do cirurgião em cirurgia laparoscópica colorretal; sendo indicado o acesso convencional, a via aberta.44 Cerca de 10% das lesões de CC são localmente avançadas e estão aderidas a órgãos adjacentes por invasão direta ou por reação desmoplásica. O tratamento curativo dessas lesões é a ressecção em bloco. Ressecção realizada em plano incorreto está associada à maior recidiva local, pois em 34- 84% das aderências locais, podemos identificar células malignas.48,49

A extensão da cirurgia e vasos a serem ligados dependerá da localização da lesão:

Tumores no ceco e cólon direito: colectomia direita com ligadura na origem dos vasos ileocecocólicos, vasos cólicos direito (presente em torno de 25% dos pacientes) e o ramo direito dos vasos cólicos médios. (Figura 3)

Tumores da flexura hepática e transverso proximal: colectomia direita ampliada com a ligadura na origem dos vasos ileocecocólicos, vasos cólicos direito e dos vasos cólicos médios. (Figura 4)

Lesões na flexura esplênica, transverso distal e cólon descendente proximal: colectomia esquerda com a ligadura do ramo esquerdo dos vasos cólicos médios, da artéria cólica esquerda e da veia mesentérica inferior. (Figura 5)

Lesões da transição retossigmoide e descendente distal: retossigmoidectomia com ligadura na origem da veia mesentérica inferior e da artéria mesentérica inferior e margem oncológica distal adequada. (Figura 6)

Tumores do cólon transverso podem ser tratados com transversectomia em casos selecionados, tumores de cólon transverso distal podem exigir uma colectomia subtotal quando não possível realizar anastomose colo-colônica.

Nos casos de Câncer Colorretal Hereditário Não Polipomatoso (HNPCC), na Polipose Adenomatosa Familiar (PAF) atenuada e em tumores sincrônicos (Ex: lesão em sigmoide e ceco) a colectomia total com ileorretoanastomose é indicada.

A margem proximal e distal deve ser de pelo menos 5 a 7 cm da lesão.50 Quando o paciente é submetido a colectomia direita, a extensão do íleo ressecado não está associada a aumento da taxa de recidiva.51A quantidade de linfonodos ressecados é um indicador da qualidade da cirurgia realizada. Linfadenectomia regional fornece informações prognósticas que guiam o tratamento pós-operatório. Um mínimo de 12 linfonodos é necessário para definição do estádio N.44

Em quadros de urgência, os tumores de cólon podem se apresentar com sangramento profuso, obstrução intestinal ou perfuração. O tratamento do sangramento intestinal profuso é inicialmente suporte e estabilização clínica. Na falha do tratamento clínico realiza-se a cirurgia de emergência respeitando os princípios oncológicos.

Nos quadros de perfuração, o tratamento inicial é estabilização clínica com antibioticoterapia seguido de cirurgia de urgência. Realiza-se a ressecção da lesão segundo os princípios oncológicos. A decisão de realizar anastomose primária depende do grau de contaminação e condição clínica do paciente. Pacientes operados por perfuração tem maior morbimortalidade e menor sobrevida total e livre de doença em 5 anos.52,53 Em pacientes com quadro obstrutivo, o tratamento dependerá do local da obstrução. Em casos de lesão obstrutiva à direita ou no cólon transverso, em doenças potencialmente curáveis, realiza-se colectomia direita ou direita ampliada. Pacientes idosos, com hipoalbuminemia e sepse, têm alto risco para deiscência de anastomose e nestes casos está indicada a ileostomia.

Em pacientes com lesão no cólon esquerdo ressecáveis é indicado colectomia esquerda respeitando os princípios oncológicos. Em casos de paciente com sepse, em má condições clínicas, com múltiplas comorbidades pode-se optar pela cirurgia de Hartmann, que consiste na ressecção oncológica do tumor e colostomia terminal. O uso de próteses/stents como “tratamento ponte” para a cirurgia tem indicação controversa e precisa ser mais bem avaliado com estudos randomizados e prospectivos, seu uso tem sido desencorajado. A colectomia total também pode uma opção em casos de obstrução intestinal do cólon esquerdo em que o status do cólon proximal não é conhecido.54-57No caso em discussão, a paciente foi submetida à colectomia direita ampliada VLP. O resultado anatomopatológico foi: Adenocarcinoma Invasivo tubular; Grau histológico: moderadamente diferenciado; Localização: cólon transverso; Tamanho: 4,5 cm no maior eixo; Configuração macroscópica: anelar-estenosante; Componente mucinoso: ausente; Brotamentos no fronte de invasão: presentes; Infiltração em profundidade: até tecido adiposo pericólico; Invasão angiolinfática: presente; Invasão perineural: presente; Margens livres; Ausência de metástase em 22 linfonodos regionais (00/22) – Estadiamento pT3N0 (AJCC 8ª edição).

Fatores Prognósticos que alteram conduta

Os fatores prognósticos considerados como mais relevantes para o tratamento de câncer de cólon são:42São fatores de pior prognóstico a dosagem sérica de CEA elevada, Grau do tumor 3 ou 4, invasão angiolinfática e perineural, presença de budding, e comprometimento da margem.

A Instabilidade microssatélite no Estádio II é fator de bom prognóstico e prediz má resposta à quimioterapia adjuvante com 5-FU (fluoracil). Mutação de KRAS e NRAS: mutação de RAS marca pior prognóstico em estádios III e IV além de predizer má resposta à quimioterapia com cetuximabe e panitumumabe.

Mutação de BRAF: marcador de mau prognóstico, no entanto, atenuado se presença de instabilidade microssatélite. Mutação BRAF indica ausência de resposta a anti-VEGF em pacientes estádio IV.

Quimioterapia Adjuvante

Há vários esquemas de quimioterapia adjuvante. Discorremos brevemente sobre aquele indicado pela National Comprehensive Cancer Network (NCCN). O tratamento adjuvante é realizado com objetivo de erradicar micrometástases após ressecção curativa de câncer de cólon. Sua indicação baseia-se em achados histopatológicos da peça cirúrgica, estádio e a performance do doente. A radioterapia tem pouco uso no câncer de cólon, indicada apenas em casos selecionados de tumores T4b.

Para o câncer de cólon ressecado não metastático a NCCN recomenda:44

Estádio II: Para aqueles T3, N0,M0 (MSI-L ou MSS sem fatores de risco) observação ou considerar capecitabina ou 5FU/Leucovorin. Aqueles T3,N0,M0 com fatores de alto risco ou T4,N0,M0 capecitabina ou 5FU/Leucovorin ou FOLFOX (5FU, leucovorin, oxaliplatina) ou CapeOx (capecitabina, oxaliplatina). Define-se fatores de alto risco no estádio II de alto risco: <12 linfonodos regionais ressecados na peça cirúrgica, histologia mal diferenciada (exceto os MSI-H), invasão vascular ou linfática, invasão perineural, lesão obstruída, tumor perfurado e margens indeterminadas ou positivas.

Estádio III de baixo risco (T1-3/ N1): FOLFOX (5FU, leucovorin, oxaliplatina) por 3 a 6 meses ou CapeOX (capecitabina, oxaliplatina) por 3 meses.

Estádio III de alto risco (T4/N1-2 e qualquer T/N2b): CapeOx por 3 a 6 meses e FOLFOX por 6 meses.

Os regimes para o câncer de cólon metastático incluem agente molecular-alvo baseado em testes para KRAS, NRAS e mutação BRAF.

No caso em questão, temos um Estádio II alto risco (presença de infiltração angiolinfática e perineural). A paciente foi avaliada pela equipe de geriatria para avaliar risco beneficio na indicação de quimioterapia (QT) adjuvante. Apesar de comorbidades clínicas controladas, funcionalidade preservada em função do risco de quimiotoxicidade, optou-se, em conjunto com a oncologia, pelo seguimento clínico sem realização de QT adjuvante para paciente.

Seguimento pós-operatório

A recidiva do câncer de cólon ocorre em 85% nos 3 primeiros anos após a ressecção do tumor primário e em 95% nos primeiros 5 anos. Por isso pacientes estádios II e III são seguidos por até 5 anos.37

O seguimento é realizado com exame físico, dosagem de CEA, tomografia de tórax, abdome e pelve e a colonoscopia. Na tabela 4 estão as recomendações para o seguimento das principais sociedades.

Tabela 4 – Recomendações para seguimento após cirurgia em pacientes com câncer de cólon

Síndromes associadas

Aproximadamente 20% dos casos de câncer de cólon têm associação com história familiar. A principal síndrome hereditária associada é a síndrome de Lynch, ocorre em 2% a 4% de todos os casos de CCR. Ela decorre de mutação em um dos quatro genes de reparo de DNA (MMR): MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2. Pode ser testada através de imuno-histoquímica (IH) de expressão das proteínas de MMR ou por análise de instabilidade microssatélite. Dado os custos desses exames, há critérios que guiam a sua indicação sendo os mais reconhecidos Amsterdam II e Bethesda.59,60 Tem havido na literatura nova tendência a indicar que a IH dos MMR seja feita para todos os pacientes com câncer de cólon e endométrio, apesar de seus antecedentes familiares, de acordo com estudos publicados pela Evaluation of Genomic Applications in Practice and Prevention (EGAPP).61

Outra síndrome que merece destaque é a Polipose adenomatosa familiar (PAF) com prevalência estimada de 3 casos por 100 000 indivíduos, identificada em 1% dos pacientes com CCR nos EUA.62 Caracteriza-se por uma mutação autossômica dominante no Adenomatous Polyposis Coli gene (APC). Possui a apresentação clássica com presença de mais de 100 pólipos adenomatosos no cólon ou PAF atenuada com cerca de 10 a 100 pólipos, média de 30-35, sendo mais frequente no cólon direito e em pacientes mais velhos, > 36 anos. O teste de mutação do APC é indicado quando paciente tem ≥ 20 pólipos adenomatosos acumulados ou história familiar de PAF. A PAF está associada com outras condições como os tumores desmoides, adenocarcinoma periampulares, hepatoblastoma, meduloblastoma e câncer de tireoide.63 Se um paciente suspeito para síndrome polipoide realiza o teste de genético e não apresenta mutação no gene AP, deve se avaliar o gene MYH para a pesquisa da polipose associada ao gene MYH (MAP), porque 10 a 20 % dos pacientes que não apresentam mutação no gene APC tem mutação no gene MYH.59,64

A identificação dessas síndromes é importante, tendo em vista que para essa população há diferenças de rastreio. Na PAF deve-se realizar colonoscopia (preferível) ou retossigmoidoscopia flexível a partir dos 10-15 anos, repetir anualmente se mutação APC presente, e em intervalos variados se negativo (anual até os 24 anos, 2/2anos até os 34 anos, 3/3anos até 44 anos e a cada 3-5 anos após). Na síndrome de Lynch, colonoscopia a partir dos 20-25 anos ou 2 a 6 anos antes do primeiro caso da família; se diagnosticado antes dos 25 anos, repetir a cada um ou dois anos.64Quando o paciente desconhece seus antecedentes familiares, a pesquisa por síndromes hereditárias é indicada se observados na colonoscopia: ≥ 10 pólipos adenomatosos (suspeita de PAF, PAF atenuada ou MAP); > 02 pólipos hamartomatosos (Suspeita de síndrome de Peutz-Jeghers ou Síndrome do pólipo juvenil ou síndrome de Cowden) e ≥ 05 pólipos serrilhados (investigação de síndrome do pólipo serrilhado).64

Pontos importantes

• O CCR é o terceiro mais frequente nos homens e o segundo mais frequente entre as mulheres excetuando-se o câncer de pele não melanoma.

• Fatores de risco são associados à fatores genéticos e ambientais.

• A colonoscopia é o exame que deve ser solicitado na suspeita de câncer de cólon.

• A sobrevida do câncer de cólon está relacionada com o seu estadiamento, estadiamentos iniciais têm maior sobrevida.

• Os tumores do cólon direito se comportam diferente dos tumores do cólon esquerdo.

• O único tratamento curativo para o câncer de cólon é a cirurgia.

• A cirurgia laparoscópica tem vantagens na recuperação do doente e a mesma qualidade oncológica da cirurgia convencional, mas em alguns casos como T4b e em quadros de urgência não deve indicada.

• A cirurgia deve seguir preceitos oncológicos, estes definidos de acordo com a localização do tumor.

• O número de linfonodos ressecados e avaliados pela patologia é um critério de qualidade da cirurgia.

• Pacientes operados em quadro de urgência têm pior prognóstico.

• Pacientes com estádio III patológico tem indicação de quimioterapia adjuvante, os pacientes com estádio II precisam de avaliação individualizada quanto à indicação da mesma, assim como os idosos e os pacientes frágeis.

• Pacientes com metástases de câncer de cólon devem ser testados geneticamente para KRAS, NRAS e BRAF.

• O seguimento do câncer de cólon é feito por 5 anos seguindo as normas das principais sociedades.

• Pacientes com síndromes polipoides exigem seguimento e tratamento de forma distinta dos pacientes com câncer de cólon esporádico.

Confira o vídeo: